É cada vez mais raro que jogadores sejam capazes de nutrir forte identificação com um clube e poucos deles podem se orgulhar de terem vestido uma mesma camisa por quase 400 partidas. Moreno Ferrario é um daqueles que carrega consigo esse feito. O defensor que marcou época com a camisa do Napoli até representou outras equipes, mas em nenhuma delas conseguiu construir uma história tão brilhante quanto a que arquitetou no clube partenopeo. Nem isso fez com que tivesse espaço na seleção italiana, porém.
Nascido em Lainate, na Lombardia, Ferrario começou em um clube da região: o Varese, no qual ingressou com apenas 11 anos. Aos 16, estreou como profissional, quando o time regressava à Serie B após sua última participação na primeira divisão italiana, em 1974-75. Em dois anos, o zagueiro central disputou 44 partidas pelos biancorossi e desenvolveu forte ligação com o treinador Pietro Maroso, o auxiliar Riccardo Sogliano e o diretor esportivo Giuseppe Marotta.
O sólido e sisudo defensor foi negociado com o Napoli em 1977 e, no sul da Itália, se tornou um ícone: sempre como titular, disputou 11 temporadas com a camisa azzurra, sendo o quarto jogador com mais partidas na história dos partenopei, atrás de Marek Hamsík (520), Giuseppe Bruscolotti (507) e Antonio Juliano (499). Moreno se consagrou como um excelente cobrador de pênaltis, atuou como companheiro de Diego Maradona e atingiu o auge com a conquista do primeiro scudetto napolitano.
Na temporada 1976-77, o Napoli brigou contra o rebaixamento na Serie A e vislumbrou num quarteto do Varese a tábua de salvação. A diretoria biancorossa negou a transferência do meia Luigi Manueli, do treinador Maroso e do auxiliar Sogliano. O único que foi liberado para fortalecer o grupo do time de Nápoles foi justamente o zagueiro Ferrario.
Nos três primeiros anos de Moreno no sul da Itália, o Napoli não foi além de uma sexta colocação na Serie A e de um vice na Coppa Italia. Em 1980-81, ao lado de Bruscolotti e Ruud Krol na defesa, Ferrario ajudou o time a brigar até as últimas rodadas pelo scudetto, terminando na terceira colocação. Um erro seu acabou contribuindo para esse resultado – muito embora os azzurri tenham tropeçado em partidas importantes na sequência e a classificação final tenha sido comemorada pela torcida mesmo assim.
Faltando cinco rodadas para o encerramento da Serie A, o Napoli recebeu o Perugia, então lanterna da competição, mas acabou derrotado. Logo no primeiro minuto de jogo, Antonio Di Gennaro cruzou e Ferrario, ao tentar cortar, acabou mandando a bola no ângulo de Luciano Castellini e fazendo um gol contra. Os azzurri não conseguiram reagir durante o restante da peleja e, depois disso, ainda empataria com a Fiorentina e seria derrotado pela Udinese e pela Juventus, que viria a ficar com o scudetto.
Ferrario precisaria esperar cinco anos para poder escrever uma história mais feliz. Após aquela temporada, o Napoli voltou a brigar do meio da tabela para baixo, mas foi crescendo gradativamente a partir de 1984, com a contratação de Maradona e, uma temporada depois, do técnico Ottavio Bianchi. Em 1986-87, veio a consagração.
O Napoli, então comandado pelo craque argentino e pelos escudeiros Salvatore Bagni, Bruno Giordano e Andrea Carnevale, levantou seu primeiro scudetto e a terceira Coppa Italia. Na campanha do título italiano, Moreno participou de 29 jogos e anotou um gol – seu único com a bola rolando, excluindo pênaltis. Este tento foi importantíssimo, já que iniciou a reação dos napolitanos contra a Juventus e fez a torcida acreditar que seria mesmo possível competir pelo título. A derrota parcial por 1 a 0 virou empate aos 73 minutos e, no último trilar do apito, os partenopei venciam por 3 a 1.
Naquele Napoli, Ferrario e Maradona eram líderes do elenco, ao lado de Bruscolotti e Bagni. Apesar disso, por ter uma personalidade esquiva e reservada, por vezes até gélida, Moreno não chegou a desenvolver uma amizade com o expansivo craque argentino: tiveram um bom relacionamento profissional, e só. O suficiente para considerar os quatro anos em que foi companheiro do Pibe como inesquecíveis, conforme relatou em entrevista após a morte do colega. “Ele era muito correto e sempre foi muito prestativo. Ele vivia como queria, com suas ideias, mesmo as erradas, e não tinha problema em dizer sempre o que pensava. Em campo, eu o vi fazer coisas que ninguém mais fez”, declarou ao site Varese News.
Durante o início de sua militância com a camisa napolitana, Moreno recebeu oportunidades nas seleções de base italianas: disputou um Mundial sub-20, dois Europeus sub-21 e a Copa do Mundo Militar, em 1979, quando a Itália foi derrotada na final pelo Iraque, em competição que ocorreu no Kuwait. No entanto, nunca deu o salto para a seleção principal. Ferrario chegou a alegar que havia preconceito contra jogadores de times do sul, mas colegas seus – como Bagni e Fernando De Napoli, então no Avellino, também da Campânia – disputaram a Copa de 1986, por exemplo. O fato é que a concorrência na defesa era muito grande e até o lendário Franco Baresi ficou de fora daquela competição.
Ao longo da temporada 1987-88, que culminou na perda do scudetto na reta final da Serie A, Ferrario, Bagni, Giordano e Claudio Garella entraram em conflito com o técnico Bianchi. Isso levou à saída de Moreno: aos 29 anos, após 396 partidas pelo Napoli, acabou negociado com a Roma.
Na capital, o clima no elenco também não foi dos melhores. As chegadas de Andrade e Renato Gaúcho não tornaram o time mais competitivo e o que a Loba mostrava em campo era apenas um reflexo da bagunça nos bastidores: o veterano Nils Liedholm começou a temporada 1988-89 no comando, foi substituído pelo jovem Luciano Spinosi, mas voltou apenas quatro rodadas depois. O resultado foi a oitava posição na Serie A e eliminações precoces nas copas. Abalado por problemas físicos, Ferrario pouco jogou e encerrou sua passagem pelos giallorossi com memórias bastante negativas.
Depois de apenas 12 aparições pela Roma, Moreno Ferrario se transferiu para o Avellino, que militava na Serie B. Durante seu biênio na Campânia, reencontrou Francesco Baiano, Costanzo Celestini, Massimo Filardi e Giuseppe Taglialatela, ex-companheiros de Napoli, mas o entrosamento não resultou em grandes resultados: os biancoverdi fizeram campanhas modestas e não retornaram à elite do futebol italiano.
O defensor ainda teria uma passagem rápida pelo Siena, à época na Serie C1, e pela Carrarese, que havia acabado de alcançar o acesso à terceirona. Pelos giallazzurri, Moreno não apenas fez duas temporadas em um nível considerável, entregando 61 partidas, como também voltou a balançar as redes após cinco anos.
Em 1994-95, Ferrario retornou à Lombardia para se despedir do futebol com a camisa do Saronno, então dirigido por Enrico Preziosi, atual presidente do Genoa. Comandado pelo ex-atacante Giuseppe Savoldi, que fora seu companheiro no Napoli, Moreno deu uma pequena colaboração para o acesso do clube à terceira divisão e pendurou as chuteiras.
Mesmo com toda a sua experiência nos gramados, Moreno Ferrario não embalou como treinador. Teve algumas passagens por times modestos, como Verbania e Tradate, e consolidou seu trabalho fora das quatro linhas nas categorias de base. O ex-zagueiro atuou por Varese, Gallaratese e, após cinco anos como observador de talentos do Novara, foi colaborador do Spezia por três temporadas. Desde 2018, o lombardo é um dos formadores de garotos do Legnano.
Moreno Ferrario
Nascimento: 20 de março de 1959, em Lainate, Itália
Posição: zagueiro
Clubes como jogador: Varese (1975-77), Napoli (1977-88), Roma (1988-89), Avellino (1989-91), Siena (1991-92), Carrarese (1992-94) e Saronno (1994-95)
Títulos conquistados: Serie A (1987) e Coppa Italia (1987)
Clubes como treinador: Verbania (2003-05), Varese (2006-08) e Tradate (2008)