Brasileiros no calcio

Zagueiro sólido e limpo, Miranda foi pilar defensivo de uma Inter ressurgente

A Inter transitou por caminhos tortuosos na década de 2010. Após a conquista da Tríplice Coroa em 2009-10, a equipe não conseguiu ser mais competitivo nacional e internacionalmente por muitas temporadas. Durante o período de vacas magras, diversos jogadores foram contratados, inseridos em um ambiente caótico e, assim, acabaram fracassando em Milão. O zagueiro Miranda, por outro lado, correspondeu às expectativas – depois de passagem marcante pelo Atlético de Madrid – e se tornou um pilar defensivo da Inter, sobretudo na trajetória de retorno à Liga dos Campeões após seis anos de ausência do maior torneio de clubes da Europa.

Natural de Paranavaí, cidade localizada no Paraná, Miranda cresceu nas categorias de base do Coritiba. Em 2004, aos 19 anos, subiu ao profissional e rapidamente se destacou por sua qualidade e sua personalidade. Não por acaso o então técnico do Coxa, Antônio Lopes, o colocou como titular no time que ganharia o Campeonato Paranaense e disputaria a Copa Libertadores. O desempenho do zagueiro, que também poderia atuar como lateral-direito, chamou a atenção de clubes estrangeiros e, em julho de 2005, ele se transferiu para o Sochaux, da França.

Apesar de sua passagem pelo Coritiba ter sido breve (88 jogos e seis gols), Miranda já demonstrava habilidade e potencial para se tornar um jogador de destaque no futebol brasileiro e no internacional. O zagueiro deixou sua marca no clube paranaense e rumou ao time francês com um contrato de quatro anos assinado, mas permaneceu apenas uma temporada no Sochaux.

Depois de somente 21 partidas em solo francês, o zagueiro retornou ao Brasil. O Internacional, em alta após conquistar o Mundial de Clubes sobre o Barcelona de Ronaldinho, sinalizou interesse, mas foi o São Paulo quem levou o jogador. Era para o Tricolor paulista que Miranda torcia quando criança, então sua escolha fez sentido. Substituto do uruguaio Diego Lugano, o defensor pegou emprestada a alcunha do São Paulo e foi soberano, sendo a única peça inamovível da zaga tricolor durante o inédito tricampeonato brasileiro (2006, 2007 e 2008).

As boas atuações com a equipe são-paulina fizeram Miranda estrear pela seleção brasileira – ele chegou a ser convocado para um amistoso contra a Argélia em agosto de 2007, mas não entrou em campo. O zagueiro ganhou os primeiros minutos com a amarelinha em abril de 2009, quando o Brasil bateu o Peru, por 3 a 0, pelas Eliminatórias à Copa do Mundo de 2010.

Após brilhar por São Paulo e Atlético de Madrid, Miranda aceitou o desafio de reerguer a Inter (Getty)

Dunga, então técnico da seleção brasileira, gostou da performance do paranaense e o incluiu na lista de selecionáveis para a Copa das Confederações de 2009 após Alex se lesionar. O Brasil ganhou a competição, e o beque foi titular na vitória por 3 a 0 sobre os Estados Unidos, valendo pela segunda rodada do Grupo B. Porém, ele não seria chamado para a Copa do Mundo de 2010 e ficaria ausente das convocações de Mano Menezes.

Com o nome cravado na história do São Paulo, Miranda optou por não renovar contrato e, pela porta da frente, deixou a agremiação para se juntar ao Atlético de Madrid, em julho de 2011. O brasileiro não demorou a ganhar a confiança de Diego Simeone e figurar entre os titulares. Ao lado de Diego Godín, o paranaense formou uma das duplas de zaga mais sólidas não só da Espanha, mas de toda a Europa.

Com o Atlético, o camisa 23 viveu momentos mágicos também no ataque: deixou sua marca na goleada contra o Chelsea (4 a 1), na decisão da Supercopa Uefa de 2012, e fez o gol do título da Copa do Rei de 2012-13. O Atleti bateu o rival Real Madrid, por 2 a 1, na prorrogação, dentro da casa dos merengues. Aquele troféu foi um divisor de águas para toda a comunidade colchonera, como Miranda explicou em uma entrevista à Fifa+.

“Aquele jogo marcou o clube”, sentenciou. “Existia um Atlético de Madrid antes daquele jogo e outro depois. Quebramos um jejum [de títulos nacionais, que durava desde 1996.] Era algo que era visto quase até como uma maldição, e isso mexeu muito com a torcida, e foi no Santiago Bernabéu. O time também não ganhava do Real desde 1999. A partir dali sabíamos que poderíamos competir com esses rivais realmente muito fortes, nos sentíamos no mesmo nível”, acrescentou.

Miranda conquistou cinco títulos em seu período de Atlético de Madrid, mas poderiam ter sido seis, caso não houvesse um Sergio Ramos no caminho. Nos acréscimos da final da Liga dos Campeões de 2013-14, o histórico defensor do Real Madrid subiu no quarto andar e empatou o duelo com o Atleti, levando o confronto à prorrogação. No tempo extra, os blancos aproveitaram que os rivais estavam sem pernas – a intensa batalha com o Barcelona pelo título de La Liga havia desgastado os comandados de Simeone – e venceram por 4 a 1.

Apesar do estilo discreto, Miranda conquistou os torcedores da Inter (Getty)

Em alta no futebol europeu, Miranda não passou despercebido por Luiz Felipe Scolari, que o convocou à seleção brasileira em fevereiro de 2013. O Brasil perdeu o amistoso para a Inglaterra, mas o paranaense estava feliz por voltar a usar a amarelinha, já que ele não disputava uma partida pela Canarinho desde outubro de 2009. O zagueiro, contudo, não figurou na lista final para a Copa do Mundo de 2014, escapando, assim, do inesquecível 7 a 1. Com a volta de Dunga à Seleção, ganhou novas oportunidades e conquistou seu primeiro título a serviço do país: o Superclássico das Américas de 2014, em cima da Argentina (triunfo por 2 a 0, com doppietta do atacante Diego Tardelli).

A passagem de Miranda pelo Atlético de Madrid terminou em 2015. Depois de 178 jogos, 13 gols e cinco títulos pelo clube da capital espanhola, decidiu aceitar o desafio de liderar a zaga da Inter ao lado do colombiano Jeison Murillo. Treinada por Roberto Mancini, a equipe nerazzurra fez um bom primeiro turno em 2015 e quase ganhou o título de campeã de inverno. Nos primeiros meses de 2016, porém, o time caiu de rendimento – o que, curiosamente, ocorre com frequência na Beneamata –, despencou na tabela e terminou o campeonato na quarta colocação, sem a desejada vaga na Champions League.

Miranda foi titular absoluto em sua primeira temporada pela Inter, mas ficou marcado pelo alto número de cartões recebidos: oito amarelos e dois vermelhos. Na vitória por 3 a 1 sobre a Sampdoria, no Giuseppe Meazza, o camisa 25 marcou seu único gol pelos nerazzurri: Marcelo Brozovic cobrou escanteio, Felipe Melo tocou de cabeça em direção ao segundo pau e o brasileiro chegou testando firme; Emiliano Viviano tentou impedir que a bola balançasse as redes, mas a redonda havia ultrapassado – e muito – a linha do gol.

Ainda em 2015-16, o beque usou a braçadeira de capitão no empate em 1 a 1 com a Roma, no Olímpico, pela Serie A, já que Mauro Icardi, o detentor da faixa nerazzurra naquela época, estava indisponível. Por falar em capitania, Miranda ocupou o posto na seleção brasileira em seis jogos no ano de 2015. Homem de confiança de Dunga, tornou-se titular da equipe ao lado de David Luiz e participou da Copa América de 2015 e da Copa América Centenário de 2016. Seu primeiro tento pela Canarinho ocorreu contra a Colômbia, em novembro de 2016.

A temporada 2016-17 foi bastante conturbada em Appiano Gentile, com três treinadores passando pelo banco do time – Frank de Boer e Stefano Pioli, além do interino Stefano Vecchi. Mas, para a época seguinte, a diretoria interista contratou Luciano Spalletti e comprou um jogador que seria o parceiro ideal de Miranda na zaga. Tratava-se de Milan Skriniar, promessa da Sampdoria. A parceria deu certo e, juntos, ajudaram a Inter a ter a segunda melhor defesa da Serie A, sofrendo apenas 30 gols em 38 jogos. Ao fim da campanha, os nerazzurri venceram a Lazio, por 3 a 2, em uma partida eletrizante realizada no Olímpico, e garantiram o retorno à Liga dos Campeões após seis anos.

Tendo Skriniar a seu lado, Miranda ajudou a Beneamata a retornar à Champions League e a se consolidar como força da Serie A novamente (Getty)

Terminada a temporada de clubes, Miranda partiu com a delegação da seleção brasileira para a Rússia. O paranaense e Thiago Silva formaram a dupla de zaga titular na Copa do Mundo de 2018. O então técnico do Brasil, Tite, adotou um sistema de revezamento da braçadeira de capitão, de modo que o interista a utilizou em dois jogos, Thiago Silva capitaneou a Canarinho também em duas partidas e, por fim, o lateral-esquerdo Marcelo colocou a faixa no braço na estreia do país no Mundial. Apesar da eliminação nas quartas de final, o nerazzurro demonstrou segurança na defesa da Seleção.

A temporada 2018-19 foi a última do zagueiro brasileiro pela Inter. Com a contratação de Stefan de Vrij, o camisa 25 perdeu espaço na equipe, sendo relegado ao banco de reservas. Somando todas as competições, ele entrou em campo 20 vezes e ajudou os nerazzurri a se classificarem, na derradeira rodada da Serie A, à Liga dos Campeões pelo segundo ano seguido. Em quatro épocas na Itália, Miranda disputou 121 jogos com a camisa azul e preta, marcou um gol e foi essencial para o reaparecimento da Beneamata na principal competição de clubes do planeta.

Aos 34 anos, o paranaense rescindiu contrato amigavelmente com a Inter e assinou vínculo bienal com o Jiangsu Suning, da China. Mas, antes de a negociação com o clube cujos donos eram os mesmos da Beneamata se concretizar, ele disputou a Copa América de 2019, vencida pelo Brasil – o beque jogou somente 26 minutos, na semifinal, contra a Argentina. O experiente defensor finalizou sua trajetória pela seleção brasileira como o sétimo zagueiro com mais partidas pela Canarinho: foram 58 jogos trajando verde a amarelo, além de quatro títulos conquistados.

Longe da Europa, Miranda permaneceu por um biênio no futebol asiático. Por lá, ganhou o Campeonato Chinês e foi vice-campeão da Copa da China, perdendo a decisão para o Shandong Taishan – antigo Shandong Luneng. Deixou o time para sua última missão no futebol: voltar ao Brasil e defender o São Paulo, seu clube de infância. Em março de 2021, foi anunciado pelo Tricolor paulista, com contrato válido até dezembro do ano seguinte.

O retorno de Miranda ao Morumbi após uma década trouxe sorte ao clube. Isso porque ele comandou a defesa do São Paulo rumo à conquista do Campeonato Paulista de 2021, encerrando um jejum de nove temporadas sem troféus. Na vitoriosa campanha, o beque marcou um gol no empate em 2 a 2 com o Corinthians, no clássico Majestoso. Em 2022, perdeu espaço no time e, em novembro, o deixou. Com 342 jogos e 12 gols, ele se tornou o terceiro jogador que mais entrou em campo pelo Soberano no século 21, atrás apenas de Luis Fabiano (352) e Rogério Ceni (906). Dois meses depois da saída do Tricolor, o beque anunciou a aposentadoria do futebol, aos 38 anos.

João Miranda de Souza Filho
Nascimento: 7 de setembro de 1984, em Paranavaí, Paraná
Posição: zagueiro
Clubes: Coritiba (2004-05), Sochaux (2005-06), São Paulo (2006-2011), Atlético de Madrid (2011-15), Inter (2015-19), Jiangsu Suning (2019-21) e São Paulo (2021-22)
Títulos: Campeonato Paranaense (2004), Campeonato Brasileiro (2006, 2007 e 2008), Copa das Confederações (2009), Liga Europa (2012), Supercopa Uefa (2012), Copa do Rei (2013), Supercopa da Espanha (2014), La Liga (2014), Superclássico das Américas (2014 e 2018), Copa América (2019), Campeonato Chinês (2020) e Campeonato Paulista (2021)
Seleção brasileira: 58 jogos e 3 gols

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