Mesmo com os holofotes apontados para Diego Armando Maradona, os coadjuvantes no bicampeonato italiano e do título da Copa Uefa, conquistados pelo Napoli, também emergiram como heróis aos olhos dos napolitanos. A consistência defensiva de Giancarlo Corradini, por exemplo, desempenhou um papel fundamental naquela odisseia azzurra. A garra e a simpatia do zagueiro, que representou os partenopei em 230 jogos, foi admirada na capital da Campânia e também em Turim, onde também deixou uma marca importante no lado grená da cidade.
Nascido na província de Módena, ele começou a carreira na terra natal, pelo Sassuolo, onde foi alçado aos profissionais em 1977, na condição de lateral-direito. Atuando na Serie D, defendeu os neroverdi em 21 partidas e, durante uma delas, chamou a atenção de um olheiro do Genoa. No Grifone, Corradini subiu duas categorias e disputou a segunda divisão, mas a frequência em campo não aumentou: em meio a uma temporada conturbada, com três mudanças de treinador, o jovem de 19 anos foi acionado apenas 14 vezes. Em busca de mais oportunidades, ele desceu um degrau e assinou com a Reggiana, da C1.
Ao invés de abalar a sua confiança, o retorno a um nível inferior da pirâmide do futebol italiano fortaleceu os desejos de Corradini de ascender no esporte. Escalado como zagueiro, ele fez parte da campanha em que os granata, treinados por Romano Fogli e liderados pelo meia Gianfranco Matteoli, conquistaram o acesso, na liderança do Grupo A.
Na Serie B, manteve a titularidade e fez grande temporada, com 36 partidas e dois gols marcados. Ainda sem tanto prestígio no mercado de transferências, Luciano Moggi, então diretor esportivo do Torino, liderou as negociações para o time de Turim adquirir o passe do beque. Lá, o defensor desafiou a instabilidade típica da juventude e emendou seis anos consecutivos no clube.
Nas voltas que o mundo dá, Corradini fez sua estreia contra o Genoa, em 1982. Visto, a princípio, como reserva de Giacomo Ferri, o jovem de 21 anos ganhou a confiança do técnico Eugenio Bersellini. Ele foi titular em boa parte dos 25 jogos da Serie A, na qual o Torino passou ocupou a oitava posição. Na Coppa Italia, os granata – que vinham de três vices consecutivos – eliminaram o Napoli nas quartas de final e chegaram a sonhar com a taça, mas caíram, em seguida, para o Verona.
Embalado pelos goleadores estrangeiros Walter Schachner e Patricio Hernández, o rendimento aumentou e o Torino terminou o campeonato em quinto, a dois pontos de disputar a Copa Uefa da temporada seguinte. Na Coppa Italia, a campanha se encerrou nas semifinais outra vez, após a Roma vencer os dois jogos. Quem também ascendeu foi Corradini: apesar de o número frio de aparições ter sido o mesmo do ano anterior, ele se firmou entre no onze inicial e viu sua minutagem saltar em aproximadamente 40%.
Em 1984-85, na companhia do recém-chegado Júnior, o zagueiro foi um dos protagonistas na campanha que rendeu ao Toro o vice-campeonato da Serie A – na ocasião, o Verona ergueu o scudetto – e a terceira defesa menos vazada. Visando lapidar a joia em mãos, o Torino liberou o experiente Michel van de Korput e abriu espaço para Corradini assumir um papel de destaque. Ele não desapontou e correspondeu em alto nível sob o comando do novo técnico, Luigi Radice. Apesar da eliminação precoce para o Hajduk Split na segunda fase da Copa Uefa, a equipe faturou um respeitável quarto lugar em 1985-86. Voltando a atuar na lateral direita em alguns jogos, o camisa 2 foi titular em todas as 30 rodadas naquela edição e marcou três gols.
A defesa dava conta do recado, mas o ataque tinha margem para evoluir. Com isso, a diretoria grená cedeu Schachner ao Avellino e direcionou os esforços para Wim Kieft, goleador do rebaixado Pisa. O neerlandês empilhou gols no início, mas uma lesão lhe afastou dos campos durante três meses e praticamente minou o poder ofensivo do Torino. A equipe granata chegou a passar seis jogos sem vazar os adversários e, para piorar, a regularidade de Corradini e companhia na última linha não era o suficiente para segurar a barra. O resultado foi o saldo negativo na Serie A, competição em que o time terminou no 11º posto, além das eliminações nos mata-matas da Coppa Italia e da Copa Uefa.
A última temporada de Corradini no clube ficou marcada por mais uma frustração na Coppa Italia. Após uma classificação histórica sobre a Juventus nas semifinais, os granata ficaram a um passo do título, na decisão contra a Sampdoria. Porém, a derrota por 2 a 0 na ida dificultou a vida da equipe grená: no jogo de volta, os piemonteses até devolveram o placar no tempo normal, mas sofreram um gol na prorrogação e amargaram o vice.
Essa derrota representaria o fim da jornada de Corradini no Torino, mas não apagou a contribuição valiosa que ele deu ao time: em 209 partidas, anotou oito gols. Sua imagem no clube, entretanto, seria comprometida mais adiante, durante sua carreira como treinador.
No verão de 1988, o zagueiro se reencontraria com um velho conhecido. Depois de fechar com Luca Fusi e Giuliano Giuliani, Moggi, então diretor esportivo do Napoli, definiu Corradini como alvo na janela de transferências. Habilidoso na mesa de negociações, Lucky Luciano estava determinado a tirar o beque do Torino, para onde o havia levado, no intuito de repor a saída de Moreno Ferrario. Segundo noticiou o jornal La Reppublica, à época, Radice não fez jogo duro, visto que o contrato do emiliano estava prestes a expirar e o Toro precisava do dinheiro. No leilão com a Roma, a figura do cartola azzurro fez a diferença e Giancarlo desembarcou na Campânia.
Corradini se adaptou rapidamente à nova casa. Além de reencontrar Giovanni Francini, seu companheiro no Torino, ele contagiou os novos colegas de time através do seu talento na guitarra e de seu senso de humor. Numa época em que celulares ainda não eram populares, Maradona, Careca e companhia assistiam a performance do guitarrista amador na concentração pré-jogo. O desempenho em campo também não deixava a desejar. Forte na marcação, sem aliviar nos empurrões, o zagueiro ganhou o coração do torcedor e a titularidade. Ele somou 29 aparições, a maioria na condição de titular, na campanha de Serie A encerrada no segundo lugar, atrás de uma Inter recordista.
Na Copa Uefa, em exceção do segundo tempo do jogo de ida da final, contra o Stuttgart, atuou em todos os minutos da caminhada rumo ao inédito título internacional. Em entrevista ao site Agora 3.0, Corradini compartilhou uma lembranças curiosa sobre a volta da semifinal, contra o Bayern de Munique, origem do famoso vídeo em que Maradona se aqueceu ao som de Live Is Life, da banda Opus. “Enquanto ele dribla e faz coisas incríveis no ritmo da música, de repente eu apareço ao fundo fazendo uma corrida ‘qualquer’. Em suma, algumas imagens resumem a diferença entre Diego e todos os outros. Tanto que, às vezes, acho que estraguei aquele belo vídeo (risos)”.
Corradini não desdenhava dos chutes de longa distância, mas seu primeiro gol trajado de azzurro, entretanto, teve origem em uma cabeçada, na segunda temporada no Napoli. Em desvantagem por dois tentos contra a Fiorentina, no San Paolo, os partenopei desperdiçaram a chance de colar no placar em pênalti cobrado por Maradona. Após Stefano Pioli marcar contra e Careca garantir o empate, o xerife napolitano cabeceou a bola em cheio, completando o escanteio batido por Maradona, para virar o jogo. “Comemorei loucamente, parecia uma reedição de [Marco] Tardelli na Copa do Mundo de 1982, na Espanha, tanto que em campo esqueci de ir abraçar Maradona”, conta. A vitória deixou o Ciuccio na liderança solitária da Serie A.
Em cenário similar, contra a Udinese, na 19ª rodada, Corradini arrancou outro ponto fundamental na trajetória do bicampeonato. O time friulano abriu 2 a 0, mas Maradona diminuiu e o beque voltou a ser decisivo para deixar tudo igual, nos acréscimos. O empate manteve a equipe azzurra em primeiro lugar, um ponto à frente da Inter, que havia vencido em casa. Polivalente, ele desempenhou as funções de zagueiro, líbero e lateral-esquerdo, sendo crucial para o segundo scudetto do Napoli.
Em 1990-91, os partenopei massacraram a Juventus na Supercopa Italiana, por 5 a 1 e tiveram um início de temporada estonteante. Contudo, a validade dos áureos tempos napolitanos parecia ter acabado. A defesa do título começou mal, com uma vitória em cinco jogos, e descarrilou depois do flagra antidoping em Maradona. “Não tivemos nem tempo de entender o que estava acontecendo. A saída dele foi, para todos os efeitos, uma fuga, e não uma partida”, aponta Corradini. Segundo o zagueiro, é possível que a eliminação da Itália para a Argentina, na Copa de 1990, tenha acelerado o desligamento. “Sua presença era irritante. Caso contrário, tal pressa para sair não seria explicada”, pondera.
O zagueiro se manteve como titular absoluto e sempre fez mais de 35 jogos por temporada até a sua última campanha no clube, em 1993-94, quando Fabio Cannavaro, aos 19, ganhou espaço entre os profissionais. Já na reserva, Corradini pendurou as chuteiras com apenas 32 anos, exatamente em 1994.
Fora dos campos, o ex-zagueiro começou a atuar como treinador em 1998, quando se tornou responsável pelos juvenis do Modena, em sua província natal. No ano seguinte, ele assumiu o comando técnico das categorias de base da Juventus. Quem o contrataria? Moggi, seu velho conhecido, que trabalhava na Velha Senhora havia quatro temporadas.
Depois, por indicação de Marcello Lippi, que o treinara no Napoli, Corradini foi alçado à comissão do time principal da Juventus. Em 2004, se tornou auxiliar de Fabio Capello e seguiu no cargo após a eclosão do esquema Calciopoli, que culminou na remoção de toda a diretoria bianconera, a queda da equipe para a Serie B e a chegada de Didier Deschamps para o comando técnico.
Na reta final da Serie B, quando a Juventus já havia conquistado a promoção e o título, os desentendimentos entre o francês e a diretoria do clube culminaram em sua renúncia ao cargo. Coube a Corradini a responsabilidade de substituir Deschamps e comandar os bianconeri nos dois últimos jogos da temporada. Em sua primeira coletiva de imprensa, o técnico interino se autodenominou um “pequeno José Mourinho”, brincando com o fato de ter trabalhado e aprendido com treinadores de elite.
Nos dois jogos em que treinou a Juve, Corradini amargou derrotas para Bari e Spezia, que brigavam para não cair. Às vésperas do compromisso final, anunciou a saída da equipe com o intuito de assumir a função em outro clube. Não foi o suficiente para os granata esquecerem a traição do ex-zagueiro. “Quando o Torino comemorou 100 anos, em 2006, não fui convidado. Na altura, trabalhava na Juventus, mas a profissão exercida num rival não apaga o carinho por um time em que vivi seis anos importantes da minha carreira. Fiquei muito chateado na época e devo dizer que, ainda hoje, depois de tanto tempo, a cicatriz permanece”, desabafou ao portal ToroNews.
Logo em junho de 2007, Corradini foi anunciado como treinador do Venezia. Contudo, não se sustentou no cargo por mais de 60 dias. Depois, comandou o filho Cristiano no Cuneo, que salvou do rebaixamento para a sexta divisão, em 2009, e teve uma passagem de apenas duas semanas pelo Castelvetro, na Serie D, em 2017. Além disso, Giancarlo trabalhou como assistente técnico de Gianfranco Zola no Watford, em 2012-13, e teve uma experiência de quatro meses na direção esportiva da Reggiana.
Independentemente dos fracassos e das escolhas profissionais polêmicas como treinador, Giancarlo Corradini não apagou o que escreveu como atleta. Seus méritos ficaram marcados para sempre nos corações napolitanos e, um pouco menos, nos grenás.
Giancarlo Corradini
Nascimento: 24 de fevereiro de 1961, em Sassuolo, Itália
Posição: zagueiro e lateral-direito
Clubes como jogador: Sassuolo (1977-78), Genoa (1978-80), Reggiana (1980-82), Torino (1982-88) e Napoli (1988-94)
Títulos como jogador: Serie C1 (1981), Copa Uefa (1989), Serie A (1990) e Supercopa Italiana (1991)
Clubes como treinador: Juventus (2007), Venezia (2007), Cuneo (2008-09) e Castelvetro (2017)