Em meados do século passado, a Liga dos Campeões – então Copa dos Campeões – ainda engatinhava. A competição teve início em 1955 e foi dominada desde seus primórdios pelo Real Madrid, que ganhou os cinco primeiros torneios. Depois, o Benfica faturou duas taças e o Milan, batendo os encarnados, levantou a sua. A Inter estreou na competição em 1963-64 e abocanhou o título logo de cara, superando os merengues. Uma temporada depois, os nerazzurri voltaram ao topo da Europa, derrotando os mesmos portugueses que sucumbiram a seu rival local. O gol solitário do brasileiro Jair da Costa deu o bi à Beneamata e fez prevalecer a maldição de Béla Guttmann.
A Inter foi um dos times de maior sucesso na década de 1960. Sob a batuta do rígido e vitorioso Helenio Herrera, a equipe se destacou tanto em solo italiano quanto no cenário internacional. Começou galgando posições na extinta Copa das Feiras até alcançar a Copa dos Campeões, em 1963-64. Os milaneses ganharam a competição após passar por adversários como Everton, Monaco, Partizan Belgrado e Borussia Dortmund, além do Real Madrid na decisão. Exemplo do catenaccio, aquela formação de Herrera, que ficaria conhecida como a Grande Inter, coparia a competição novamente na temporada seguinte e marcaria seu nome na história do futebol.
Já o Benfica não fica atrás da Inter no quesito sucesso nos anos 1960. Isso porque os encarnados chegaram em três finais consecutivas da Copa dos Campeões, como salientamos acima. Em 1960-61, superaram o Barcelona; na edição seguinte, bateram o todo poderoso Real Madrid; e, por fim, sucumbiram diante do Milan, na decisão de 1962-63. Em meados da década, Eusébio, o craque português descoberto por Guttmann, já era uma realidade para as Águias. Com desejo de levantar a taça novamente em 1964-65, a torcida benfiquista depositava suas fichas no Pantera Negra.
Para chegar à decisão daquela Copa dos Campeões, a Inter deixou pelo caminho o Dinamo Bucareste – com direito a um acachapante 7 a 0 no placar agregado –, o Rangers e o Liverpool de Bill Shankly. Vale frisar que, por haver vencido a edição anterior do torneio, a Beneamata entrara direto à fase de oitavas, escapando, assim, dos 16 avos de final.
O Benfica, por sua vez, venceu dois adversários menos conhecidos (Aris Bonnevoie, de Luxemburgo, e La Chaux-de-Fonds, da Suíça) antes de dar de cara com o Real Madrid, nas quartas. Porém, não teve piedade no jogo de ida: enfiou 5 a 1 nos merengues e encaminhou a classificação às semifinais, onde trituraria os húngaros do Vasas ETO Györ por 5 a 0 no placar agregado.
A Beneamata dispunha de jogadores que marcariam época vestindo azul e preto. Giuliano Sarti, Tarcisio Burgnich, Armando Picchi, Aristide Guarneri, Giacinto Facchetti, Luis Suárez, Gianfranco Bedin, Sandro Mazzola, Mario Corso, Jair da Costa e Joaquín Peiró formavam a espinha dorsal da Grande Inter, lapidada por Herrera, e buscavam o bicampeonato continental. Já o Benfica fez a manutenção do time que havia conquistado o título no início da década de 1960, embora não tivesse mais o folclórico Guttmann, substituído pelo romeno Elek Schwartz. O treinador húngaro, inclusive, lançou uma maldição ao clube português após sua saída tumultuada: as Águias ficariam 100 anos sem ganhar títulos europeus.
Era difícil apontar uma equipe favorita para a final da Copa dos Campeões de 1964-65. A Inter contava com um ferrolho defensivo muito difícil de ser perfurado, enquanto o Benfica possuía um ataque de respeito, com Eusébio e José Torres fedendo a gol – não à toa, ambos terminaram como artilheiros da competição, com nove tentos cada. Além disso, o capitão Mário Coluna era uma certeza no centro do campo. Mas havia um fator determinante para os italianos: a decisão seria jogada em San Siro, casa da Beneamata.
O clube lisboeta, aliás, ameaçou enviar sua equipe de juniores para o duelo, em protesto pelo fato de a final ser disputada em solo italiano. A ideia, no entanto, não foi para frente, até porque o palco havia sido escolhido antes de a Inter se classificar para a decisão, e o time principal benfiquista teve de lidar com um estádio abarrotado, com cerca de 90 mil torcedores presentes nas arquibancadas de San Siro. As condições do gramado não eram as melhores devido às fortes chuvas que caíam em Milão naquele mês de maio de 1965, mas o árbitro Gottfried Dienst, da Suíça, avaliou que campo teria condições de receber a partida.
Nos bastidores do pré-jogo, o técnico interista estava bem confiante em um triunfo nerazzurro sobre o Benfica. “Estamos mais conscientes de nossa força agora”, pontuou Herrera. “Na última temporada, não estávamos tão certos sobre nós mesmos. Agora, com tanta coisa a nossa favor, sabemos que podemos ganhar bem e de forma atrativa”, acrescentou o comandante.
A Inter entrou em campo com roupa especial: camisa branca com listras em azul e preto na horizontal, diferentemente do uniforme reserva com os traços na diagonal, que vestira no restante da temporada. Com a bola rolando, a equipe se mostrou melhor nos 45 minutos iniciais, utilizando de sua proposta de jogo habitual: fechar a casinha e explorar contragolpes em velocidade para superar a meta do goleiro Costa Pereira. O Benfica também contra-atacou os italianos, mas o principal jogador do time, Eusébio, estava com movimentos limitados. Herrera desenhou a sua estratégia no intuito de encaixotar o Pantera Negra entre Burgnich e Bedin e, dessa maneira, limitou o poderio ofensivo dos lisboetas. Além disso, o técnico optara por não escalar Angelo Domenghini e sim Peiró, que recompunha de forma mais diligente.
No primeiro tempo, o Benfica pouco conseguiu fazer. Os portugueses apostaram muito em bolas longas e cruzamentos laterais, mas foram dominados pela defesa interista. Aos 42 minutos de jogo, o placar foi inaugurado. Mazzola progrediu pelo lado direito e rolou para o brasileiro Jair da Costa finalizar meio desequilibrado. O chute saiu fraco, mas o goleiro Costa Pereira aceitou e, assim, engoliu o frango: a bola passou por entre as pernas do arqueiro.
O segundo tempo foi mais equilibrado. O motivo foi a maior participação de Eusébio, que entendeu melhor o modo como estava sendo marcado e recuou muitos metros para tentar avançar com a bola em seu domínio. Ainda assim, o goleiro Sarti pouco trabalhou, de modo que as melhores chances foram mesmo da Inter. No fim das contas, a equipe milanesa segurou o 1 a 0 até o apito final.
À Inter, coube celebrar ao lado de sua torcida o seu segundo título de Copa dos Campeões. O terceiro demoraria a ser conquistado e só deixaria o campo das ideias em 2010, 45 anos depois, com triunfo categórico sobre o Bayern de Munique – antes, os nerazzurri perderam finais para Celtic, em 1967, e Ajax, em 1972. Ao Benfica, restou o amargor do seu segundo vice da competição, com um enredo ainda mais dramático, que só ajudou a popularizar a tal “maldição de Béla Guttmann”.
Inter 1-0 Benfica
Inter: Sarti; Burgnich, Picchi, Guarneri, Facchetti; Suárez, Bedin, Mazzola; Jair da Costa, Peiró, Corso. Treinador: Helenio Herrera.
Benfica: Costa Pereira; Cavém, Fernando Cruz, Germano, Raul Machado; José Neto; José Augusto, Mário Coluna, Eusébio, António Simões; José Torres. Treinador: Elek Schwartz.
Gol: Jair da Costa (42′)
Árbitro: Gottfried Dienst (Suíça)
Local e data: estádio San Siro, em Milão (Itália), em 27 de maio de 1965