Não é segredo para ninguém que a Udinese costuma ser uma das equipes mais hábeis na hora de identificar jovens promissores para maturá-los no Friuli e, em seguida, vendê-los a peso de ouro. A máquina de lucro bianconera já obteve ganhos extraordinários com atletas como Samir Handanovic, Medhi Benatia, Gökhan Inler, Kwadwo Asamoah, Juan Guillermo Cuadrado e Alexis Sánchez, além de Oliver Bierhoff e Márcio Amoroso em tempos mais remotos. A diretoria, porém, não foi eficiente apenas para fazer seus olheiros buscarem protagonistas: bons coadjuvantes, como o sérvio Aleksandar Lukovic, ajudaram a construir fortes elencos.
Lukovic nasceu em Kraljevo, cidade localizada num vale no centro da Sérvia. O jogador cresceu nos tempos em que seu país ainda compunha a Iugoslávia e se profissionalizou pelo Sloga Kraljevo, time local que disputava a segunda divisão. Em meados da temporada 2001-02, Aleksandar chamou a atenção do gigante Estrela Vermelha, mas só foi se firmar no clube de Belgrado numa segunda passagem, após empréstimo ao Jedinstvo.
Na segunda de suas três estadias pelos alvirrubros da capital de seu país, Lukovic faturou o Campeonato Sérvio-Montenegrino e a Copa de Sérvia e Montenegro, em 2006. Ostentando o status de pilar do Estrela Vermelha, o defensor ganhou as suas primeiras chances na seleção nacional e, de quebra, foi notado pela Udinese. Assim, prestes a completar 24 anos, foi vendido ao clube italiano.
Apesar do cartaz, Lukovic mal pisou em Údine e já foi repassado por empréstimo pelos friulanos, que não tinham espaço no elenco para novos atletas extracomunitários. A expectativa inicial era fazê-lo se ambientar ao futebol italiano em outro clube. Até porque, além das questões relativas à legislação para estrangeiros, que lhe impediam de atuar pela Udinese num primeiro momento, o sérvio teria muita concorrência no nordeste da Itália.
Lukovic jogava como zagueiro pela esquerda numa linha de três ou de quatro, além de poder ser utilizado como lateral ou ala canhoto. Só que a Udinese tinha fartas opções em ambos os setores, o que a levava a não precisar se desfazer de um extracomunitário para abrigá-lo de imediato – afinal, a aposta no sérvio era para o futuro. Em 2006-07, a zaga da equipe contava com Cristián Zapata, Andrea Coda, Cesare Natali e Felipe, enquanto o flanco sinistro podia ser coberto por Andrea Dossena, Guilherme Siqueira, Damiano Zenoni e até Sulley Muntari.
O destino do sérvio foi o Ascoli, que disputava sua segunda temporada seguida na Serie A após uma ausência de quase 15 anos. Na região das Marcas, Lukovic foi utilizado integralmente como lateral-esquerdo pelo técnico Attilio Tesser. Contudo, o time não ganhou nenhuma partida nas 11 primeiras rodadas do campeonato, o treinador foi demitido e Nedo Sonetti, seu substituto, logo descartou Aleksandar. Sem espaço com o novo comandante, que o barrou, o defensor retornou à Udinese em janeiro de 2007.
Em seus primeiros meses de Udinese, o eslavo pouco pisou em campo: foi escalado somente duas vezes como titular por Alberto Malesani e entrou no decorrer de outras três partidas. Após a sua equipe concluir a Serie A no 10º lugar, ao passo que o Ascoli era clamorosamente rebaixado, Lukovic viu sua vida mudar quando a diretoria foi buscar o técnico Pasquale Marino, que vinha de bom trabalho no Catania.
O comandante siciliano enxergou no sérvio a figura ideal para ser o zagueiro canhoto do seu ofensivo 3-4-3. Com Aleksandar no setor, Dossena teria cobertura para avançar e, ao mesmo tempo, contaria com um defensor habilidoso para trocar passes. Absoluto na linha de retaguarda de Marino, Lukovic fez 36 jogos e ficou de fora de somente sete compromissos da Udinese na temporada. O sérvio se destacou pela diligência e pela disciplina, visto que só levou quatro cartões amarelos e cumpriu apenas uma rodada de suspensão em 2007-08. Os bianconeri terminaram a Serie A na sétima posição e se classificaram para a Copa Uefa.
Na competição europeia da temporada seguinte, aliás, Lukovic viveu um de seus melhores momentos pela Udinese: converteu o pênalti decisivo para eliminar o tradicional Borussia Dortmund e classificar os bianconeri para a fase de grupos da Copa Uefa. Durante 2008-09, o sérvio ganhou nova atribuição, visto que Dossena se transferiu para o Liverpool: assumiu a ala esquerda da equipe, em rodízio com Giovanni Pasquale, enquanto Maurizio Domizzi lhe substituiu na zaga.
Lukovic não era o jogador mais habilidoso do mundo nem o mais agudo deles. O sérvio não era de chegar à linha de fundo com frequência para cruzar a bola na área e, quando Marino optava por essas características, escalava Pasquale. Aleksandar tinha outro estilo: oferecia potência física e, de maneira incansável, fechava o corredor canhoto para que, no flanco oposto, Mauricio Isla avançasse. Sua função defensiva era importantíssima, visto que a Udinese ainda contava com várias peças leves, como Sánchez, Fabio Quagliarella, Antonio Di Natale e Simone Pepe.
A Udinese de Marino oscilava na mesma medida em que praticava um futebol bonito. Assim, na temporada 2008-09, a equipe alternou apagões a períodos repletos de vitórias consecutivas. O resultado? Outro sétimo posto na Serie A e eliminações nas quartas de final da Coppa Italia e da Copa Uefa, para Sampdoria e Werder Bremen, respectivamente. Para Lukovic, o saldo foi de 35 aparições.
Em 2009-10, as oscilações da Udinese atingiram um novo patamar, a ponto de a equipe chegar às semifinais da Coppa Italia ao mesmo tempo em que brigavam pela permanência na Serie A. No campeonato, os friulanos tiveram imensa dificuldade de conservarem períodos de invencibilidade: os únicos dignos de nota foram os de quatro partidas, na reta inicial, e de seis, na final. Em comum, essas sequências tiveram o dedo de Marino, que foi demitido com a temporada em andamento e chamado de volta para substituir Luigi De Canio, que não convenceu.
Com incríveis 16 derrotas em 38 rodadas, a Udinese brigou contra o rebaixamento e só se salvou na antepenúltima jornada. Sua manutenção se deu muito por conta dos 29 gols do artilheiro Di Natale e das defesas de Handanovic, mas Lukovic também ofereceu uma sólida participação – inclusive, foi a sua melhor temporada no Friuli, em termos individuais. Revezando entre a zaga e a lateral, foi um dos nomes que não naufragaram na retaguarda bianconera e, além das boas atuações, forneceu três assistências em 36 aparições.
Em alta, o defensor da Udinese ainda disputaria a sua primeira Copa do Mundo em 2010. Depois de ajudar a Sérvia a se classificar para o torneio, na África do Sul, foi recompensado pelo técnico Radomir Antic com a titularidade na competição, numa linha com Branislav Ivanovic, Nemanja Vidic e Aleksandar Kolarov. Só que as águias, que ainda contavam com nomes como o capitão Dejan Stankovic, Milos Krasic e Neven Subotic, acabaram decepcionando.
Na estreia, Lukovic foi um dos responsáveis pela derrota para Gana, já que foi expulso no confronto. Em sua ausência, a Sérvia venceu a forte Alemanha e tinha tudo para se classificar na última rodada, mas perdeu para a Austrália e foi eliminada com a lanterna do Grupo D. Apesar da indisciplina, Aleksandar mostrou bom nível técnico no centro da defesa eslava, além de cortar muitas bolas e se arriscar no ataque. Um desempenho que, porém, foi insuficiente.
O ano de 2010 também representou, para Lukovic, um novo passo na carreira. O sérvio recebeu uma boa proposta do Zenit, um dos maiores times da Rússia, e embarcou para o Leste Europeu depois de a Udinese aceitar os 7 milhões de euros oferecidos. Portanto, encerrava sua trajetória pela Itália após 112 aparições e desempenhar um papel importante na elevação de patamar dos friulanos – que, nas duas temporadas posteriores à sua venda, obtiveram classificações para a Champions League.
Pelo Zenit, Aleksandar ganhou uma Supercopa da Rússia e duas edições da Premier League local. No entanto, não caiu nas graças do técnico italiano Luciano Spalletti e foi pouco utilizado durante sua passagem pelos azuis – inclusive, várias vezes jogou pelo Zenit-2, time B do clube de São Petersburgo, que disputa as divisões inferiores russas. Nessa mesma época, surpreendeu ao anunciar, com apenas 28 anos, sua aposentadoria da seleção sérvia.
Em 2014, Lukovic acertou seu retorno para o Estrela Vermelha e, antes de pendurar as chuteiras, aos 34 anos, ainda venceu um Campeonato Sérvio. Após um período de estudos e de ocupar o cargo de diretor esportivo do Graficar, de Belgrado, o ex-defensor foi apontado como técnico da seleção sub-16 de seu país em 2021 – e, galgando degraus, comandou também a sub-17 e a sub-18. Quantos dos jovens que ele lapidar seguirão o seu exemplo e se mudarão para a Itália, quem sabe para a atenta Udinese?
Aleksandar Lukovic
Nascimento: 23 de outubro de 1982, em Kraljevo, Sérvia (antiga Iugoslávia)
Posição: zagueiro e lateral-esquerdo
Clubes como jogador: Sloga Kraljevo (1999-2002), Estrela Vermelha (2002-03, 2004-06 e 2015-17), Jedinstvo (2003-04), Ascoli (2006), Udinese (2007-10) e Zenit (2010-14)
Títulos como jogador: Copa da Iugoslávia (2002), Campeonato Sérvio-Montenegrino (2006), Copa de Sérvia e Montenegro (2006), Premier League Russa (2010 e 2012), Supercopa da Rússia (2011) e Campeonato Sérvio (2016)
Carreira como treinador: Sérvia Sub-16 (2021-22), Sérvia Sub-17 (2022-23) e Sérvia Sub-18 (2023-24)
Seleção sérvio-montenegrina: 5 jogos
Seleção sérvia: 23 jogos