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Andrea Caracciolo não vingou como substituto de Luca Toni, mas foi ídolo no Brescia

Alto, desengonçado e desajeitado: tal descrição, que em muitas situações da vida é pejorativa, serviria para inúmeros jogadores no futebol; tanto em seu bairro quanto nas principais seleções mundiais. E, adicionando-se aí como característica um grande cabeceio, pode-se incluir com facilidade o nome de Andrea Caracciolo. O atacante, também chamado de Airone (“garça”, em italiano) por seu tamanho e sua comemoração alada, cresceu na Itália, despertou o interesse de clubes da elite europeia, mas não vingou: na verdade, só encontrou a idolatria no mesmo Brescia que o projetou internacionalmente e foi seu refúgio em quatro passagens.

O início

Caracciolo é oriundo de uma família do sul da Itália envolvida com o futebol – seu pai jogou em times amadores da Lombardia, o tio Fortunato fez parte da base da Inter e o irmão Vincenzo, seguindo os passos do irmão do genitor, atuou pelo Varese. O garoto de raízes calabresas cresceu como milanista em Cesano Boscone, uma comuna de 20 mil habitantes grudada em Milão, cidade em que nasceu. Enquanto adolescente, jogou pelo Sancolombano, um time obscuro da quinta divisão italiana. Ficou lá dos 17 aos 19 anos e depois foi para as categorias de base do Como, que havia acabado de liberar a saída de Tommaso Rocchi. Nesse meio tempo, tornou-se técnico eletricista.

Após seis meses como integrante da Primavera do Como, o milanês deixaria os lariani para assinar com a Pro Vercelli, ainda antes de completar 20 anos, em 2001. Na equipe da Serie C2, L’Airone disputaria 10 partidas e não balançaria as redes. Entretanto, seu posicionamento apurado e sua esperta movimentação ofensiva despertaram o interesse do Brescia, e logo o tradicional time da Lombardia asseguraria o futebol do atacante de 1,94 m.

Caracciolo estava pronto para mudar totalmente a sua vida trocando a tranquilidade que Vercelli lhe propiciava pela pressão de um time da Serie A. Em seu primeiro ano no Brescia, Andrea disputou 11 partidas e marcou dois gols, número considerável para um jovem de recém-completados 20 anos, que debutava na primeira divisão nacional. Naquele time de 2001-02, o jovem atacante se encontraria com nada mais nada menos que Luca Toni, Roberto Baggio, Pep Guardiola e seu xará Andrea Pirlo.

Ainda bastante jovem, o centroavante empolgou pelo Brescia (Getty)

No mesmo ano, L’Airone ainda militaria pela seleção sub-20 italiana, disputando dois jogos, balançando as redes uma vez e faturando o Torneiro das Quatro Nações. O magricelo e grandalhão atacante já mostrava que era questão de tempo para se tornar útil em nível nacional. Para isso se concretizar, o Brescia decidiu emprestá-lo ao Perugia na temporada seguinte, 2002-03.

A dupla de ataque de seu novo time prometia: além do milanês, cujo nome começava a pintar como promessa; Fabrizio Miccoli, recém-contratado junto à Ternana, dava as caras nos biancorossi. Curiosamente, o ala canhoto da equipe era o nem tão promissor Fabio Grosso. Todavia, L’Airone não conseguiu o espaço necessário para mostrar seu nem tão destacável talento, e, em um ano, o atacante só disputou 27 partidas, marcando três gols.

De volta aos andorinhas, o jogador se firmaria de vez: em 31 partidas, 12 gols foram o suficiente para garantir seus status de grande promessa e titular absoluto da equipe. Nessas duas últimas temporadas, por Perugia e Brescia, Andrea ainda totalizaria nove jogos e um tento com a seleção sub-21, aquela campeã do Europeu de mesma categoria com Marco Amelia, Cristian Zaccardo, Daniele De Rossi, Alessandro Rosina e Alberto Gilardino.

Caracciolo chegou ao Palermo para substituir Toni, mas não se aproximou do rendimento do futuro tetracampeão mundial (AFP/Getty)

Para a temporada 2004-05, um cada vez mais desfigurado Brescia lutaria, em vão, para escapar da zona da degola: na 19ª colocação, os biancoazzurri (que já não tinham mais Baggio) sofreriam com o rebaixamento que afastaria o promissor Caracciolo da equipe. Porém, antes disso, não se pode ignorar o fato de que L’Airone havia sido chamado pela primeira vez para a seleção principal, em novembro de 2004, para um amistoso contra a Finlândia. No fim da temporada, Barcelona, Celtic, Arsenal e Palermo disputariam o passe do jogador, que optaria pelo último. Motivos econômicos, geográficos e de espaço no clube fizeram-no escolher os rosanero: lá ele teria tudo para estourar.

Expectativa e queda

Na metade de 2005, Caracciolo então partiria para o principal desafio de sua vida: substituir Toni, seu antigo colega de Brescia, que ainda nem alegrava os torcedores da Fiorentina. Em seu primeiro ano, 46 jogos muito alternados entre titular e reserva possibilitaram que Andrea marcasse somente 11 gols, um número não tão empolgante. Sua segunda oportunidade na Squadra Azzurra ainda chegaria em agosto de 2006, quando Roberto Donadoni o convocaria para um amistoso contra a Croácia. A participação do centroavante foi curta: aos 65 minutos de jogo, substituiu Cristiano Lucarelli.

Já no ano seguinte, Francesco Guidolin dava cada vez menos chances ao jogador, que não conseguia de maneira nenhuma se firmar no time siciliano. Com meros seis gols em 37 partidas, o Palermo já se considerava insatisfeito com suas prestações e vice-versa, fatos que levariam o atacante a deixar o clube após duas temporadas inexpressivas. Incrivelmente, o Liverpool havia demonstrado interesse no Airone no dezembro anterior, e clubes como Roma e Juventus pensavam em recrutar o atleta. Entretanto, a vontade da Sampdoria foi maior e oficial, chegando a um acordo de copropriedade para assegurar o futebol de Caracciolo.

Em sua terceira passagem pelo Brescia, Caracciolo levou o time à Serie A e teve um bom desempenho na categoria (Getty)

Nos seus rápidos seis meses na Samp, nada deu certo: a ascensão de Antonio Cassano, o retorno de Vincenzo Montella e as preferências de Walter Mazzarri por Claudio Bellucci e Emiliano Bonazzoli afastaram cada vez mais o milanês da equipe titular. Suas oportunidades eram quase nulas e uma falta de adaptação tática também o atrapalhava. Em meio ao excesso de atacantes e às raras partidas de Caracciolo, não restou outra opção aos blucerchiati senão negociar o jogador, que entrou em campo 20 vezes para marcar só um gol. A falta de sequência e as expectativas gigantescas podem ter estragado um jogador que de craque nunca teve nada, porém sempre demonstrou utilidade em sua função principal, aquela do famoso “pirulão”, como gosta de definir José Trajano.

Após a frustração na Sampdoria, nada melhor que um recomeço sem pressa para um atleta de 26 anos que ainda podia render muito mais – bastava pegar como exemplo o próprio Toni, que só estourou próximo dos 30 anos. E então, no mercado de janeiro, quem decidiu acolhê-lo foi o Brescia, que teve a preferência do milanês mesmo jogando na Serie B; Torino e Rangers ficaram para trás nas negociações.

Logo em sua reestreia pelo time da Lombardia, então treinado por Serse Cosmi, Caracciolo entrou em campo aos 53 minutos para deixar o seu aos 79. Nos 17 jogos até o encerramento da temporada, Andrea marcou oito gols: um bom número, mas o Brescia acabaria caindo nas semifinais dos playoffs de acesso e amargou mais um ano na Serie B. A situação se repetiu em 2008-09: o Airone anotou 15 tentos e foi o artilheiro biancazzurro, mas o time – que foi comandado por Cosmi, Nedo Sonetti e Alberto Cavasin – perdeu a final da eliminatória para o Livorno e continuou na categoria.

Caracciolo teve curta passagem pelo Genoa e não vingou pelo clube rossoblù (Getty)

A redenção viria em 2009-10, quando Caracciolo foi um dos vice-artilheiros da Serie B, com 24 gols na temporada regular, e anotaria um tento de pênalti na final dos playoffs de acesso, contra o Torino. O Brescia voltou à elite e L’Airone, que era vice-capitão dos andorinhas e utilizava a braçadeira frequentemente, teve nova chance na máxima categoria.

Em 2010-11, o Brescia buscou Éder, que foi o artilheiro da Serie B anterior, e o colocou numa dupla com Caracciolo. O grandalhão teve um bom desempenho – foi o goleador do time, com 12 bolas nas redes –, mas o time da Lombardia não emplacou e, penúltimo colocado, terminou voltando para a segundona. Foi a senha para a saída do centroavante.

Caracciolo seguiu no Brescia até o último dia da janela de transferências do verão europeu de 2011, mas permaneceu na elite: ex-Sampdoria, foi adquirido pelo Genoa em copropriedade. Entretanto, também não deslanchou na capital da Ligúria e só anotou uma vez, garantindo um empate com a Juventus, em 12 aparições. Quando os grifoni vislumbraram a possibilidade de contratar Gilardino, L’Airone foi emprestado ao Novara. O centroavante de fé rossonera teve a alegria de marcar o gol da vitória sobre a Inter em pleno San Siro, mas só balançou as redes outra vez em 19 jogos e foi rebaixado para a segundona juntamente com os piemonteses. E jamais voltaria a pisar num campo de Serie A.

L’Airone teve poucos momentos felizes no Novara e se despediu da elite com um rebaixamento consumado (Getty)

Anos finais: ídolo do Brescia nas divisões inferiores

Na janela de transferências de 2012, o Brescia recomprou Caracciolo, então beirando os 31 anos, e pôde contar com seu futebol até 2018. Contudo, foram tempos de vacas magras: os biancazzurri só brigaram pelo acesso em 2012-13, a primeira das temporadas do centroavante em sua quarta passagem pelo clube, mas caíram nas semifinais dos playoffs. Depois, se limitaram a sobreviver na categoria e até chegaram a ser rebaixados em 2015, flertando com o retorno à terceirona após 30 anos – o que só não ocorreu porque o Parma, que caiu da Serie A, faliu e teve de ser feita uma repescagem.

Nesse período, Caracciolo representou um dos poucos resquícios da honra do Brescia. O atacante assumiu a braçadeira de capitão e sempre atingiu dígito duplo em gols em cada temporada: 18 em 2012-13, 19 em 2013-14, 16 em 2014-15, 11 em 2015-16, 14 em 2016-17 e 13 em 2017-18. Até que, beirando os 37 anos, viu sua história de amor com o time biancazzurro se acabar no último dia de junho de 2018, em fim de contrato.

Não foi qualquer adeus. Afinal, Caracciolo deixou o Brescia como segundo jogador com mais aparições pelo clube (418) e como maior artilheiro de sua história, com folga: 179, 70 acima de Virginio De Paoli. L’Airone também se tornou o quarto principal goleador da história da Serie B, com 132 tentos em temporadas regulares, além de três em jogos de playoff. Todos eles foram anotados com a camisa da Leonessa, e nenhum outro atleta fez tantos por um mesmo time na categoria.

O grandalhão foi uma das poucas boas notícias do Brescia em tempos de vacas magras e entrou para a história do clube e da segundona (Getty)

Após deixar o clube, que, coincidentemente, voltaria à elite logo após sua saída, Caracciolo continuou morando na região de Brescia: acertou com a Feralpisalò, da mesma província, e foi disputar a Serie C. Pelos verdazzurri, o veterano disputou duas temporadas razoáveis, com um total de 21 gols marcados em 67 aparições, mas viu o seu time morrer na praia. Os Leões do Garda foram eliminados nos playoffs de acesso à segundona e chegaram a ser semifinalistas da Coppa Italia da terceira divisão.

Caracciolo entendia que ainda tinha lenha para queimar e, quase quarentão, ainda foi jogar no Lumezzane, também da província de Brescia, que se encontrava na quinta divisão. Fez bem: em dois anos, marcou 21 gols em 27 partidas, ajudando os valgobbini a subirem para a Serie D, em 2022.

Em seguida, pendurou as chuteiras aos 41 anos e virou cartola. Mas não qualquer tipo de dirigente. L’Airone acumulou os cargos de diretor esportivo e presidente do Lume, na expectativa de levar o clube a voos mais altos. Na primeira temporada, já conseguiu levar os rossoblù à Serie C.

Andrea Caracciolo
Nascimento: 18 de setembro de 1981, em Milão, Itália
Clubes: Sancolombano (1998-2000), Como (2000-01), Pro Vercelli (2001), Brescia (2001-02, 2003-05, 2008-11 e 2012-18), Perugia (2002-03), Palermo (2005-07), Sampdoria (2007-08), Genoa (2011-12), Novara (2012), Feralpisalò (2018-20) e Lumezzane (2020-22)
Títulos: Torneio das Quatro Nações (2002), Europeu Sub-21 (2004) e Eccellenza (Lombardia; 2022)
Seleção italiana: 2 jogos

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2 comentários

  • Costumo ter problemas em ver qualidade em jogadores com essas características. Porém, quando as reconheço, eles viram, de longe, meus atacantes prediletos de uma equipe (pensando que, normalmente, essas características fazem do jogador um atacante — dificilmente alguém assim seria meia, por exemplo).

    Foi assim com o próprio Toni, com o Aloisio, com o Crouch, para ficar em alguns exemplos recentes.

    O tempo dirá até onde Caracciolo pode ir.

    Abraços! Belo texto.

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