Em meados da década de 2000, a Juventus começou a se movimentar para transformar o odiado estádio Delle Alpi num caldeirão, que pudesse servir de fortaleza bianconera para os anos vindouros. De fato, o Allianz Stadium se tornou um reduto praticamente inviolável e um dos grandes trunfos do maior período hegemônico que a Velha Senhora construiu na Serie A. Mas o futebol é um terreno fértil para ironias e, em 2012, coube à Inter, maior rival da equipe de Turim, ser a primeira visitante a festejar na arena. De quebra, os nerazzurri ainda encerraram uma das maiores sequências de invencibilidade da história do campeonato.
A história do Allianz Stadium, curiosamente, é quase paralela à do Delle Alpi, seu antecessor. Inaugurada em 1990, para ser utilizada na Copa do Mundo realizada na Itália, a praça esportiva rapidamente se tornou obsoleta. Foi erguida numa região periférica de Turim, o que já poderia afastar a torcida. No entanto, o que realmente incomodava era a distância das desconfortáveis arquibancadas para o campo, agravada pela existência de uma pista de atletismo, e o tamanho da arena, com capacidade para 70 mil lugares. Pela baixa frequência de público e pela atmosfera gélida, o estádio ficou conhecido como “muito grande, muito frio e muito vazio”.
Como a torcida pouco se empolgava para comparecer ao Delle Alpi, a Juventus chegou a levar jogos importantes para fora de Turim ao longo da década de 1990. Além disso, a agremiação estava insatisfeita com os altos custos de aluguel e manutenção de um estádio que não dava lucro para nem mesmo para a prefeitura da cidade, proprietária do equipamento. Foram necessários anos de tratativas até que o clube conseguisse arrendar o terreno da praça esportiva e pudesse concretizar o plano de demoli-la e construir, em seu lugar, um complexo multifuncional ao qual pertence o atual Allianz Stadium, de 41,5 mil lugares. O projeto foi atrasado devido ao baque financeiro que atingiu a Velha Senhora por ocasião do Calciopoli, mas saiu do papel em 2011.
O Juventus Stadium – renomeado em 2017, após a aquisição de naming rights por parte da seguradora alemã Allianz – se tornou a pedra fundamental da recuperação da Velha Senhora nos anos pós-Calciopoli. Através da simbiose com a torcida, que passou a lotar arquibancadas anteriormente inóspitas, Antonio Conte conseguiu levar a equipe bianconera ao título invicto da Serie A, em 2011-12, e recuperou o moral abalado por aquelas bandas de Turim. Em 2012-13, a química e a competência continuavam: nas 10 primeiras rodadas do campeonato, a Juve somou nove vitórias e um empate. Era líder.
Na 11ª jornada, havia um Derby d’Italia no caminho. A Inter, treinada por um jovem Andrea Stramaccioni, somava os mesmos nove triunfos da rival, mas contava com derrotas para Roma e Siena em sua trajetória e ocupava a vice-liderança. Os nerazzurri viviam seu melhor momento desde o título da Coppa Italia de 2011 e ansiavam pelo retorno às glórias após uma tenebrosa campanha em 2011-12 – quando, a duras penas, foi somente sexta colocada da Serie A.
O clássico começou muito bem para a Juventus – e mal para a arbitragem de Paolo Tagliavento. Com apenas 18 segundos de jogo, o trio de árbitros errou e não marcou um impedimento de cerca de dois metros de Kwadwo Asamoah. O ganês recebeu enfiada de Mirko Vucinic e tentou bater cruzado, mas espirrou o taco. No entanto, Arturo Vidal apareceu do outro lado da área e completou para as redes.
Além do impedimento não marcado, Tagliavento errou frequentemente no quesito disciplinar. O árbitro não mostrava critérios definidos para aplicar cartões amarelos e permitiu que Stephan Lichtsteiner cometesse faltas duras em sequência. Para não ficar em inferioridade numérica, Angelo Alessio, que substituía o suspenso Conte, foi precavido e sacou o suíço antes do intervalo, promovendo a entrada de Martín Cáceres.
A Inter, apesar de cometer algumas indecisões defensivas, pressionava a Juventus – e teve um gol, de Rodrigo Palacio, bem anulado por impedimento. Na melhor chance do primeiro tempo, Antonio Cassano tirou tinta da trave com um chute cruzado. A Beneamata fazia uma boa partida num 3-4-2-1, utilizado por Stramaccioni a despeito da malfadada experiência do 3-4-3 de Gian Piero Gasperini no ano anterior. Até poucas semanas antes, o esquema era totalmente repudiado pela torcida, mas o técnico vinha conseguindo bons resultados com o módulo tático e modificou a visão dos nerazzurri.
A conversa entre Stramaccioni e seus comandados no intervalo funcionou e a equipe de Milão voltou a campo mais compacta e agressiva. Palacio e Yuto Nagatomo tiveram ótimas chances e testaram Gianluigi Buffon. Até que, aos 57 minutos, uma falta sofrida pelo lateral-esquerdo japonês foi o caminho para o gol de empate da Inter. Obcecado pelo treinamento de bolas paradas, Strama combinou uma jogada ensaiada, que terminou com puxão de Claudio Marchisio sobre Diego Milito, dentro da área. O argentino converteu a cobrança de pênalti e abalou a Juventus.
A Juve pouco levava perigo sem Lichtsteiner e Vucinic, que saiu lesionado e deu lugar a Nicklas Bendtner. Andrea Pirlo aparecia pouco, Vidal e Marchisio não estavam nos seus melhores dias e apenas Sebastian Giovinco tentava alguma coisa – mas esbarrava numa defesa bem postada. Para tentar acrescentar criatividade ao meio-campo bianconero, Alessio tinha a possibilidade de lançar o garoto Paul Pogba, que iniciara a temporada em ótima forma. Contudo, o manteve no banco. Assim, o jogo juventino se concentrou nos alas, que foram contidos por Nagatomo e Javier Zanetti.
Percebendo que o meio-campo da Juventus não estava rendendo tudo o que podia, Stramaccioni decidiu sacar Cassano e colocar um jogador mais capaz de pressionar os adversários. Fredy Guarín entrou aos 69 minutos e, logo aos 75, mostrou que a decisão do técnico foi acertada: interceptou um passe curto de Vidal no círculo central, avançou e soltou uma bomba. Buffon rebateu e Milito, desmarcado, aproveitou a sobra para virar a partida.
A doppietta do argentino desnorteou a Juventus, que só teve chances dali em diante porque a Inter errou em duas saídas de bola, com Walter Gargano e Juan Jesus. Aos 88 minutos, depois de contra-ataque puxado mais uma vez por Guarín, Nagatomo fez a jogada que originou o gol de Palacio e deu números finais a um Derby d’Italia decidido por pés argentinos.
Pela primeira vez após a inauguração do Juventus Stadium, acontecida em setembro de 2011, a Velha Senhora se rendia em seus domínios. Porém, a Inter não foi apenas a equipe que abriu a contagem de derrotas caseiras dos bianconeri: a Beneamata encerrou um período de mais de um ano e cinco meses sem tropeços da rival pela Serie A. A sequência de 49 jogos de invencibilidade era a segunda maior da história do campeonato, atrás apenas da que o Milan estabeleceu, entre 1991 e 1993 – 58 partidas.
Com o resultado, a Inter ficou somente um ponto atrás da Juventus, que ainda liderava o campeonato. Chegou a haver a expectativa de que os nerazzurri pudessem disputar o título com a Velha Senhora, já que Stramaccioni estava perseguindo o recorde de triunfos de Roberto Mancini pela equipe. No entanto, Strama jamais atingiu a marca de 13 vitórias em sequência. Parou em 10, quando, na rodada seguinte da Serie A, o seu time perdeu para a Atalanta.
Dali em diante, a Beneamata não se encontrou mais. A partir do triunfo no Derby d’Italia, a Inter somou quatro derrotas, dois empates e somente duas vitórias até o fim do primeiro turno. No returno, só ganhou mais cinco jogos. A campanha nerazzurra degringolou e a temporada terminou de forma melancólica, com uma reles nona posição na Serie A. O único fato realmente marcante de 2012-13 foi o sucesso no Juventus Stadium.
A Juve, por sua vez, não se abalou com a queda no clássico. Até somou mais alguns passos em falso nos jogos seguintes, mas logo entrou na linha e foi campeã italiana com sobras, conquistando o segundo dos seus nove títulos consecutivos. E o seu estádio continua a funcionar como fortaleza: até o fechamento deste texto, a equipe disputou 294 partidas na arena, somando 225 vitórias, 47 empates e apenas 22 derrotas. Os adversários que superaram a Velha Senhora foram Inter, Sampdoria, Bayern de Munique, Fiorentina, Udinese, Lazio, Napoli, Manchester United, Ajax, Roma, Barcelona, Benevento, Milan, Empoli, Sassuolo, Atalanta, Villarreal, Benfica e Paris Saint-Germain. Entre estes, somente a Beneamata e a Viola conseguiram dois triunfos. Um retrospecto invejável por parte da gigante de Turim.
Juventus 1-3 Inter
Juventus: Buffon; Barzagli, Bonucci, Chiellini; Lichtsteiner (Cáceres, Quagliarella), Vidal, Pirlo, Marchisio, Asamoah; Giovinco, Vucinic (Bendtner). Técnico: Antonio Conte (suspenso; substituído por Angelo Alessio).
Inter: Handanovic; Ranocchia, Samuel, Juan Jesus; Zanetti, Gargano, Cambiasso, Nagatomo; Cassano (Guarín), Palacio; Milito (Mudingayi). Técnico: Andrea Stramaccioni.
Gols: Vidal (1′); Milito (58′ e 75′) e Palacio (89′)
Árbitro: Paolo Tagliavento (Itália)
Local e data: Juventus Stadium, Turim (Itália), em 3 de novembro de 2013