Em mais de 120 anos de história, a Lazio só teve um presidente estrangeiro. E este calhou de ser justamente o mais carismático deles. O ítalo-americano Umberto Lenzini deu ao clube o seu primeiro scudetto e é o terceiro cartola mais vitorioso da história do clube, atrás de Claudio Lotito e Sergio Cragnotti, que ocuparam seu posto temporadas depois. Em sua única gestão de um time de futebol, o empresário conduziu um trabalho marcado por altos e baixos, com presenças na segundona, a reversão de um cenário de crise financeira e a aposta em jovens e desconhecidos, que foram capazes de conquistar a Itália na base da balbúrdia.
Nascido nos Estados Unidos, Umberto Lenzini era de uma família humilde de emigrantes italianos. Seu pai trabalhava como minerador no Colorado, região conhecida por ser rica em metais preciosos. Umberto viveu na pacata cidade de Walsenburg até os 12 anos, quando foi morar na Itália com sua família e teve seus primeiros contatos com esportes. O jovem começou a praticar futebol e atletismo, mas apesar de ser um bom esportista, não deu continuidade a nenhuma dessas modalidades e decidiu estudar contabilidade. Ao concluir os estudos na faculdade, Umberto começou a se engajar nos negócios da família Lenzini, que àquela altura tinha mudado de condição.
Ao mudar-se para a Itália seu pai deixou de ser minerador, vendeu tudo que tinha deixado nos Estados Unidos e usou o que tinha acumulado para comprar terrenos e empreender em algumas partes da Itália. Foi aí que Umberto passou a se dedicar à vida empresarial e teve uma longa carreira no ramo, com vários empreendimentos pelas regiões da Toscana e do Lácio: a zona norte da capital italiana foi o grande foco das atividades de Lenzini. Seus negócios expandiram de vez nos anos 1940, época em que a demanda por construções e reconstruções na Itália era crescente, por conta da destruição causada pela Segunda Grande Guerra.
Nos anos 1960 o ítalo-americano decidiu ingressar no mundo do futebol. Em 1964, Lenzini assumiu o cargo de vice-presidente da Lazio e, no ano seguinte, sucedeu Giorgio Vaccaro na presidência do clube, cheio de dinheiro para investir. Era justamente um grande investimento o que a Lazio mais precisava naquele momento.
Nos primeiros anos como presidente, Lenzini tinha vários problemas a resolver. O clube tinha acabado de voltar da Serie B, mas estava longe de ser um dos principais times do país e fora de campo, passava por uma severa crise econômica. Para piorar a situação, o torcedor celeste viu a Roma, sua grande rival, conquistar seu primeiro título de Coppa Italia naquele mesmo ano.
O começo talvez tenha sido o período mais difícil da era Lenzini. Fora de competições internacionais e figurando na parte de baixo da Serie A, a Lazio até conseguiu escapar do rebaixamento duas vezes consecutivas, mas em 1967 a queda enfim aconteceu: com a derrota para a Juventus na última rodada, a Lazio foi ultrapassada pela Spal e ainda viu os alvinegros festejarem seu 13º scudetto. No final daquela trágica temporada, as cobranças sobre o novo presidente aumentaram, mas “Sor Umberto” manteve a austeridade como lema de seu discurso e pediu paciência e bom senso ao torcedor para reverter a situação.
Lenzini mexia seus pauzinhos pensando em uma forma de investir a fortuna de sua empresa no clube romano. Em abril de 1967, antes mesmo do rebaixamento se confirmar, a Lazio havia se transformado em uma sociedade anônima, o que tornou o clube mais acessível ao mercado de capitais, com ações abertas a compradores e listagem na bolsa de valores. A mudança estrutural ajudou a Lazio a equilibrar as contas e serviu de modelo para Juventus e Roma, que aderiram à mudança naquele mesmo ano.
Depois de duas temporadas na segundona, os biancocelestes voltavam à elite em 1969-70, com status de campeões da Serie B. Àquela altura, a Lazio havia mudado o perfil de contratações: passara a buscar jovens com margem para desenvolvimento, oriundos de times menores. Sor Umberto reforçou o time naquele ano com um trio de jogadores sub-23. Eles eram Giuseppe Wilson e Giorgio Chinaglia, vindos do Internapoli, e Franco Nanni, do Trapani. Os três chegaram sem badalação e se toraram pilares do time em pouco tempo.
O segundo troféu da gestão Lenzini veio em 1971. Depois de uma temporada frustrante na elite, que culminou em rebaixamento, a Lazio conquistou, no verão, a Copa dos Alpes – um torneio internacional de pequena relevância organizado pela FIGC e pela ASF, respectivamente as federações de futebol da Itália e da Suíça. Na final, os celestes bateram o Basel por 3 a 1, com dois gols de Chinaglia, que se convertia num grande goleador.
Com uma melhora na saúde financeira e um elenco mais cascudo, Papà Lenzini só precisava de mais um ingrediente para que o time desse a volta por cima: a escolha correta do treinador. O presidente havia se desentendido diversas vezes com Juan Carlos Lorenzo e o demitiu no final da temporada 1970-71. O problema é que o argentino era bastante prestigiado pela torcida e pelo vestiário, e sua demissão criou uma insatisfação tão grande chegando a ponto de Chinaglia pedir para ser negociado na janela de transferências. No fim das contas o camisa 9 acabou permanecendo.
Para a vaga de Lorenzo, Lenzini escolheu o pouco badalado Tommaso Maestrelli, que tinha como grande feitos as boas campanhas nas séries C e B com a Reggina e o acesso à elite com o Foggia. Detalhe: Maestrelli não havia conseguido salvar os satanelli do rebaixamento em 1971. Por isso, a decisão de Umberto foi tão impopular quanto a de mandar embora o argentino.
Logo após a sua chegada, Maestrelli contou com os reforços de Luigi Martini, Luciano Re Cecconi – com quem havia trabalhado no Foggia –, Felice Pulici e Mario Frustaluppi. O treinador se deparou com um ambiente conturbado e, na medida em que o tempo foi passando, não conseguiu colocar fim na desordem. Mas ganhou o respeito incondicional de todo o elenco, que seguia as suas ordens. Mesmo assim, foi na base do ódio e da balbúrdia que aquela Lazio conseguiu resultados inusitados, como a terceira colocação da Serie A em 1973 e o título italiano no ano seguinte. O triunfo sobre o Foggia representou a conquista do primeiro tricolor da história do clube romano e fez Sor Umberto cair nas graças de mais de noventa mil torcedores presentes no Olímpico.
Os anos posteriores ao título coincidem com o fim da época de ouro da imobiliária de Lenzini. O vento passou a soprar contra a Lazio, que não conseguiu se manter no topo por muito tempo. A começar pela punição da Uefa, que excluiu o time da Copa dos Campeões de 1975 por conta de uma pancadaria generalizada num duelo com o Ipswich, na Copa Uefa anterior. Em seguida, veio o desmanche do elenco, com as saídas de Frustaluppi, Pulici, Nanni, Giancarlo Oddi e Chinaglia – o último rumou para o New York Cosmos, onde foi companheiro de Pelé.
Para substituir Chinaglia, Umberto bancou a contratação de Renzo Rossi, que se provou um verdadeiro flop: fez apenas quatro gols em sua única temporada no clube. Para piorar a situação, a Lazio precisou lidar com verdadeiras tragédias: as perdas de Maestrelli, que teve câncer e viria a falecer em dezembro de 1976, e de Re Cecconi, assassinado com um tiro no peito 47 dias depois do óbito do treinador.
Sor Umberto decidiu colocar um ponto final na sua passagem pela Lazio em 1980, quando eclodiu o escândalo Totonero, que foi calcado em apostas ilegais e manipulação de resultados. De início, o presidente Lenzini, que absolutamente não participou de nenhuma aposta, se recusou a acreditar sobre a irregularidade do campeonato. Porém, quando Bruno Giordano, Pino Wilson, Massimo Cacciatori, Lionello Manfredonia e Maurizio Montesi foram detidos junto a jogadores de outras sete equipes, a Lazio foi punida com uma multa de dez milhões e o rebaixamento à Serie B 1980-81, o que culminou na renúncia de Lenzini. Inicialmente, o clube foi administrado por Aldo, seu irmão, mas logo foi vendido a terceiros.
Depois de 15 temporadas de Lazio, o “papai” Lenzini não voltou a trabalhar no mundo do futebol. Aos 68 anos, voltou a se dedicar exclusivamente aos seus negócios até falecer – o que ocorreu em 1987, quando sofreu um infarto em Roma. Seu funeral teve presença maciça dos torcedores e dos jogadores da Lazio na época. Uma justa homenagem a um personagem conhecido por seu estilo amável e por uma gestão capaz de colocar a equipe celeste no panteão das campeãs italianas.