Uma figura inglória faz parte do folclore do futebol: para muitos, o goleiro “chama gol” não é mito, mas uma realidade assustadora. Estendendo esta lógica a outras questões, será que podemos considerar as existências de jogadores e técnicos “chama rebaixamento”? Enquanto os nobres leitores refletem sobre o tema, apresentamos um forte argumento: Fabio Pecchia já fez parte de cinco elencos que caíram para a segundona da Itália e ainda foi técnico de outro time rebaixado. Ninguém afundou mais equipes do que o ex-meia.
Nascido no litoral sul do Lácio, quase na divisa com a Campânia, Pecchia deu seus primeiros passos no futebol na região vizinha, com a camisa do Avellino. Aos 12 anos, o jovem ingressou nas categorias de base da equipe irpina, que vivia o seu período de ouro e dava trabalho na Serie A e, após seis temporadas nos juvenis, começou a fazer a transição para o time profissional em 1991-92, aos 18. No ano de estreia pelos biancoverdi, Pecchia já experimentaria um gosto que se tornaria habitual em sua vida: o Avellino, então na segundona, foi rebaixado para a Serie C1.
Na disputa da terceirona, Pecchia se destacou e acabou sendo comprado pelo Parma, que o repassou de imediato ao Napoli. O meio-campista baixinho, de vocação ofensiva, caiu rapidamente no gosto do técnico Marcello Lippi porque era capaz de verticalizar as jogadas com muita velocidade. Assim, com apenas 20 anos, foi um dos principais nomes da campanha dos azzurri em 1993-94 – com a sexta colocação, os napolitanos se classificaram para a Copa Uefa.
Mesmo após a ida de Lippi para a Juventus, Pecchia continuou ocupando papel de destaque naquele Napoli em crise financeira. Além da boa visão de jogo e da versatilidade, o meia era um dos líderes do elenco e chegou até mesmo a usar a faixa de capitão em várias partidas da temporada 1996-97, devido às ausências de Roberto Bordin. Naquela temporada, o Napoli chegou a ocupar a vice-liderança da Serie A na pausa para as festas de fim de ano, mas teve queda vertiginosa no segundo turno e terminou o campeonato apenas alguns pontos acima da zona do rebaixamento. Os partenopei também ficaram com o vice na Coppa Italia, perdida para o Vicenza.
Antes disso, Pecchia havia participado da vitoriosa campanha da seleção sub-21 da Itália no Europeu da categoria:. Titular na disputa, o meia fez parte de uma geração que tinha nomes como Gianluigi Buffon, Fabio Cannavaro, Christian Panucci e Francesco Totti. Dois meses depois de levantar a taça, o jogador embarcou para os Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, e atuou nas três partidas da pífia campanha dos azzurrini. A seleção treinada por Cesare Maldini foi eliminada na fase de grupos.
Em 1997, Lippi resolveu levar o seu antigo pupilo para Turim e o Napoli não ofereceu resistência, já que precisava de dinheiro. Na Juventus, Pecchia conquistou os seus principais títulos e disputou a única Liga dos Campeões da carreira, mas foi um mero coadjuvante na campanha do scudetto e do vice europeu. Sem espaço entre os titulares, devido às presenças de Edgar Davids e Zinédine Zidane, o meia italiano começou a vagar pelo Belpaese. E começou a sua trajetória de rebaixamentos.
A primeira queda aconteceu na Sampdoria, em 1998-99: a equipe, que teve Luciano Spalletti e David Platt como treinadores, não se acertou e caiu matematicamente na penúltima rodada, retornando à Serie B depois de quase duas décadas ininterruptas na elite. No ano seguinte, com a camisa do Torino, o rebaixamento foi confirmado na mesma altura do campeonato, mas com mais drama: o time de Emiliano Mondonico foi derrotado no confronto direto contra o Lecce e deu adeus à primeira divisão.
Em 2000, Pecchia retornou ao Napoli, que havia sido promovido da Serie B anterior. A situação financeira do clube estava ainda pior do que três anos antes e o elenco não tinha muita qualidade. Além de Fabio, os poucos jogadores que se destacavam no time azzurro eram o atacante Nicola Amoruso, o meia Francesco Moriero, o defensor Facundo Quiroga e os brasileiros Matuzalém (volante) e Edmundo.
Inicialmente sob a batuta de Zdenek Zeman e depois de Mondonico (outra vez), aquele Napoli brigou muito, mas não conseguiu sobreviver. Pecchia fez seis gols, mas a equipe foi rebaixada na última rodada, graças a uma vitória do rival Verona sobre o Parma. À época, o presidente Giorgio Corbelli denunciou que a partida havia sido arranjada porque (secretamente) as duas equipes gialloblù teriam o mesmo proprietário – Calisto Tanzi, então dono da Parmalat. Em 2010, ficou provado que Tanzi realmente controlava o Hellas através de Giambattista Pastorello, seu homem de confiança.
Depois de três rebaixamentos em sequência, finalmente Pecchia teve (ou ofereceu?) uma folga. O meia foi contratado pelo Bologna e fez uma temporada positiva no time de Francesco Guidolin: só não atuou em uma partida da Serie A e marcou cinco importantes gols, que deram a sétima posição aos rossoblù. Os bolonheses se classificaram à Copa Intertoto, mas chegaram a sonhar com uma improvável classificação à Liga dos Campeões – afinal, o Milan, quarto colocado, somou apenas três pontos a mais.
Embora tenha ido bem no Bologna, em 2002 Pecchia acabou se transferindo para o Como, que retornava à elite após uma ausência de 13 anos. Os lariani (que tinham Enrico Preziosi como presidente) apostaram em um elenco repleto de medalhões, como o goleiro Fabrizio Ferron, o zagueiro Pasquale Padalino, o meia Benoît Cauet e os atacantes Daniel Fonseca, Nicola Caccia e Amoruso. O resultado foi um rebaixamento fragoroso com várias rodadas de antecedência. Fabio ainda acabou sendo um dos artilheiros daquela pífia equipe, com seis tentos anotados.
Nos três anos seguintes, Pecchia não caiu nenhuma vez. O meia atuou novamente no Bologna em 2003-04 e reforçou o Siena após a campanha mediana na Emília-Romanha. Pelos bianconeri da Toscana, o rebaixamento ficou bem perto: em sua segunda temporada na elite, o Siena se salvou da queda na rodada final, após vencer a já rebaixada Atalanta. Ao término do campeonato, o meia voltou ao Bologna e, na segundona, teve a sua última passagem pelo clube rossoblù.
Já no final da carreira como jogador, Pecchia contribuiu com seu último rebaixamento. Apenas três meses e seis presenças foram necessárias para escrever seu nome na queda do Ascoli e entrar para a história. O meia é o único jogador a ter sido rebaixado cinco vezes na carreira, feito que obteve com a camisa de cinco equipes diferentes.
Nos últimos anos como profissional, o meio-campista foi campeão da Coppa Italia da terceirona pelo Foggia e quase devolveu os satanelli à Serie B, em 2007. Ainda disputou uma temporada pelo Frosinone e uma outra novamente no Foggia, clube em que pendurou as chuteiras. Imediatamente, Pecchia começou a estudar para ser treinador e virou auxiliar da equipe apuliana. Não só: nos tempos de Apúlia, conseguiu se tornar bacharel em direito, adicionando uma segunda graduação à carreira. Fabio já havia se formado em contabilidade quando defendia o Avellino.
Diplomado também como treinador, o “professor” teve uma breve experiência no Gubbio, na Serie B, e foi o técnico que iniciou a campanha do rebaixamento dos umbros. Em 2012, assumiu o Latina, na terceira divisão, e fez um trabalho razoável com o time da sua província até ser demitido, na reta final da temporada. Pecchia já havia vencido o primeiro jogo da decisão da Coppa Italia da Serie C, mas não pode comemorar nem o título da competição nem o acesso à segundona – sacramentados por Stefano Sanderra.
Em 2013, Pecchia teve a sua terceira passagem por Nápoles: foi o escolhido para ser o auxiliar de Rafael Benítez. Fabio acompanhou o treinador espanhol em seus dois anos de Napoli e agradou tanto a ponto de ser levado por Rafa para trabalhar no exterior, em Real Madrid e Newcastle. Em 2016, porém, o Verona convenceu o ex-meia napolitano a aceitar o cargo de técnico da equipe principal para a disputa da Serie B.
No Hellas, Pecchia nunca foi unanimidade, por seu passado azzurro e pelo futebol praticado por seu time. Mesmo com um elenco de ponta para os níveis da segundona, o treinador deixou escapar o título para a Spal após uma brusca queda de rendimento no returno. Ainda assim, o acesso foi garantido e o ex-meia se segurou no cargo com a expectativa de estrear como técnico na elite. Para azar do Verona, talvez o comandante tenha permanecido por tempo demais: não conseguiu salvar os mastini do imediato retorno à Serie B e adicionou mais uma queda ao currículo.
Depois de alguns meses parado, após a demissão do Verona, o ex-meia foi para o Japão em dezembro de 2018 e fracassou pelo Avispa Fukuoka, da segundona nipônica. A carreira de Pecchia sofreu uma reviravolta quando, no verão europeu de 2019, ele assumiu o comando da equipe sub-23 da Juventus – atual Juventus Next Gen. Na terceirona, teve desempenho mediano, mas abocanhou o título da Coppa Italia da Serie C.
Pecchia optou por deixar os bianconeri ao fim da campanha e só em janeiro de 2021 voltou a trabalhar. O treinador salvou a Cremonese do rebaixamento e, na temporada seguinte, devolveu os grigiorossi à elite após uma ausência de 26 anos – o que lhe rendeu o prêmio Panchina d’Argento, dado ao melhor técnico do certame. Fabio não renovou com os lombardos e seguiu na Serie B, com o Parma. Em 2023, bateu na trave pelo acesso e, na época posterior, fez com que os ducali tornassem à máxima categoria depois de um triênio longe, e com direito ao primeiro troféu da competição. Dessa vez, preferiu permanecer na Emília-Romanha para tentar driblar a sua sina e não amargar mais um descenso.
Fabio Pecchia
Nascimento: 24 de agosto de 1973, em Formia, Itália
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Avellino (1991-93), Napoli (1993-97 e 2000-01), Juventus (1997-98), Sampdoria (1998-99), Torino (1999-2000), Bologna (2001-02, 2003-04 e 2005-06), Como (2002-03), Siena (2004-05), Ascoli (2006-07), Foggia (2007 e 2008-09) e Frosinone (2007-08)
Títulos como jogador: Euro Sub-21 (1996), Supercopa Italiana (1997), Serie A (1998) e Coppa Italia da Serie C (2007)
Carreira como treinador: Gubbio (2011), Latina (2012-13), Verona (2016-18), Avispa Fukuoka (2018-19), Juventus Sub-23 (2019-20), Cremonese (2021-22) e Parma (2022-24)
Títulos como treinador: Coppa Italia da Serie C (2020) e Serie B (2024)
Seleção italiana (olímpica): 3 jogos
Sempre tive a dúvida em quem participou de mais elencos de rebaixamento: Fabio Pecchia ou Nicola Amoruso. Já no fim dos anos 90 e início dos anos 2000, ambos praticamente só eram contratados por clubes menores recém promovidos, que desciam na temporada seguinte. E ambos fizeram uma carreira inteira como eternas promessas, principalmente porque tiveram inícios de carreira promissores em grandes clubes, mas não confirmaram as expectativas.