A história do futebol italiano, como se sabe, é repleta de grandes zagueiros. A miríade de defensores de qualidade invejável, porém, acaba por fazer com que alguns bons jogadores da posição não tenham o devido reconhecimento e sejam relegados a meros coadjuvantes. Roberto Mozzini, pilar de times campeões de Torino e Inter na década de 1970, encara esta sina.
Mozzini chegou ao Torino com 17 anos. No fim da década de 1960, o garoto deixou a pequena Sustinente, na divisa entre a Lombardia e o Vêneto, para conquistar o Piemonte. Após se profissionalizar na base grená, o zagueiro estreou com a camisa granata na quinta rodada da Serie A 1971-72, contra a Inter, e seu segundo jogo foi logo o clássico contra a Juventus.
O Toro perdeu os dois duelos, mas Roberto, de 20 anos recém-completados, ficou em campo durante os 180 minutos e suas atuações agradaram ao técnico Gustavo Giagnoni. O defensor também chamou a atenção de Enzo Bearzot, que o convocou imediatamente para a seleção sub-21 italiana. Em sua primeira – e boa – temporada como profissional, Mozzini ganhou espaço imediatamente e terminou a campanha com 23 partidas realizadas. O jovem contribuiu com um belo campeonato do Torino, que somou apenas um ponto a menos que a Juventus e dividiu a segunda posição da Serie A com o Milan.
Nos anos seguintes, com Giagnoni ou Edmondo Fabbri, seu substituto, o Torino se manteve na parte de cima da tabela, mas não passou da quinta colocação no Italiano. Mozzini evoluiu durante esse período, mas deu um verdadeiro salto na temporada 1975-76, com o técnico Luigi Radice. O lombardo foi um dos 10 jogadores que o treinador utilizou em pelo menos 28 das 30 rodadas da Serie A, concluída com scudetto grená. O título foi conquistado 27 anos após a Tragédia de Superga e, até hoje, é o último de um clube que tem uma história repleta de sofrimento.
Ex-lateral-esquerdo, Radice foi fundamental para fazer com que Mozzini melhorasse o desempenho como defensor e pudesse marcar, com maestria, alguns dos melhores atacantes do futebol italiano – como Pierino Prati, Giuseppe Savoldi, Roberto Boninsegna, Luigi Riva, Giorgio Chinaglia e Roberto Bettega. “Ele era um grande motivador e um treinador metódico, que mantinha o grupo sob suas rédeas, dos treinamentos às partidas. Radice sabia dar apoio tático e moral para que superássemos qualquer dificuldade”, contou Roberto ao site Toro News, em 2018.
O fato de Gigi também ter sido um defensor fazia com que o técnico fosse mais exigente com Mozzini. Isso ficou cristalino na última rodada daquela Serie A, quando Roberto acabou marcando um gol contra, ao tentar atrasar um cruzamento para o goleiro Luciano Castellini. O empate com o Cesena não prejudicou o Torino – até porque a Juventus, concorrente pelo título, perdia para o Perugia –, mas Radice se irritou. Logo após o apito final, a primeira reação do comandante não foi celebrar seu primeiro scudetto, mas puxar a orelha do zagueiro e questioná-lo sobre o erro no lance. “Não ouvi nada, ele [Castellini] não gritou para me avisar [que estava saindo do gol]”, alegou Mozzini.
Na campanha do scudetto do Torino, o lombardo foi um dos defensores centrais de um time que marcava forte e pressionava muito – uma vez que já tinha a influência de Rinus Michels. Implacável e duro nas divididas, Mozzini liderava um quarteto que contava ainda com o líbero Vittorio Caporale e dois zagueiros abertos nos flancos: Roberto Salvadori no esquerdo e Nello Santin no direito. Como pilar do miolo de zaga e acostumado ao estilo inovador daqueles tempos, que também era praticado por Bearzot na seleção italiana, o lombardo voltou a chamar a atenção do técnico.
Após atuar em alguns compromissos pelo time B da Nazionale, Mozzini disputou seis partidas pela Itália entre 1976 e 1977, incluindo amistosos e jogos das Eliminatórias para a Copa do Mundo. Roberto, porém, não conseguiu espaço no grupo que viajou para a Argentina. O Torino emplacou seis jogadores na lista de Bearzot (Patrizio Sala, Renato Zaccarelli, Claudio Sala, Eraldo Pecci, Paolino Pulici e Francesco Graziani), mas o comissário técnico optou por jogadores mais versáteis para compor sua defesa: Gaetano Scirea, Claudio Gentile, Mauro Bellugi e Lionello Manfredonia.
Embora não tenha sido mais chamado para defender a seleção de 1977 em diante, Roberto manteve seu posto intacto no Torino, enquanto alguns de seus companheiros eram substituídos – Luigi Danova e Salvatore Vullo tomaram as vagas de Santin e Caporale, por exemplo. Mozzini, que até usava a faixa de capitão algumas vezes, na ausência de Claudio Sala ou Pulici, contribuiu para mais dois vice-campeonatos e um quarto lugar do time piemontês. Em 1979, o lombardo deixou o Toro após oito temporadas, 235 partidas e 11 gols.
Fortemente desejado pelo diretor Sandro Mazzola, Mozzini se transferiu para a Inter e, logo no primeiro ano de clube, entrou para a história nerazzurra. Na equipe de Milão, o jogador de 28 anos executaria a mesma função dos tempos de Torino, mas em rodízio com Nazzareno Canuti. Roberto era o zagueiro central, enquanto Graziano Bini atuava como líbero e Giuseppe Baresi e Gabriele Oriali faziam os flancos do ferrolho comandado por Eugenio Bersellini. Apesar de ter o dever de evitar gols, Mozzini se notabilizou por colocar uma bola na rede. A única em seus 40 jogos pela Beneamata.
A Inter disputava o scudetto com a Juventus e, faltando três rodadas para o fim do campeonato 1979-80, precisava de um empate com a Roma para garantir o título de forma antecipada. O problema é que o calendário reservava muitas dificuldades para os nerazzurri nos últimos jogos: além da Loba, sexta colocada, a equipe teria de encarar Fiorentina (quinta) e Ascoli (quarto). A tensão, portanto, tomava conta de San Siro naquele 27 de abril de 1980. E cresceu exponencialmente, já que a Roma vencia por 2 a 1 até os 88 minutos. Foi quando Mozzini apareceu.
Roberto raramente ultrapassava a linha de meio-campo, mas sentiu a necessidade de fugir de suas características no final daquela partida. Aos 88, Evaristo Beccalossi tentou cruzar para a área, Maurizio Turone cortou com uma cabeçada e a bola sobrou na altura da meia-lua. Mozzini, canhoto, não hesitou e rebateu do jeito que dava: com a perna direita. “Eu só uso o pé direito para subir as escadas, mas meu chute torto entrou, por um milagre”, disse à Inter TV, em 2017. O zagueiro, na verdade, foi modesto: sua finalização rasteira foi perfeita e não deu chance ao goleiro Paolo Conti.
O gol foi suficiente para levar a parte nerazzurra de Milão à loucura. Para os torcedores da Inter, a conquista do 12º scudetto foi ainda mais saborosa por três motivos. Dois deles, mais triviais: grande parte do elenco era formado na base do clube e a equipe chegou a golear a Juventus por 4 a 0. O êxtase foi ainda maior porque, naquela mesma temporada, o Milan acabaria rebaixado para a Serie B, como punição pela participação de jogadores no escândalo Totonero. Mozzini, portanto, terminou 1980 como um ídolo instantâneo da Beneamata.
Embora contasse com o apreço da torcida, o defensor lombardo permaneceu apenas mais um ano em Milão. Em 1980-81, Mozzini participou de outra boa campanha da Inter, que ficou com a quarta posição na Serie A e avançou até as semifinais da Copa dos Campeões. No torneio europeu, foi eliminada (de cabeça erguida) pelo Real Madrid, que construiu um placar agregado de 2 a 1, com vitória na Espanha e derrota na Itália.
Perto de completar 30 anos, Mozzini acertou com o Bologna, sua última equipe na primeira divisão. Após uma temporada que terminou com o rebaixamento dos rossoblù, Roberto rumou à terceirona, onde atuou com discrição e vestiu as camisas de Fano e Rondinella. Com os faneses, o zagueiro foi vice-campeão da Coppa Italia da Serie C, em 1983.
Mozzini se aposentou do mesmo jeito que começou sua carreira: sem alarde. Liderança silenciosa do Torino e respeitado pela comunidade interista, Roberto passou a se dedicar a times amadores. Depois de colaborar brevemente com clubes profissionais, o ex-zagueiro tem treinado desde o início da década de 2010 pequenas agremiações de Reggio Emilia.
Roberto Mozzini
Nascimento: 22 de outubro de 1951, em Sustinente, Itália
Posição: zagueiro
Clubes: Torino (1971-79), Inter (1979-81), Bologna (1981-82), Fano (1982-83) e Rondinella (1983-85)
Títulos: Serie A (1976 e 1980)
Seleção italiana: 6 jogos