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Carlo Muraro não atingiu seu potencial, mas ajudou a Inter no fim dos anos 1970

O mundo do futebol está recheado de figuras que preferem supervalorizar os seus feitos e recalcar as suas falhas. Em meio a tanta vaidade, são raros ex-jogadores como Carlo Muraro, que admite ter produzido menos do que previam as expectativas quando do seu surgimento na base da Inter. Mesmo assim, o ponta esquerda teve uma importante participação na conquista de um scudetto nerazzurro – o último de uma equipe formada integralmente por italianos.

Muraro nasceu em Gazzo, na região do Vêneto, em junho de 1955. A origem do seu nome é, no mínimo, curiosa: foi batizado Carlo em homenagem a um cavalo querido da fazenda da família. Carletto acabou honrando a alcunha e se tornou um jogador muito veloz. A característica marcante o levou às categorias de base da Inter, no início da década de 1970, quando já vivia em Milão com os pais e os irmãos. Por lá, se formou como ponta-esquerda e, em 1973, conquistou a primeira edição da Coppa Italia Primavera, destinada a equipes sub-19.

Sua estreia como profissional aconteceu no dia 20 de janeiro de 1974, em derrota caseira da Inter para o Cagliari. Foi o único jogo de Carletto em 1973-74, enquanto na temporada seguinte ele somou mais nove aparições pelos nerazzurri. No verão de 1975, no intuito de que o garoto de 20 anos acumulasse experiência, a diretoria da Beneamata o emprestou para o Varese, que havia sido rebaixado para a Serie B.

Na segunda divisão, Muraro explodiu: foram 35 jogos e 16 gols marcados, que o levaram à terceira posição na artilharia da categoria. Carlo ficou atrás apenas de Giuliano Musiello, do Avellino, e de Roberto Pruzzo, do Genoa, que anotaram 18. O time treinado por Pietro Maroso chegou a liderar o campeonato no segundo turno, mas o desempenho negativo na reta final da competição lhe impediu de integrar o trio de promovidos: enquanto o Varese somou 44 pontos, Genoa, Catanzaro e Foggia acumularam 45.

Para Muraro, o ótimo desempenho na Serie B significou o interesse da Juventus. O presidente Giampiero Boniperti chegou a negociar diretamente com Ivanoe Fraizzoli, proprietário da Inter, pela contratação do ponta: os nerazzurri pagariam 600 milhões de velhas liras e enviariam Carlo e Roberto Boninsegna em troca por Fabio Capello e Pietro Anastasi. No fim das contas, só os centroavantes mudaram de clube. O jovem Carletto foi aproveitado pela Beneamata, embora o técnico Giuseppe Chiappella desse preferência a Anastasi e Giacomo Libera.

Bastaram alguns jogos para Muraro convencer Chiappella de que merecia a titularidade. Entre dezembro de 1976 e janeiro de 1977, já adaptado, o atacante marcou uma doppietta nas vitórias sobre Napoli e Bologna e uma tripletta no 3 a 0 sobre a Roma – partidas em sequência. Assim, o ponta rápido e driblador começou a ser conhecido pelo apelido “Jair Bianco”, que Helenio Herera havia lhe dado pela semelhança de seu futebol com o de Jair da Costa, destaque da Grande Inter. O jornalista Gianni Brera também lhe chamava de Carletto Sparalesto em referência ao cavalo caubói Ernesto Sparalesto, do desenho animado homônimo da produtora Hanna-Barbera – no Brasil, o personagem é conhecido como Pepe Legal.

Muraro terminou a temporada 1976-77 como artilheiro da Inter, com 10 gols. A equipe, por sua vez, foi quarta colocada da Serie A e vice-campeã da Coppa Italia. Em 1977, Eugenio Bersellini assumiu o comando dos nerazzurri e desenvolveu um time que era forte nos contragolpes – portanto, ter um dos mais rápidos jogadores do futebol nacional a sua disposição seria algo importante.

Vestindo a camisa nerazzurra, Muraro participou da conquista de dois títulos importantes (Arquivo/Inter)

Carletto manteve o seu espaço e fez uma dupla poderosa com Alessandro Altobelli: no campeonato, concluído pela Beneamata na quinta posição, o ponta marcou nove gols e o centroavante guardou 10. Na copa nacional, ambos anotaram quatro vezes e levaram a Inter ao título, com vitória por 2 a 1 sobre o Napoli. Assim, Muraro conquistou sua primeira taça como profissional.

A partir de 1978-79, com a saída de Anastasi, Muraro ganhou ainda mais minutos em campo e se tornou praticamente indiscutível na equipe titular. Potencializado pelo criativo Evaristo Beccalossi, o atacante marcou 14 gols na temporada, em que a Inter foi quarta na Serie A e caiu nas quartas da Coppa Italia e da Recopa Uefa.

A campanha seguinte foi mais feliz para os nerazzurri. Nela, Carletto teve um papel mais solidário, contribuindo para que Altobelli fosse o vice-artilheiro do Italiano, com 15 tentos. Apesar disso, o vêneto também balançou as redes em momentos importantes: uma vez no 4 a 0 sobre a Juventus e duas num triunfo por 4 a 3 sobre o Napoli. Depois de nove anos vendo os rivais acumularem scudetti, a Inter conquistou o seu 12º título da Serie A com muita autoridade. Afinal, foi líder de ponta a ponta.

O elenco daquela Inter tinha apenas italianos, já que ainda estava em vigor uma regra que impedia a contratação de jogadores estrangeiros por clubes do país – a proibição, que durou quase 15 anos, caiu justamente em 1980. Dessa forma, o título da Beneamata na Serie A foi o último de uma equipe 100% nacional. Outro detalhe é que o plantel nerazzurro tinha vários atletas formados na base da própria agremiação: além de Muraro, foram revelados na Pinetina o goleiro Ivano Bordon, o volante Gabriele Oriali e os zagueiros Graziano Bini, Giuseppe Baresi e Nazzareno Canuti.

Com 25 anos, Carletto rumava ao ápice físico. Ou ao menos era o que se esperava. Afinal, a temporada 1980-81 foi a última de bom nível que o ponta realizou em sua carreira: no momento do esperado salto de qualidade, que poderia garantir-lhe um espaço na seleção italiana, Muraro passou a conviver com lesões. Ao mesmo tempo, estava sendo frequentemente parado pelos adversários, que desvendaram o seu jeito de jogar, e não conseguiu se reinventar – nem teve equilíbrio emocional para digerir o período negativo.

Ainda assim, o vêneto marcou oito gols ao longo da época e ajudou a Inter a ser semifinalista da Copa dos Campeões. Na segunda fase da competição, contra o Universitatea Craiova, da Romênia, anotou o seu tento mais famoso pela Beneamata, ao percorrer quase todo o campo em velocidade antes de concluir para as redes. Foi um dos últimos lampejos de Muraro com a camisa nerazzurra: com menos espaço na equipe, se transferiu para a Udinese no verão de 1981.

Muraro teve três passagens pela Inter, mas teve um curto período de brilho, entre 1976 e 1980 (Marco Ravezzani)

Em Údine, a realidade era lutar contra o rebaixamento. Carletto nem sempre foi titular do time friulano: somou 26 aparições e quatro gols. No entanto, ajudou a equipe a atingir o seu objetivo e se despediu dela depois disso. No Ascoli, seu novo clube, entrou ainda menos vezes em campo (20) e só anotou um tento. Os marquesãos também evitaram o descenso.

Mesmo perseguido pelas lesões e longe do melhor desempenho técnico, Muraro retornou à Inter em 1983. Na terceira passagem pelo clube que o revelou, seria a última opção de ataque. No biênio seguinte, o ponta somou apenas 880 minutos em campo, distribuídos em 23 aparições, e marcou dois gols. Os nerazzurri até fizeram campanhas razoáveis, mas não conquistaram taças.

Em 1985, já em fim de carreira, Carlo deixou a Inter definitivamente, após somar 193 partidas e 55 gols pela equipe de Milão. Seu destino foi o Arezzo, da Serie B. Na segundona, o atacante voltou a ter sequência e se tornou titular absoluto dos toscanos: em 32 presenças, balançou as redes oito vezes e contribuiu para que os amaranto terminassem o certame no meio da tabela. Muraro até iniciou 1986-87 pelo clube, mas rescindiu o contrato após os primeiros jogos da temporada.

Muraro passou cerca de uma temporada sem jogar e voltou aos gramados apenas em 1987-88, pela Pistoiese – que disputava a Serie C2 e era treinada por um jovem Marcello Lippi. O atacante só atuou em seis oportunidades, mas teve o prazer de marcar um gol pela última vez, antes de se aposentar com 32 anos recém-completados.

Em 1992, Muraro iniciou sua primeira experiência como treinador, ao assumir as categorias de base do Vicenza, cargo que ocupou até 1996. Na sequência, o ex-atacante girou sem sucesso por clubes pequenos da terceira e da quarta divisão – dirigiu Solbiatese, Legnano, Saronno e Pro Sesto. O único trabalho duradouro foi pela Pro Patria: entre 2001 e 2004, Carletto conseguiu um acesso para a Serie C1 e foi vice-campeão da Coppa Italia da Serie C pelos bustocchi. Antes de deixar a profissão, comandou o time sub-16 do Monza, em 2009-10.

Atualmente, Muraro é comentarista e, volta e meia, dá seus pitacos pela Sky Italia. Sempre que é instado a falar sobre sua carreira no futebol, faz o que todo bom profissional deveria fazer: sem rodeios, dá uma opinião baseada em fatos. Carletto assume que prometia ser um jogador mais célebre do que de fato foi. Não eram poucos os que achavam que, ao terminar de amadurecer, ele seria melhor do que Jair da Costa. Passou longe.

Carlo Muraro
Nascimento: 1º de junho de 1955, em Gazzo, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Inter (1973-75, 1976-81 e 1983-85), Varese (1975-76), Udinese (1981-82), Ascoli (1982-83), Arezzo (1985-87) e Pistoiese (1987-88)
Títulos como jogador: Coppa Italia Primavera (1973), Coppa Italia (1978) e Serie A (1980)
Clubes como treinador: Solbiatese (1996-97), Legnano (1997-98 e 2000-01), Saronno (1998-99), Lecco (1999-2000), Pro Patria (2001-04) e Pro Sesto (2006-07)

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