Jogadores

Superlativo, Gianluigi Buffon foi um dos maiores jogadores da história do futebol

Como o Super-Homem, Gianluigi Buffon nos fez crer que jamais seria vencido – pelo tempo, ao menos. Gigi, de fato, não perdeu para o passar das estações: envelhecendo lentamente, fez um acordo com Cronos e Kairós e preferiu encerrar a sua carreira após incríveis 28 temporadas, ainda que pudesse render em bom nível além de seus 45 anos. Lenda do futebol, optou por deixar na memória dos amantes da modalidade, principalmente aqueles que torcem para Parma, Juventus e Itália, apenas lembranças que marcam a trajetória de um digno integrante do panteão do esporte.

Desde que surgiu, em 1995, com a camisa do Parma, Buffon recebeu o apelido de Superman. E não era exagero compará-lo ao homem de aço, considerando os seus voos e o domínio absoluto de todos os fundamentos que constroem um grande goleiro.

Sua kryptonita? Maldosos diriam que foi a Champions League. Na prática, por muito tempo, Gigi não foi considerado um especialista em defender pênaltis. No entanto, terminou a carreira como o terceiro melhor no quesito em toda a história da Serie A. As dores escapulares e lombares também lhe incomodaram por um período considerável, mas não lhe impediram de jogar em alto nível até os 45 anos. Algo que só um dos melhores do esporte poderiam conseguir. A propósito, Buffon é considerado incomparável para muitos amantes e especialistas do futebol. O melhor, sem sombra de dúvidas.

Existem postulantes à primazia que atuaram no passado, como Lev Yashin, Gordon Banks, Dino Zoff, Ricardo Zamora e Frantisek Plánicka. Ou ainda em épocas recentes, como Manuel Neuer, Iker Casillas, Edwin van der Sar ou Oliver Kahn. Porém, nenhum sustentou durante tanto tempo a regularidade de Buffon. Sempre em altíssimo nível, foi desejado pelos maiores times do planeta mesmo aos 40 anos de idade: em 2018, Real Madrid e Manchester United mostraram interesse em contar com o goleiro italiano, que deixou a Juventus em fim de contrato e acabou acertando com o Paris Saint-Germain.

Desde quando surgiu no Parma, em 1995, Gigi encabeçou listas e mais listas de melhor goleiro da temporada. Nas eleições da IFFHS, a Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, ele foi o melhor do mundo em cinco oportunidades (2003, 2004, 2006, 2007 e 2017) e frequentou todas as listas de melhores da entidade entre 1999 e 2018 – por longos 19 anos, que o fazem recordista absoluto de presenças. Só em 2000 e em 2010 Buffon não apareceu entre os cinco melhores do planeta. Isso, sim, é incomparável.

Buffon surgiu como revelação em 1995, quando brilhou pelo Parma em sua estreia contra o Milan (LaPresse)

Ascensão meteórica

Buffon é natural de Carrara, na Toscana, mas tem origem friulana e, na infância, torceu para o Genoa, da Ligúria – posteriormente, passou a apoiar a Carrarese. O craque nascido em 1978 pegou o gosto pelo esporte logo cedo, ao ver parentes próximos sempre competindo em alto nível. Seus pais, Maria Stella e Adriano, eram campeões nacionais e integrantes da seleção italiana de arremesso de peso e lançamento de disco; suas irmãs, Guendalina e Veronica, jogaram handebol profissionalmente; o tio Dante Masocco foi um atleta de basquete de sucesso e Lorenzo Buffon, primo de seu pai, foi goleiro da Nazionale, além de acumular passagens vitoriosas por Milan, Inter, Fiorentina e Genoa.

Assim, não foi surpresa (e nem empecilho) para a família quando a habilidade do pequeno Buffon chamou a atenção do Parma e fez o clube desembolsar 15 milhões de liras, ato que não era muito comum na época, para garantir que ele passasse seus anos no futebol de base na Emília-Romanha, cerca de 200 quilômetros distante de Carrara. Detalhe: Gigi foi contratado como meio-campista.

A boa noção tática, a firmeza na marcação e o bom passe que surgiram nas escolinhas de Canaletto, Perticata e Bonascola, porém, não foram suficientes para segurá-lo no meio de campo e não demorou para que percebessem seu potencial debaixo das traves. Aos 14, ele virou oficialmente goleiro do plantel júnior do Parma, inspirado pelo camaronês Thomas N’Kono, e dali só saiu nove anos depois, vendido para a Juventus por 52 milhões de euros, na maior quantia já paga por um arqueiro até 2018, quando as contratações de Alisson e Kepa Arrizabalaga, por parte de Liverpool e Chelsea, respectivamente, ultrapassaram a soma.

Sua estreia no time principal dos crociati foi em novembro de 1995, aos 17 anos, quando o titular Luca Bucci se machucou. Contra o Milan, Buffon saiu como um dos melhores em campo ao segurar o 0 a 0 diante do ataque que tinha Roberto Baggio e George Weah. Após o sexto lugar do Parma na Serie A e o fim de ciclo de Nevio Scala no clube, Carlo Ancelotti promoveria Gigi ao posto de dono absoluto da baliza na temporada seguinte, depois da sétima rodada do Campeonato Italiano. Com o prodígio no gol, os ducali ficariam com o vice e garantiriam a classificação para a Champions League pela primeira vez na história.

Àquela altura, Buffon já mostrava a explosiva evolução possibilitada por seu talento e pelo trabalho dos preparadores de goleiro Ermes Fulgoni e Villiam Vecchi, considerados pelo arqueiro como seus mestres. Gigi já havia passado por todas as seleções de base da Itália e vencido, em 1996, o Europeu Sub-21 – curiosamente, como reserva de Angelo Pagotto. Meses depois, disputou a Olimpíada como sombra ao veterano Gianluca Pagliuca e, no ano posterior, faturou os Jogos do Mediterrâneo como titular. O salto definitivo entre os grandes ocorreria em 1997-98.

Gigi evoluiu rapidamente no Parma e foi protagonista em trajetórias vitoriosas dos gialloblù (Liverani)

Naquela temporada, Buffon foi convocado por Cesare Maldini, que o conhecia da seleção sub-21, para a equipe principal da Nazionale. A estreia ocorreu em outubro de 1997, quando Pagliuca se machucou no primeiro tempo de um jogo contra a Rússia, em Moscou – o duelo, válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1998, terminou empatado em 1 a 1.

Meses depois, Gigi ganhou o apelido de Superman, após defender um pênalti do então Bola de Ouro Ronaldo, da Inter, e, na comemoração, exibir uma camisa do herói da DC Comics, que vestia por baixo do uniforme. O Parma venceu o confronto, importante para lhe assegurar o seto lugar na Serie A e uma vaga na Copa Uefa, e atrapalhou os planos de título dos nerazzurri, na corrida contra a Juventus. Algo que, para o arqueiro, se tornaria comum posteriormente.

Suas defesas heroicas e plásticas o levaram à Copa do Mundo de 1998, como terceiro goleiro. E mais: mantiveram o Parma no raro posto de protagonista tanto no futebol italiano quanto no europeu. Vivendo um dos melhores momentos de sua história, o clube crociato obteve uma dobradinha em 1998-99: sob as ordens de Alberto Malesani, faturou o título da Copa Uefa (atual Liga Europa) e o da Coppa Italia, batendo Marseille e Fiorentina nas decisões. Àquela altura, Buffon já era considerado um dos melhores do mundo em sua posição e já havia assumido a titularidade na Nazionale, então treinada por um personagem que entedia alguma coisa do ofício de arqueiro: Zoff, tricampeão mundial com a Squadra Azzurra em 1982.

O fim da passagem pelo Parma e as polêmicas

Em 1999, apesar do título da Supercopa Italiana, a situação financeira do Parma começou a piorar – posteriormente, se saberia que o presidente Calisto Tanzi, dono da Parmalat, efetuou várias manobras fraudulentas, que contribuiriam para a falência do clube crociato. Na temporada seguinte, 2000-01, os ducali até ficaram com o vice da Coppa Italia e voltaram a se classificar para a Champions League, devido ao quarto lugar na Serie A, mas o fim das glórias estava próximo.

Para Buffon, também foram tempos difíceis. Sob o aspecto esportivo, o goleiro perdeu a Euro 2000, primeira campanha em que seria titular pela Itália, por conta de uma lesão na mão, sofrida num amistoso preparatório contra a Noruega. Mas os principais problemas para Gigi se relacionaram ao extracampo – em especial, a questões de cunho político.

O jovem Buffon driblou as polêmicas do fim de sua passagem pelo Parma e foi cobiçado por gigantes (Allsport)

Em 2000, o jogador tentou se inscrever no curso de direito da Universidade de Parma apresentando um diploma falso de nível secundário, o que lhe levou a correr risco de prisão – um acordo com a procuradoria, que resultou no pagamento de uma multa de 6 milhões de liras o safou da cadeia. Essa, contudo, não foi a única das polêmicas que Buffon protagonizou no período.

Um ano antes, após derrota caseira para a Lazio, o goleiro utilizou uma camisa com a frase “Boia chi molla” – “desertores são traidores”, em tradução livre –, muito associada ao regime fascista e a grupos extremistas de direita. Em 2000, modificou o seu número no Parma para 88, número que, em jargão neonazista, é alusivo à saudação “Heil Hitler”.

Na primeira situação, Buffon pediu desculpas, se declarou ignorante político e foi multado em 5 milhões de liras. Na segunda, afirmou que queria exprimir a volta por cima após a lesão que o tirou da Euro, e que o algarismo 8 representaria duas bolas – dessa forma, o arqueiro, em sentido figurado, teria quatro testículos. No fim das contas, se retratou novamente e escolheu a camisa 77. Em 2006, essas polêmicas voltariam à tona quando, nos festejos pelo tetracampeonato mundial da Itália, no Circo Massimo, em Roma, o goleiro recebeu uma faixa de populares com os dizeres “orgulhosos de sermos italianos”. No tecido, contudo, havia o desenho de uma cruz celta, símbolo utilizado por ultranacionalistas.

As polêmicas políticas não tiveram grande aderência porque Buffon não as corroborou com comportamentos ou falas preconceituosas ao longo dos muitos anos de carreira. Nesse período, Gigi se exibiu como Superman e deixou o futebol se expressar por ele. Em meio aos problemas financeiros do Parma e sob cobiça dos maiores clubes da Europa, a sua primeira passagem pela Emília-Romanha acabaria em 3 de julho de 2001.

Por muito tempo, Buffon foi o goleiro mais caro do mundo e a mais valiosa aquisição da Juventus (Allsport)

Os primeiros anos de Juventus

Naquele dia de verão na Europa, a Juventus fez a contratação mais cara de sua história até então: 105 bilhões de velhas liras, equivalentes a 53 milhões de euros, entre os quais se juntava o passe do meia Jonathan Bachini. O recorde permaneceu até 2016, quando a agremiação bianconera pagou 90 milhões de euros por Gonzalo Higuaín; e foi superado novamente em 2018, com os 100 mi desembolsados por Cristiano Ronaldo.

Gigi chegava para o lugar de Van der Sar, que não se firmara em Turim e encaminhava sua saída para o Fulham. E, principalmente, aportava na capital do Piemonte com a verba obtida pelas vendas de Zinédine Zidane ao Real Madrid e de Filippo Inzaghi ao Milan. Para remodelar a equipe, a diretoria da Velha Senhora foi buscar Buffon e Lilian Thuram no Parma, além de Pavel Nedved e Marcelo Salas na Lazio.

A identificação do goleiro com a torcida bianconera foi imediata e não era pra menos: Buffon acumulava grandes partidas e, em adição aos atributos técnicos, mostrava carisma e liderança atípicos para um jogador tão jovem. Logo nas duas primeiras temporadas na Juve, sob o comando de Marcello Lippi, levantou duas Serie A – uma delas na última rodada, em ultrapassagem clamorosa sobre a Inter – e duas Supercopas Italianas, além de um vice-campeonato da Liga dos Campeões.

Nessa campanha europeia, aliás, Gigi foi eleito o melhor jogador da competição, mesmo com a derrota para o Milan na final, e se tornou o primeiro goleiro da história a receber esse reconhecimento, que historicamente é dado a atletas de linha – principalmente de ataque. As defesas em pênaltis cobrados por Luís Figo, na semifinal contra o Real Madrid, e Clarence Seedorf e Kakha Kaladze, na final contra o Milan, estão entre as mais lembradas pelos torcedores e pelo próprio arqueiro, juntamente a uma com a bola rolando, ante Pippo Inzaghi, no duelo com os rossoneri. É o que ele conta em sua autobiografia, Numero 1, lançada em 2008.

Durante estes anos, Buffon finalmente pode atuar pela Itália num grande torneio: em 2002, Super Gigi foi convocado por Giovanni Trapattoni para representar a Squadra Azzurra na Copa do Mundo. Entretanto, o sonho do tetracampeonato seria adiado e a injusta eliminação nas oitavas de final para a Coreia do Sul, uma das anfitriãs do certame, se tornaria um dos capítulos mais dolorosos da carreira do craque. O bianconero fez de tudo para evitar a queda, defendendo até pênalti cobrado por Ahn Jung-hwan, no início da partida, mas a controversa arbitragem do equatoriano Byron Moreno condicionaria a disputa.

Apesar dos títulos, Buffon também viveu momentos difíceis em seus primeiros anos de Juventus (Getty)

O ocaso bianconero e o auge na Nazionale

Em 2003-04, a Juventus foi terceira colocada na Serie A, vice da copa nacional e eliminada precocemente na Champions League – em seguida, a Itália caiu na fase de grupos da Eurocopa de 2004. A combinação de fatores fechou o segundo ciclo de Lippi em Turim e o levou à Nazionale. Para Buffon, o ano foi ruim: até episódios depressivos o goleiro chegou a desenvolver.

Nos anos seguintes, sob o comando de Fabio Capello, Gigi ganharia mais duas edições da Serie A, em 2005 e 2006, porém sofreria uma lesão no ombro, em trombada com Kaká, num amistoso com o Milan, que o tiraria de metade da temporada 2005-06. Na mesma época, viveria o momento mais delicado de sua carreira com a deflagração do escândalo Calciopoli, que revogou os títulos da Velha Senhora e a rebaixou para a segunda divisão italiana, por conta de manipulação de resultados. Durante as investigações, Buffon chegou a ser citado em escutas sobre apostas ilegais, mas nenhuma prova foi encontrada e ele foi absolvido.

O escândalo agitou o mercado europeu e alguns dos melhores jogadores da Juve deixaram o time para não disputarem a Serie B – por outro lado, a agremiação também se via obrigada a reduzir a folha salarial para amenizar os prejuízos de ter que disputar a segunda divisão. Fabio Cannavaro foi um deles. Capitão do seleção campeã mundial na Alemanha, em 2006, o zagueiro foi eleito o melhor do mundo ao fim daquele ano, mas nunca foi muito popular entre os torcedores da Juventus porque escolheu ir para o Real Madrid em um dos momentos mais delicados da história da Velha Senhora. Buffon não. O goleiro decidiu ficar, aumentou seu status de ídolo e adicionou ao currículo o título da segundona de 2007.

Isso tudo ocorreu logo após o ápice da carreira de Super Gigi. Mostrando que talvez tivesse mesmo quatro bolas, o arqueiro decidiu ficar em Turim ainda que o interesse de outros gigantes europeus fosse real. E, principalmente, depois de entrar para a história da seleção italiana, graças à conquista do tetracampeonato da Copa do Mundo na condição de protagonista.

Gigi chegou a manter uma sequência de 458 minutos sem ser vazado. No total, levou apenas dois gols em todo o torneio – um contra, de Cristian Zaccardo, contra os Estados Unidos, na fase de grupos – e outro de pênalti, cobrado por Zidane na final. Na decisão, aliás, o Superman fez uma das defesas mais icônicas de toda a sua carreira, ao parar uma cabeçada letal de Zizou no primeiro tempo da prorrogação. Após levantar o título, Buffon foi eleito o melhor goleiro do torneio e ficou em segundo lugar na lista da Bola de Ouro, entregue pela revista France Football.

No ápice, um já maduro Buffon foi um dos protagonistas da Itália na campanha do tetracampeonato mundial (AFP/Getty)

O protagonismo na reconstrução da Juventus

Aos 28 anos e repleto de glórias, Buffon se tornou um dos grandes líderes do elenco da Juventus, ao lado do capitão e também tetracampeão Alessandro Del Piero. E fez questão de demonstrar isso no início da temporada 2006-07, na terceira fase preliminar da Coppa Italia, ao se candidatar para cobrar o primeiro pênalti na disputa com o rival Napoli, em pleno San Paolo. Gigi cobrou para fora, mas neutralizou dois adversários na sequência. A Velha Senhora, entretanto, não seguiu adiante na competição.

O melhor goleiro do planeta enfrentou a Serie B de cabeça erguida e, depois, alguns anos de seca pela agremiação bianconera. Isso porque, apesar de todo o poderio financeiro, a Juve demorou a se reencontrar na elite nacional. A arquirrival Inter dominava a Bota e conseguia importantes resultados também no âmbito europeu, enquanto a equipe de Turim revezava campanhas irregulares com alguns momentos de menos brilho. Durante este período, o próprio Gigi conviveu com alguns problemas físicos e teve um curto momento de baixa – o pior de sua carreira.

Após até ensaiar rápida recuperação, com o segundo e o terceiro posto da Serie A, a Velha Senhora chegou a ficar duas temporadas seguidas sem disputar a Liga dos Campeões, em 2010-11 e 2011-12, devido a dois sétimos lugares, fruto de campanhas horrendas. Na primeira dessas péssimas trajetórias, o afastamento de Buffon por uma hérnia de disco, foi preponderante. Pela seleção, treinada por Roberto Donadoni e Lippi, os resultados também não eram bons – e, na Copa de 2010, as lesões também limitaram a utilização do craque à estreia, em empate por 1 a 1 com o Paraguai.

A retomada de Buffon se deu a partir de 2011 – e, não coincidentemente, os rendimentos da Juventus e da seleção também cresceram. Fora da Champions League 2011-12, o então técnico Antonio Conte focou no Campeonato Italiano e conseguiu vencê-lo pela primeira vez depois do Calciopoli, apostando em Gigi como um de seus líderes dentro de campo. Na época, o goleiro foi o capitão de facto da Velha Senhora, já que Del Piero só foi titular em nove partidas, somando Serie A e Coppa Italia.

Competitivo como o treinador, Buffon contaminou seus companheiros e fez daquela Juve uma equipe muito aguerrida e obediente taticamente. Ele considera aquele o título mais importante de sua carreira, após a Copa de 2006.

Buffon e Casillas protagonizaram disputa pelo posto de melhor goleiro do mundo (AFP/Getty)

Ali começou uma era vencedora da Juve, que o futebol italiano jamais havia visto. A Velha Senhora engatou nove scudetti seguidos – sendo oito com a presença de Buffon no elenco –, cinco Supercopas Italianas – quatro com Gigi – e cinco troféus da Coppa Italia, que não ganhava desde 1995. Além disso, a gigante de Turim atingiu a final da Liga dos Campeões duas vezes. Nesse tempo, o arqueiro acumulou diversos recordes e gravou de vez seu nome na história do futebol mundial.

Buffon simplesmente assumiu o posto de Del Piero como grande face da Juventus para o público comum. Ícone máximo de uma equipe vitoriosa sob a batuta de Conte ou de Massimiliano Allegri – posterior e brevemente, também com Maurizio Sarri –, mostrou físico de aço. Quase não se lesionou e liderou uma defesa fortíssima, que ainda teve, em seu auge, o trio BBC, formado por Andrea Barzagli, Leonardo Bonucci e Giorgio Chiellini, como muro à frente do muro.

Durante esses anos, Buffon colecionou algumas decepções pela Itália, que viveu altos e baixos sob sua capitania – assumida a partir da aposentadoria de Cannavaro, em 2010. Em 2012, a equipe de Cesare Prandelli foi vice-campeã europeia. Na sequência, em viagens ao Brasil, foi terceira colocada da Copa das Confederações e, na Copa do Mundo de 2014, caiu na fase de grupos. Já sob as ordens de Conte, uma seleção em reformulação ensaiou uma recuperação com resultados acima do esperado: uma queda sofrida nas quartas da Euro 2016.

Entretanto, Conte decidiu não seguir na seleção e a chegada de Gian Piero Ventura ao comando dos azzurri deu ares melancólicos ao fim da trajetória da lenda na Nazionale. Os italianos foram eliminados pela Suécia na repescagem para a Copa de 2018 e, sem a vaga no Mundial, Buffon não pode chegar à sexta disputa do torneio. Sua despedida se deu em março de 2018, numa derrota por 2 a 0 para a Argentina em Manchester, num amistoso em que a Itália foi dirigida pelo interino Luigi Di Biagio. E sequer houve homenagens, já que Gigi só anunciou o basta em maio do mesmo ano.

Buffon foi fundamental para a Juventus dar a volta por cima após o Calciopoli e emendar nove scudetti seguidos; oito com sua presença (Getty)

Os últimos anos

Para a tristeza da torcida da Juventus, que já tinha visto Del Piero, seu maior ídolo, se aposentar longe de Turim, Buffon, 40 anos, também escolheu encerrar a carreira longe de casa. Ao menos foi isso que se imaginava quando, após fazer a sua última partida com a camisa da Velha Senhora, em 19 de maio de 2018, Gigi anunciou que não renovaria o contrato e passaria o bastão a Wojciech Szczesny, adquirido junto à Roma em 2017.

Buffon analisou propostas por um mês e meio, até que, em julho de 2018, optou por jogar na França. O goleiro já estava decidido a atuar pelo Paris Saint-Germain, mas somente no dia 6 daquele mês foi anunciado que ele tentaria um último voo em busca do único título que não conquistou na carreira: a Liga dos Campeões.

O goleiro avaliava que o atual time da Juve já tinha ido até onde dava no maior torneio continental – com dois vice-campeonatos em três anos – e de que a taça da Champions League no currículo convenceria até os mais céticos do que é certo para muita gente: de que Buffon é o melhor arqueiro de todos os tempos. Entretanto, nada correu como o esperado. Em Turim, Andrea Agnelli sonhou alto e buscou Cristiano Ronaldo, no intuito de faturar a tão sonhada orelhuda; em Paris, a desorganização interna do PSG minou qualquer possibilidade de luta pelo troféu continental.

Gigi não foi titular absoluto do time de Thomas Tuchel: alternou com o jovem Alphonse Areola nas competições locais. E, em casa, a equipe estelar, que ainda contava com Marquinhos, Thiago Silva, Daniel Alves, Marco Verratti, Edinson Cavani, Neymar, Ángel Di María e o recém-campeão mundial Kylian Mbappé, faturou a Supercopa da França e a Ligue 1.

Buffon, entretanto, foi o dono absoluto da meta na Champions League, desejo maior dos parisienses. O que fez com que a queda precoce, nas oitavas de final, fosse ainda mais dolorida do que o roteiro escrito apresentou. O PSG cometeu erros defensivos, incluindo uma raríssima falha de Gigi, que bateu roupa num chute de longa distância, e, em pleno Parc des Princes, o Manchester United virou a eliminatória: perdera por 2 a 0 em Old Trafford, mas aplicou 3 a 1 na França e ficou com a vaga pelo gol qualificado. Romelu Lukaku anotou uma doppietta e Marcus Rashford, com pênalti convertido nos acréscimos, foram os carrascos.

A passagem do italiano pelo Paris Saint-Germain, já aos 40 anos, não saiu como o esperado (AFP/Getty)

Ao fim da temporada, Buffon surpreendeu: sem contrato, assinou com a Juventus e voltou para Turim para ser reserva de Szczesny, que herdara a titularidade e a camisa 1. Gigi, então, escolheu vestir a mesma 77 que acalmara a polêmica do derradeiro ano de sua primeira passagem por Parma.

Super Gigi defendeu a Juventus por mais dois anos, nos quais faturou mais três taças (uma Serie A, uma Coppa Italia e uma Supercopa Italiana) e colecionou mais decepções, juntamente com toda a agremiação bianconera, em nível continental. Nem mesmo a ousada contratação de Cristiano Ronaldo, o senhor Champions League, possibilitou que Buffon chegasse perto da orelhuda novamente. Ainda assim, o arqueiro somou 29 aparições e quebrou novos recordes – os quais descrevemos mais abaixo.

Celebrado da forma merecida em Turim, Buffon encerrou a sua trajetória pela Juventus com 685 aparições (outro recorde) e decidiu ajudar o Parma, recém-rebaixado para a Serie B. Gigi assumiu a faixa de capitão gialloblù, mas não conseguiu fazer muita coisa diante da desorganização do time em 2021-22 – os crociati ficaram na modesta 12ª posição.

Em 2023-23, a equipe emiliana fez uma boa campanha na Coppa Italia e permitiu que o arqueiro voltasse a brilhar no mais alto nível, com uma bela exibição na derrota na prorrogação para a Inter, em San Siro, pelas oitavas de final. Os ducali também brigaram pela promoção, mas perderam para o Cagliari nas semifinais dos playoffs de acesso. O jogo de ida, uma derrota por 3 a 2 no Unipol Domus, foi a última de Buffon em sua carreira, cujo fim seria anunciado em 2 de agosto de 2023. Pelo Parma, Gigi somou 265 aparições.

O goleiro levantou 23 taças pela Juventus e se despediu da agremiação com mais uma conquista para o currículo (AFP/Getty)

Recordes, recordes e mais recordes

Buffon é um dos jogadores mais vitoriosos da história do futebol e também um daqueles que conseguiram dezenas de recordes e marcas expressivas. No total, Gigi faturou 30 troféus – e poderiam ter sido 32, caso os scudetti que a Juventus conquistou em 2004 e 2005 não tivessem sido revogados por conta do envolvimento de diretores no Calciopoli.

Ninguém supera Buffon em número de partidas pela Serie A. Um dos jogadores mais expressivos de toda a história da competição, fez valer a sua longevidade para ultrapassar Paolo Maldini e estabelecer um novo recorde: 657 aparições contra 647 do ícone milanista. Na sequência, aparecem outras lendas, como Francesco Totti (619) e Javier Zanetti (615).

Gigi também é o recordista em número de scudetti conquistados, com 10, mas suas glórias se estendem a outras competições. Ninguém venceu mais Supercopas Italianas (7) e edições da Coppa Italia (6, tal qual Roberto Mancini) do que ele. Já na Champions League, conseguiu um feito curioso: disputou partidas do torneio em quatro décadas diferentes.

Em sua estante de troféus, Buffon guarda 16 prêmios Oscar del Calcio, sendo oito de melhor goleiro e um de melhor jogador da Serie A – foi o primeiro arqueiro a obter tal feito. Na competição, o craque ainda é dono de outras marcas expressivas: é o dono da maior sequência de jogos sem ser vazado (10, em 2015-16) e da maior minutagem sem bolas nas redes (974, na mesma temporada), além de ter sido o mais velho a defender um pênalti; o fez aos 43 anos e 104 dias, negando a alegria a Domenico Berardi, do Sassuolo. No quesito penalidades, a propósito, é o terceiro da lista, com 22 defesas, perdendo apenas para Samir Handanovic (32) e Gianluca Pagliuca (31).

Considerando apenas jogos por clubes, o arqueiro toscano é o jogador de seu país com mais presenças: 975. A maior parte delas foi pela Juventus, equipe pela qual somou a impressionante marca de 685 partidas disputadas. Assim, fica atrás apenas de Del Piero (705) como o atleta que mais vestiu a camisa bianconera. Gigi, entretanto, supera Ale em número de minutos totais pela Velha Senhora, em aparições no Campeonato Italiano (489 a 478) e na soma entre as séries A e B (526 a 513). Também é o mais vitorioso da agremiação, com 23 troféus no currículo.

Gigi voltou ao Parma, clube que o revelou, para encerrar a carreira (Getty)

Obviamente, o tetracampeão mundial também amealharia recordes pela seleção italiana, na qual foi o camisa 1 de forma ininterrupta entre 2000 e 2017. Gigi acumulou 176 jogos pela Squadra Azzurra, sendo o atleta que mais vezes vestiu a sua malha na história, com 40 presenças a mais do que Cannavaro, o segundo da lista. Buffon também capitaneou a Nazionale em 80 ocasiões.

Gigi é um dos recordistas em número de participações na Copa do Mundo, mas poderia ter sentado sozinho no trono caso a Itália tivesse disputado a edição de 2018, realizada na Rússia – seria o sexto Mundial de sua carreira. Com cinco disputas, o goleiro divide a honraria com o alemão Lothar Matthäus, o argentino Lionel Messi, o português Cristiano Ronaldo e os mexicanos Antonio Carbajal, Rafa Márquez, Andrés Guardado e Guillermo Ochoa. Com suas aparições pela Nazionale, Buffon também conseguiu se colocar entre os 10 jogadores que mais representaram uma seleção. Entre os europeus, é o terceiro, atrás de Ronaldo (200) e do espanhol Sergio Ramos (180).

Por essas e por outras, a frase “se Buffon não tem Liga dos Campeões, azar o dela” e suas variáveis foram repetidas dezenas de vezes nos últimos anos. Gigi parece nunca ter se convencido disso, já que foi um dos atletas mais competitivos – apesar de com a devida esportividade – que já pisaram num gramado destinado à prática futebolística. O Superman encerrou a carreira sem esta taça. Para os maldosos, a sua kryptonita; para os entusiastas, o detalhe que faz o homem de aço poder levar uma vida humana, como Clark Kent.

Gianluigi Buffon
Nascimento: 28 de janeiro de 1978, em Carrara, Itália
Posição: goleiro
Clubes: Parma (1995-2001 e 2021-23), Juventus (2001-18 e 2019-21) e Paris Saint-Germain (2018-19)
Títulos: Europeu Sub-21 (1996), Jogos do Mediterrâneo (1997), Copa Uefa (1999), Coppa Italia (1999, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2021), Supercopa Italiana (1999, 2002, 2003, 2012, 2013, 2015 e 2020), Serie A (2002, 2003, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020), Copa do Mundo (2006), Serie B (2007), Supercopa da França (2018) e Ligue 1 (2019)
Seleção italiana: 176 jogos e 146 gols sofridos

Compartilhe!

Deixe um comentário