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Michele Padovano, a arma secreta da Juventus no título europeu de 1996

Michele Padovano girou bastante pelo mundo, mas foi na cidade em que nasceu que atingiria o maior sucesso em sua carreira. Natural de Turim, oriundo do histórico bairro de Vanchiglia, o atacante teria grandes glórias pela Juventus, ainda que tenha defendido a Velha Senhora por apenas dois anos. No restante da carreira, em outras praças, também foi garantia de boas contribuições, sempre deixando seus gols decisivos em campanhas memoráveis, mesmo quando iniciava partidas no banco de reservas.

Vanchiglia é um bairro encravado bem no centro de Turim e vizinho à Mole Antonelliana, edifício símbolo da cidade. Padovano, porém, precisou rumar aos subúrbios da capital piemontesa para iniciar a sua carreira como juvenil: entre os 13 e os 16 anos, atuou pelo amador Barcanova. Em 1982, então, foi para o interior: acertou com o Asti.

Padovano concluiu a sua formação pelo Asti e teve a sua primeira temporada como profissional no próprio clube, em 1985-86, sendo um dos destaques dos galletti na Serie C2. Apesar de ter marcado apenas cinco gols em 24 partidas, conseguiu exibir seu ágil estilo de jogo, fazendo conduções de bola em velocidade, com boa capacidade de drible e finalizações certeiras com a sua canhota. Depois dessa campanha, foi contratado pelo Cosenza, time em que teve a passagem mais longeva de sua carreira, com a duração de quatro anos.

Na Calábria, Padovano teve destaque ao contribuir para a promoção do Cosenza à Serie B, em 1988, e na briga dos rossoblù pelo acesso à elite, na temporada seguinte. Um dos gols lembrados até hoje pela torcida dos bruzi foi feito por ele contra a Salernitana, em 1987-88, numa partida difícil, realizada fora de casa. Após cobrança de falta vinda da defesa, em uma bola longa, o atacante se infiltrou na área adversária e finalizou na saída do arqueiro. O tento garantiu um triunfo apertado no estádio Donato Vestuti e se tornou um dos símbolos da campanha que levaria o clube de volta à segundona depois de 24 anos.

O goleador não pararia ali: guardou uma doppietta em cada um dos dois jogos seguintes: uma na vitória contra o Campobasso, na 29ª rodada, feita em dois minutos, e a outra na 31ª jornada, no empate em 2 a 2 com o Catania. A grande habilidade e capacidade de decisão de Padovano lhe renderam uma grande idolatria por parte da torcida calabresa, que lhe dedicou diversos cânticos. Um deles, bastante conhecido e sugestivo (“Sabe por que meu coração bate? É porque eu vi Padovano”) era uma adaptação do famoso canto da torcida napolitana para Diego Maradona. Sim, Michele chegou a ser visto pelos torcedores como o Dieguito da Calábria.

A relação de amor com a torcida aumentou consideravelmente com a campanha na Serie B seguinte: o Cosenza brigou pelo acesso e terminou o torneio com a mesma pontuação que a Cremonese, promovida, mas amargou a sexta posição por causa dos critérios de desempate. Em 1990, foi a vez de Padovano contribuir com oito gols para evitar o rebaixamento dos silani. O resultado foi praticamente um título pelas dificuldades que o time enfrentou na temporada, sendo a maior delas extracampo: a morte, em condições misteriosas, de um dos grandes jogadores do elenco. Amigo muito próximo de Michele, Denis Bergamini teve a causa de sua morte informada como suicídio pela polícia, mas, anos depois, a ex-namorada do atleta foi indiciada por assassinato.

Padovano estreou na Serie A pelo Pisa e deixou uma boa impressão (imago)

As primeiras aparições na Serie A

Com as boas participações nas divisões inferiores, sobretudo no Cosenza, o piemontês chamou a atenção dos clubes da Serie A e acumulou passagens em várias equipes nos anos seguintes. A sua estreia na primeira divisão ocorreu na temporada 1990-91, pelo Pisa de Romeo Anconetani, onde correspondeu às expectativas e teve ótimas exibições – mesmo em um time bastante limitado e que terminaria o campeonato rebaixado à segundona.

Autor de 11 gols em 30 aparições na Serie A, Padovano chegou a guardar uma tripletta contra o Cesena e uma doppietta contra o Parma, além de ter feito excelentes partidas contra o Napoli de Maradona, marcando um tento no turno e outro no returno. Não à toa, o clube azzurro foi o seu destino posterior.

No Napoli, o centroavante encontrou um ambiente bastante conturbado, sobretudo porque o craque argentino testou positivo para cocaína em exame antidoping e pegou uma suspensão de 15 meses. Sem seu gênio, os partenopei apostaram em seu forte elenco, que contava com bons nomes em todos os setores: os defensores Ciro Ferrara e Laurent Blanc, os meio-campistas Alemão e Fernando De Napoli, e os atacantes Careca e Gianfranco Zola. Dado o contexto, o resultado foi convincente: o time treinado por Claudio Ranieri terminou a Serie A com uma boa quarta colocação. Padovano se mostrou uma boa opção de banco e, com sete gols, foi o terceiro artilheiro da equipe.

No verão europeu de 1992, o piemontês recebeu uma boa oportunidade de ser titular. O Genoa, treinado por Bruno Giorgi, que fora seu técnico no Genoa, procurava um substituto para Carlos Alberto Aguilera e deu a Padovano a missão de ser companheiro de ataque de Tomás Skuhravy. No Marassi, fez mais uma boa temporada e foi crucial para a manutenção do grifo da Ligúria na Serie A: disputou 32 partidas e anotou 11 gols, sendo o vice-artilheiro da equipe e ajudando os rossoblù a ficarem um ponto acima da zona de rebaixamento.

O centroavante mudou de clube no verão seguinte: foi emprestado à Reggiana, recém-chegada à elite do futebol italiano, e brilhou pela equipe emiliana. Para se ter uma ideia de sua importância, dos 29 gols marcados pelos granata, que tiveram o segundo pior ataque da Serie A 1993-94, 10 tiveram a assinatura de Padovano. Ou seja, ele foi responsável por quase 35% das bolas na rede da Regia, que terminou na 14º posição, a um ponto do descenso.

Padovano voltou a defender o Genoa em 1994-95, mas fez apenas três partidas pelo clube antes de acertar um novo contrato com a Reggiana, no mercado de outono. Michele ainda contribuiu com sete gols em 19 jogos, mas não conseguiu livrar o time do rebaixamento dessa vez. Entretanto, ironicamente essa segunda passagem pela Emília-Romanha foi decisiva para a carreira do centroavante, principalmente por conta do futebol consistente apresentado e dos dois tentos anotados contra a poderosa Juventus de Marcello Lippi – um deles de cabeça, no duelo do primeiro turno, e o outro em pênalti convertido no returno. Ao fim da temporada, o camisa 9 voltaria ao Piemonte, onde iniciou sua trajetória, mas dessa vez para defender a equipe mais poderosa da região.

Pela Juventus, o atacante canhoto teve importância na conquista do título da Champions League, em 1996 (imago/Colorsport)

Os anos gloriosos na Juventus

A Juventus que adquiriu Padovano vivia uma gloriosa passagem de bastão no comando técnico e em seu projeto também. Ainda em 1994, o lendário Giovanni Trapattoni dera lugar a Lippi, que deveria, a partir de então, orquestrar um elenco cheio de estrelas rumo aos títulos nacionais, mas, sobretudo, fazer a Velha Senhora uma campeã continental. Na primeira temporada, o scudetto e a Coppa Italia foram conquistados, de modo que o planejamento para 1995-96 tinha como objetivo primordial a busca pela Liga dos Campeões.

Para isso, além da ótima espinha dorsal, que contava com Gianluca Vialli, Fabrizio Ravanelli, Alessandro Del Piero, Didier Deschamps, Paulo Sousa e Ferrara, o treinador precisava de boas opções no banco, que lhe permitissem efetuar um rodízio nas competições. Com isso em mente, houve a chegada de reforços para o poderoso elenco campeão da Itália, entre eles o experiente zagueiro Pietro Vierchowood, o lateral-esquerdo Gianluca Pessotto, o excelente meia Vladimir Jugovic e os atacantes Attilio Lombardo e Padovano. Seria muito difícil um esquadrão de tal envergadura não conquistar títulos. E eles foram obtidos.

Em seus tempos de Juve, Michele somou os títulos da Liga dos Campeões (1996), da Supercopa Uefa (1996), do Mundial de Clubes (1996), da Serie A (1997) e da Supercopa Italiana (1995 e 1997). Pode-se medir a relevância do centroavante piemontês nessas conquistas por suas participações decisivas em parte considerável dessas conquistas, à exceção do Mundial e das copas nacionais. Padovano era um ás na manga de Lippi.

Já na estreia da Juventus na Liga dos Campeões em 1995-96, em jogo na Alemanha contra o Borussia Dortmund, Padovano fez o gol de empate com uma belíssima cabeçada, após cruzamento de Del Piero, abrindo caminho para a virada bianconera – o confronto terminou em vitória italiana por 3 a 1. Michele esteve presente em dois dos cinco duelos seguintes na fase de grupos, mas foi somente no mata-mata que sua aura decisiva brilhou.

Logo nas quartas de final, a Juventus encontrou o poderoso Real Madrid e sofreu derrota por 1 a 0 em um Santiago Bernabéu entupido de torcedores merengues. Padovano substituiu Lombardo aos 46 minutos, mas não conseguiu mudar os rumos da partida. No jogo da volta, como não poderia ser diferente, houve uma verdadeira batalha entre dois ótimos esquadrões, com Del Piero abrindo o placar logo no primeiro tempo em cobrança de falta.

O que se seguiu foi um jogo tenso, que se encaminhava para as penalidades, mas Michele começara como titular e mostrou porque Lippi depositava tanta confiança nele. Aos 53 minutos, o atacante fez o gol mais importante de sua vida na cidade em que nasceu: recebeu passe na entrada da área e aliou suas duas marcas registradas, a alta capacidade de decisão e a poderosa canhota, para emendar um forte chute rasteiro que fez o Delle Alpi sacudir. A Juventus avançava de fase.

Jogando pelo maior clube de sua cidade natal, Padovano conquistou todos os seis títulos de sua carreira (Allsport)

Nas semifinais, os bianconeri passaram com relativa facilidade pelo Nantes. A final do torneio, contra o Ajax, aconteceu no Olímpico de Roma e, após empate por 1 a 1 no tempo normal e na prorrogação, foi decidida nas penalidades. Padovano, mais uma vez, deixou a sua contribuição: entrou no fim da segunda etapa e foi um dos batedores que guardavam nos pés a possibilidade de título. E ele não decepcionou.

Especialista em cobranças de pênaltis, o piemontês fez algo que seu apelido antecipava: conhecido como Harley Davidson, por conta de uma cabeleira típica dos motoqueiros da época, acelerou para a marca da cal e, de canhota, bateu forte no canto esquerdo de Edwin van der Sar. O gigante não alcançou a bola por muito pouco e foi vencido pela própria qualidade da batida que balançou as redes. A última penalidade, convertida por Jugovic, decretaria a Juventus como bicampeã da Champions League.

Na Serie A, Padovano jogou 21 partidas, 16 delas vindo do banco de reservas, e fez quatro gols no campeonato, terminado com vice da Juve. Na temporada seguinte, Michele ficou no banco e assistiu a Juventus a ser campeã mundial, sobre o River Plate, mas atuou nas duas pelejas da Supercopa Europeia, contra o Paris Saint-Germain. O camisa 11 marcou duas vezes na ida, quando a Velha Senhora venceu por 6 a 1, e levantou a taça em Turim, após triunfo por 3 a 1.

Em 1996-97, o centroavante canhoto fez 20 partidas na Serie A, mas foi mais eficiente e anotou mais gols do que em seu primeiro ano pela Juve: foram oito, que lhe levaram a dividir a artilharia do time no certame com Christian Vieri e Del Piero. Mais uma vez, os tentos de Michele foram extremamente relevantes para a conquista de mais um título nacional pela gigante piemontesa, que celebrou o seu 24º scudetto.

Entretanto, em março de 1997, junto com uma grande alegria, Padovano também sofreu um triste revés. Cesare Maldini, técnico da seleção italiana, convocou o centroavante para as partidas das Eliminatórias para a Copa de 1998, contra Moldávia e Polônia, e ele até chegou a jogar na vitória dos azzurri sobre os moldavos. Contudo, em treino antes do embate contra os polacos, Michele sofreu uma lesão muscular que o tirou dos gramados por cerca de cinco meses e também interrompeu sua trajetória na Nazionale – que acabou se resumindo àquela aparição.

A lesão também o tirou das partidas da fase de mata-mata da Liga dos Campeões, competição em que a Juventus foi novamente finalista, dessa vez terminando com o vice. Padovano ainda iniciaria a temporada seguinte em Turim: voltou aos gramados em agosto, na conquista da Supercopa Italiana sobre o Vicenza, mas deixou o Piemonte depois de quatro jogos. Aos 31 anos e vindo de uma longa contusão, concluiu a sua experiência com a camisa bianconera após 63 aparições e 18 gols, mudando de ares em novembro.

Depois da grave lesão, Padovano caiu de rendimento e não teve sucesso no exterior (Allsport)

As experiências no exterior e o fim da carreira

Durante a década de 1990, a Premier League absorveu muitos jogadores do futebol italiano e o Crystal Palace foi um dos clubes que mais pescaram na Velha Bota. Em 1997, o time londrino adquiriu, junto à Juventus, Lombardo em agosto e Padovano, em novembro. Porém, enquanto o ponta careca agradou a torcida das águias, o centroavante se revelou uma verdadeira decepção: considerado como uma das piores contratações feitas pela equipe, Michele teve passagem curta, com apenas 10 partidas e um gol na temporada 1997-98.

Era notório que, após a lesão, Padovano não era mais o mesmo. Mesmo assim, o Metz, da França, resolveu apostar no atacante italiano, que dava prosseguimento a sua trajetória no exterior. Michele foi adquirido em outubro de 1998, mas os problemas físicos o afastaram dos campos por uma temporada inteira. Ele só voltaria com alguma regularidade em 1999-2000, quando acumulou nove partidas e três gols pela Ligue 1.

Por causa das constantes lesões que prejudicaram sua forma física, Padovano sabia que o fim de sua carreira estava próximo. Dessa forma, optou por voltar para a Itália e se despedir do futebol numa categoria de menor exigência e acertou com o Como, da Serie C1. O veterano entrou em campo em 12 oportunidades, deixou dois gols e concluiu a sua trajetória esportiva aos 34 anos, com o acesso do clube lombardo para a segunda divisão.

Depois de se aposentar, o piemontês ocupou cargos nas diretorias de Reggiana, Torino e Alessandria, além de ter sido consultor de mercado da Pro Patria em 2010. Esse período foi bastante conturbado para Michele Padovano. Em 2006, ele foi um dos alvos de investigação do Ministério Público de Turim, que o acusou de financiar o tráfico de haxixe e de ter relações com a organização criminosa que controlava o negócio ilícito por ter emprestado 40 mil euros a Luca Mosole de La Cassa, que os investigadores suspeitavam ser o líder do grupo.

Em 2011, o ex-atacante foi julgado e condenado em primeira instância pelo Tribunal de Turim a oito anos e oito meses de prisão como participante da organização que traficara haxixe do exterior para a Itália, o que revoltou a promotoria – o órgão solicitava pena de 24 anos de reclusão. O ex-jogador sempre se declarou inocente e afirmou que não sabia que o dinheiro emprestado ao amigo seria utilizado para fins ilegais.

Ainda assim, Michele chegou a cumprir alguns meses de prisão (três na cadeia e oito em regime domiciliar) enquanto aguardava novo julgamento. Em janeiro de 2021, a Suprema Corte anulou a sentença e solicitou que outro juizado avalie a sua situação. Uma situação bastante intranquila para um jogador que chegou a ser chamado de Maradona e que também passou a ser associado ao argentino por suas pendências judiciais.

Michele Padovano
Nascimento: 28 de agosto de 1966, em Turim, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Asti (1985-86), Cosenza (1986-90), Pisa (1990-91), Napoli (1991-92), Genoa (1992-93 e 1994), Reggiana (1993-94 e 1994-95), Juventus (1995-97), Crystal Palace (1997-98), Metz (1998-2000) e Como (2000-01)
Títulos como jogador: Serie A (1997), Supercopa Italiana (1995 e 1997), Liga dos Campeões (1996), Mundial de Clubes (1996) e Supercopa Uefa (1996)
Seleção italiana: 1 jogo

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