A Euro 2000 foi um dos torneios continentais mais lembrados pelo torcedor italiano. A Itália fazia uma campanha irretocável, eliminou a Holanda, dona da casa, numa semifinal inesquecível, e chegou à decisão para tentar o seu segundo título europeu, 32 anos depois do primeiro. Seu adversário não podia ser outro: a França, então campeã do mundo. O resultado, porém, seria amargo para os azzurri.
A Itália chegava à final com a melhor defesa da Euro, com apenas dois gols sofridos e 100% de aproveitamento até as semifinais, fase em que avançou sobre a Holanda nos pênaltis, após um 0 a 0. Por sua vez, os franceses perderam na fase de grupos para a própria Oranje e venceram Dinamarca e República Checa, superando Espanha e Portugal no mata-mata – assim como os italianos, jogaram uma prorrogação nas semifinais. Os jogadores da França eram praticamente os mesmo da Copa do Mundo, com uma mudança no banco de reservas: auxiliar em 1998, Roger Lemerre assumira como treinador.
A rivalidade entre os dois países é centenária, e não só no futebol. No confronto geral pelo esporte, até a final europeia, tínhamos 17 vitórias italianas contra seis francesas e oito empates. Essa seria a primeira final entre as seleções, após quatro embates em Copas – sendo os mais avançados os que ocorreram nas quartas de final, nos dois Mundiais ocorridos na França, em 1938 e 1998. Quem vencesse no De Kuip, em Roterdã, ficaria com o seu segundo título da Euro.
Em relação às semifinais, as escalações das duas equipes tinham alterações. Por obrigação, uma mudança de Dino Zoff na Itália era a de Gianluca Zambrotta, expulso contra a Oranje, por Gianluca Pessotto. No ataque, Marco Delvecchio ganhou a vaga de Filippo Inzaghi e seria o responsável por disputar no corpo contra Marcel Desailly e Laurent Blanc. O resto do time manteve o padrão, com um 3-5-2 defensivo, que tinha Paolo Maldini como ala esquerdo e Demetrio Albertini e Luigi Di Biagio como volantes. Nos Bleus, Emmanuel Petit ficou de fora de última hora por conta de uma febre e Youri Djorkaeff, bem conhecido dos italianos, entrou como titular.
Logo após o apito inicial de Anders Frisk, os dois times mostraram gana para balançarem as redes prematuramente e tirar a pressão dos ombros. Os cinco primeiros minutos foram lançamentos para todos lados mas sem chances claras. A mais perigosa foi um chute despretensioso de Thierry Henry, que acertou a trave. O ritmo acabou se amenizando, e a primeira etapa ficou marcada pelos embates entre Delvecchio e Desailly nos lançamentos para o atacante, enquanto o jovem Henry tinha dificuldades de passar pelo trio de zaga.
Thierry foi o melhor jogador francês na etapa inicial e conseguiu cavar faltas que levaram a cartões para Di Biagio e Fabio Cannavaro. A França atacava bastante pelo lado esquerdo, com Bixente Lizarazu e Christophe Dugarry, já que Maldini cobria bem o flanco oposto e Lilian Thuram era mais defensivo. Num primeiro tempo de muitos bloqueios, a melhor chance caiu nos pés de Djorkaeff, frente a frente cm Francesco Toldo, mas o francês finalizou sem força. Craque da Juventus e melhor do mundo em 1998, Zinédine Zidane estava apagado, até então.
Os franceses voltaram para o segundo tempo com sanha e aceleraram o jogo, o que obrigou a Itália a responder, com a entrada de Alessandro Del Piero no lugar de Stefano Fiore. Naquele momento, antes dos 10 minutos da etapa complementar, o time italiano começava a fazer mais jogadas pelas laterais e foi assim que marcou o primeiro. Aos 55, Francesco Totti descolou um belo toque de calcanhar para Pessotto, que cruzou na medida para Delvecchio abrir o placar.
Para responder à Itália, Lemerre sacou Dugarry para colocar Sylvain Wiltord e, mais tarde, trocou Djorkaeff por David Trezeguet. Na Nazionale, a entrada de Massimo Ambrosini no lugar de Di Biagio deu sangue novo à marcação e qualificou o passe no meio-campo. Numa oportunidade, o volante do Milan deixou Del Piero cara a cara com Fabien Barthez, aos 84 minutos, mas Ale não estava com a pontaria em dia e finalizou em cima do goleiro. A Itália poderia ter matado o jogo.
O roteiro da semifinal contra a Holanda dava confiança aos italianos, que sabiam que tinham qualidade e capacidade suficientes para aguentar a pressão da França. Ainda que os Bleus insistissem em ataques no setor defendido por Pessotto e cansassem o lateral juventino, muito exigido durante toda a final.

Festejo entre romanistas: Totti e Delvecchio foram vitais para a abertura do placar na final (imago)
Lemerre resolveu ir para o tudo ou nada ao colocar Robert Pirès na lateral no lugar de Lizarazu, aos 86 minutos. O técnico também soltou Zidane e Thuram, fazendo com que oito jogadores ficassem no campo de ataque. A Itália resistia bravamente, até que veio o choque.
Barthez deu chutão para frente, Trezeguet ganhou de Mark Iuliano no alto e pegou a defesa italiana desprevenida. Cannavaro só conseguiu raspar de leve na bola que sobra para Wiltord, deixado livre por Pessotto, chutar rasteiro e marcar. Aos 93, restando cerca de 60 segundos para o fim, a França empatava e levava a decisão para o tempo extra.
Na prorrogação, a Itália estava cansada de se defender e, principalmente, havia sofrido um baque psicológico pelo gol sofrido no apagar das luzes. Naquela Euro, estava em vigor o chamado “gol de ouro”, método de desempate que garantia a vitória para o time que marcasse primeiro na prorrogação. Por causa da “morte súbita”, as seleções se lançaram ao ataque em busca do golden goal, mas era nítida a vantagem física da França.
Decididos a anotar logo no primeiro tempo da prorrogação, os Bleus continuaram a atacar o setor de Pessotto e tiveram ótima oportunidade com um forte chute de Pirès, defendido por Toldo. Aos 103 minutos, no fim da etapa inicial do tempo extra, a partida acabou. Cannavaro, depois de desarmar, tocou mal para Albertini, que teve a posse roubada por Pirès. O meia fez boa jogada pela esquerda e cruzou na medida para Trezeguet: Iuliano se movimentou errado, não cortou o cruzamento e o franco-argentino acertou um foguete no ângulo.
Da maneira mais dramática possível, a Itália perdia o título depois de ter o jogo na mão. A França foi bicampeã europeia ao ter o mérito de aproveitar as falhas dos azzurri justo na forte defesa, tão trabalhada ao longo das décadas e praticamente impecável contra a Holanda. Os Bleus nem precisaram de um Zidane em alta naquela decisão.
Se a França pode comemorar o título continental dois anos após a conquista mundial, o que deu ainda mais importância àquela geração, a Itália teve de aguentar um jejum de taças por 24 anos. Em 2006, a Itália conseguiria se livrar da fila e, de quebra, teria a sua vingança contra os franceses: após batê-los nos pênaltis, a Squadra Azzurra seria tetracampeã do mundo.
França 2-1 Itália
Itália: Toldo; Cannavaro, Nesta, Iuliano; Pessotto, Albertini, Di Biagio (Ambrosini), Maldini; Fiore (Del Piero); Totti, Delvecchio (Montella). Técnico: Dino Zoff.
França: Barthez; Thuram, Desailly, Blanc, Lizarazu (Pirès); Vieira, Deschamps; Djorkaeff (Trezeguet), Zidane, Henry; Dugarry (Wiltord). Técnico: Roger Lemerre.
Árbitro: Anders Frisk (Suécia)
Cartões amarelos: Thuram; Di Biagio, Cannavaro e Totti
Gols: Wiltord (90+4′) e Trezeguet (103′); Delvecchio (55′)
Local e data: estádio De Kuip, em Roterdã (Holanda), em 2 de julho de 2000