Brasileiros no calcio

Na Itália, Leandro Castán viveu seus melhores momentos, mas também os mais assustadores

O futebol italiano é historicamente reconhecido pela disciplina tática, especialmente no sistema defensivo. Quem chega de fora precisa encarar as desconfianças dos locais e se provar capacitado para compor a primeira linha. Leandro Castán, recém-campeão da Copa Libertadores quando desembarcou em Roma, foi além para se firmar por seis anos na elite da Velha Bota.

Europa, porém, não se tratava de novidade para o ex-zagueiro. Em 2007, ele teve uma breve experiência no Helsingborgs, da Suécia, após três anos no Atlético Mineiro – onde começou a carreira e se tornou campeão da Série B, em 2006. Nascido no interior de São Paulo, em Jaú, Castán voltou ao estado para defender o Grêmio Barueri, em 2008, e logo pediu passagem, apesar do rebaixamento à segundona. Em 2010, foi contratado pelo Corinthians e atravessou a temporada de estreia como opção de banco.

A aposentadoria de William “Capita” abriu espaço na zaga corintiana, e Castán foi escolhido como seu sucessor para a temporada seguinte. Ele correspondeu de forma imediata e participou diretamente da campanha do título brasileiro, estando presente em 35 jogos e sendo eleito o melhor defensor do campeonato. Em 2012, foi crucial para a consistência do time de Tite, que prosperou na conquista da Libertadores, com apenas quatro gols sofridos.

As atuações acima da média reabriram as portas do futebol europeu para o atleta, agora na prateleira mais alta, na Itália. A Roma desembolsou 5 milhões de euros para adquirir o beque canhoto numa janela de mercado agitada em Trigoria: Leandro foi uma das muitas contratações feitas pelos giallorossi, que pescaram bastante no Brasil para reforçarem o elenco comandado por Zdenek Zeman. Naquele mesmo verão, foram adquiridos o zagueiro Marquinhos (ainda jovem) e o lateral-esquerdo Dodô, do Corinthians, o lateral-direito Iván Piris, do São Paulo, e os meias Marquinho, do Fluminense, e Jonatan Lucca, do Internacional.

Castán chegou à Roma para substituir o veterano Gabriel Heinze, e também para dar solidez a uma defesa que ainda perdera Juan e Simon Kjaer. Na reformulação da Loba, Leandro fez dupla de ex-corintianos com Marquinhos, com quem jogou lado a lado em 23 partidas – inclusive na fatídica final da Coppa Italia em que a Lazio ergueu a taça. Ainda que tenham ficado muito expostos no esquema superofensivo de Zeman, os brasileiros se destacaram bastante individualmente e até cresceram após a demissão do checo e a efetivação de Aurelio Andreazzoli no comando. Além do vice no mata-mata nacional, o treinador deixou a equipe capitolina na sexta posição da Serie A.

Vivendo seu auge, Leandro Castán liderou uma das defesas mais fortes da Itália em seus tempos de Roma (Getty)

No verão de 2013, Marquinhos foi vendido ao Paris Saint-Germain e Castán continuou na Itália para ter figura central em mais um projeto técnico giallorosso. Dessa vez, a gestão norte-americana da Roma apostou no francês Rudi Garcia e foi mais comedida no mercado. Uma das poucas contratações foi a do zagueiro Medhi Benatia, com quem o brasileiro faria uma dupla poderosa.

A Roma começou a Serie A de forma avassaladora: foram 10 vitórias seguidas e apenas um gol sofrido. A invencibilidade giallorossa durou por 17 rodadas, até que, na 18ª jornada, a Juventus apresentou a dura realidade aos capitolinos. O triunfo incontestável, por 3 a 0, ainda teve um fato insólito: logo após a cobrança de uma falta que levou à expulsão de Daniele De Rossi, Castán colocou a mão na bola, em cima da linha, para evitar o tento juventino e também recebeu o cartão vermelho direto. Não adiantou, pois Mirko Vucinic converteu o pênalti.

Durante 2013-14, a Roma bem que tentou, mas não conseguiu ter o fôlego da Juventus, que foi recordista de pontos naquele certame – fez 102, ofuscando o grande desempenho dos giallorossi, que somaram 85 e ficaram com o vice-campeonato. Liderada por Castán e Benatia, a zaga romanista foi a segunda menos vazada da Serie A, com 25 gols sofridos. Com moral na capital italiana, teve o contrato renovado por mais quatro anos. Frequentemente convocado por Luiz Felipe Scolari para a seleção brasileira, Leandro também chegou a sonhar com o chamado para defender a amarelinha na Copa do Mundo de 2014, mas não integrou a lista final.

A ascensão de Castán parecia imbatível e nada sugeria que estava perto do fim. Afinal, tinha quase 28 anos, não sofrera nenhuma lesão séria e perdera pouquíssimos jogos desde sua chegada à Itália. Era ponto pacífico, ao menos até sua vista começar a embaçar. Em setembro de 2014, veio o diagnóstico: cavernoma. Uma malformação vascular do sistema nervoso central, de três centímetros, havia se desenvolvido no cérebro do ex-corintiano.

Ele recebeu duas alternativas: se aposentar aos 28 anos ou correr risco mínimo de morte e paralisia com uma cirurgia na cabeça. Em relato ao Yahoo Esportes, em 2015, Castán revelou que optou pela primeira opção, mas Walter Sabatini, então cartola giallorosso, lhe negou a rescisão contratual. “Cheguei a decidir que não jogaria mais futebol. Fui ao CT da Roma pedir a rescisão do contrato para voltar ao Brasil e me tratar perto da família. Isso tudo em outubro. Mas o diretor da Roma [Sabatini] disse que não rescindiria o contrato e deu algumas semanas para eu pensar melhor sobre o que gostaria de fazer da vida”, contou. Ele repensou e decidiu se operar.

Apesar das lesões, o brasileiro conseguiu recuperar a sua carreira durante passagem pelo Torino (Getty)

Ao todo, Leandro ficou afastado por 288 dias dos gramados. A operação ocorreu em dezembro daquele mesmo ano, e foi bem-sucedida, mas afetou a área de coordenação do cérebro e o ex-jogador precisou reaprender a andar em sessões de fisioterapia. Castán só voltou a atuar nove meses depois, com a responsabilidade de marcar Neymar, Lionel Messi e Luis Suárez em amistoso de pré-temporada contra o Barcelona. Na época, mostrou gratidão aos giallorossi por bancarem a sua permanência, apesar do alto salário e do elenco reduzido.

“Se fosse em outro time, talvez eu tivesse parado. Eles me bancaram ao vetarem a ideia de rescindir contrato. E eu tinha acabado de renovar, passei a ter um salário maior e custaria mais ao clube. O pior é que tinham vendido o Benatia contando que eu poderia segurar a defesa. Mesmo assim, em nenhum momento eu me senti abandonado e nunca deixaram faltar nada”, declarou.

Antes intocável no time titular, Castán precisava buscar espaço e tinha fortes concorrentes, como Antonio Rüdiger, recém-chegado, e Kostas Manolas, mais estabelecido na equipe após uma temporada inteira no comando da zaga. O brasileiro até começou jogando na estreia da Serie A, mas recebeu apenas outras cinco oportunidades em seguida – de Garcia, inicialmente, e, depois de Luciano Spalletti. Fora dos planos do novo técnico para 2016-17, o paulista aceitou o empréstimo para a Sampdoria. Porém, o negócio foi desfeito pouco depois de um mês, antes mesmo que Leandro pudesse atuar numa partida oficial.

Depois de passar por Roma e Gênova, o itinerário enfim termina em Turim – mais precisamente no lado grená. O Torino já havia prospectado o zagueiro no Grêmio Barueri e voltou a procurá-lo no início da janela, mas a Sampdoria o levou mais rápido. O interesse do Toro continuou mesmo depois de seu acerto com a equipe blucerchiata e Leandro acabou se convencendo de que valeria a pena trocar de destino. A Samp não se opôs.

O técnico Sinisa Mihajlovic acionou o brasileiro com frequência no onze inicial, mas o fantasma das lesões passou a assustar Castán. Entre um cansaço muscular e outro, somados a uma distensão no músculo posterior, Leandro ficou de molho por quase três meses no total. A oscilação física escanteou o defensor no plantel granata e, dessa forma, o veterano Emiliano Moretti recuperou a titularidade. Ainda assim, o paulista pode contribuir, com 14 aparições, para um honroso nono lugar do Torino na Serie A.

Em apenas alguns meses no Cagliari, Castán conquistou seu espaço e ajudou o time sardo a escapar do rebaixamento (Getty)

Ciente da recorrência de suas lesões, Leandro Castán decidiu recomeçar na capital italiana e até traçou um planejamento a médio prazo, com uma renovação até 2020 e redução salarial. Entretanto, em seis meses, apenas esquentou o banco de reservas. A necessidade de ritmo de jogo forçou mais uma saída por empréstimo, dessa vez para o Cagliari: na breve passagem pela Sardenha, conseguiu contribuir mais e, como titular absoluto na metade final da Serie A, participou de 14 partidas. Foi importante para a permanência dos isolani na elite.

De volta à Roma, também não se enquadrou na montagem de elenco de Eusebio Di Francesco. Castán encaminhou o regresso ao Brasil e rescindiu o contrato, após 81 aparições e um gol marcado – numa vitória por 4 a 2 sobre a Fiorentina, em seu ano de debute na capital. Na despedida, o zagueiro deixou uma mensagem carinhosa aos giallorossi: “Eu não pude ganhar um troféu com vocês, mas eu espero ter deixado algo mais importante: não desistir”.

Dois dias após o anúncio da rescisão contratual, o defensor desembarcou no Rio de Janeiro para representar o Vasco, onde cumpriu a missão de evitar mais um rebaixamento naquele ano. O espírito de liderança e a sua experiência concederam a braçadeira de capitão cruzmaltina para Castán. Ele levantou o troféu da Taça Guanabara, mas sofreu um revés acachapante na final do Carioca diante do Flamengo. Em 2020, porém, a Série B bateu na porta de São Januário.

Envolvido em rixas com o torcedor cruzmaltino, como na infeliz declaração sobre a homenagem do clube ao Orgulho LGBTQIA+, e atuações irregulares cada vez mais frequentes, Castán se despediu do Vasco longe da Série A e sem a mesma identificação com o time, tal qual a demonstrada na Roma. O zagueiro acertou com o Guarani no início da segundona, mas a estadia em Campinas se resumiu a três meses e oito partidas. Ele pediu desligamento do Bugre e anunciou a aposentadoria em seguida, aos 35 anos. Encerrava, assim, uma carreira de altos e baixos nos gramados, mas vencedora na vida.

Leandro Castán da Silva
Nascimento: 5 de novembro de 1986, em Jaú (SP)
Posição: zagueiro
Clubes: Atlético Mineiro (2005-07), Helsingborgs (2007-08), Grêmio Barueri (2008-10), Corinthians (2010-12), Roma (2012-16 e 2017-18), Sampdoria (2016), Torino (2016-17), Cagliari (2018), Vasco (2018-22) e Guarani (2022)
Títulos: Série B (2006), Campeonato Mineiro (2007), Campeonato Brasileiro (2011), Copa Libertadores (2012), Taça Guanabara (2019) e Taça Rio (2021)
Seleção brasileira: 2 jogos

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