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Combatente nato, Cristiano Zanetti vestiu camisas pesadas do futebol italiano

Conseguir ser campeão na carreira é feito raro para boa parte dos jogadores. Um marco ainda mais difícil é  se sagrar vitorioso na Itália e, acima de tudo, por diferentes clubes. Poucos podem se gabar disso e Cristiano Zanetti é um deles. O volante italiano levantou taças por Inter, Roma e Fiorentina, além de ter ajudado a Juventus a se reerguer. Em sua trajetória como profissional, sempre cumpriu o seu dever com sacrifício e discrição.

Cristiano nasceu em Carrara, na Toscana, e cresceu na vizinha Massa, localizada às margens do Mar Tirreno. O garoto começou a jogar futebol numa escolinha de sua terra até ser notado pela Fiorentina, aos 11 anos. Naquela época, atuava mais avançado, atrás dos atacantes, mas, como o 4-4-2 em linha era muito utilizado na época, precisou se adaptar a um posicionamento mais defensivo.

A mudança correu tão bem que, em 1995, Zanetti estreou profissionalmente. Já tendo frequentado o banco de reservas violeta desde a temporada anterior, o volante fez a sua primeira partida na equipe principal da Fiorentina na 31ª rodada da Serie A de 1994-95, em derrota por 2 a 1 diante do Foggia. O camisa 14 entrou nos minutos finais no lugar de Stefano Pioli, fazendo sua estreia profissional aos 18 anos.

Na temporada seguinte, Cristiano fez parte do elenco campeão da Fiorentina na Coppa Italia – e também faturou a copa da categoria sub-19, a Primavera. Ele entrou nos últimos minutos da vitória da Viola por 2 a 1 sobre o Palermo, pelas quartas de final daquela edição, cujo título ficou com o time de Claudio Ranieri. Pela pouca idade e, principalmente, pela concorrência na posição (que contava com os consolidados Giovanni Piacentini, Sandro Cois e Stefan Schwarz), Zanetti jogava pouco.

Com dinâmica e bom poder de criação, Zanetti foi titular e campeão italiano pela Roma (imago/Baering)

Sem muitas oportunidades na Viola, o volante foi emprestado para ganhar experiência em outros clubes. Primeiro passou pelo Venezia: com a camisa arancioneroverde, na Serie B, conseguiu uma sequência de jogos e regularidade no time, com 21 partidas. Zanetti ainda passou mais uma temporada cedido à Reggiana e, após 33 aparições pela equipe granata, foi comprado pela Inter, que se encantou com sua vitalidade e sua entrega.

Apesar das altas expectativas, a realidade foi outra para o atleta da seleção sub-21 da Itália. Cristiano ficou pouco tempo em Milão em sua primeira passagem pelos nerazzurri: em outubro de 1998, Zanetti foi emprestado ao Cagliari e teve a chance de ser titular num time da Serie A. O valente meio-campista figurou no onze inicial do técnico Gian Piero Ventura e, se destacando com lançamentos longos, controle de jogo e raça para roubar bolas, ajudou os sardos a permanecer na elite.

No verão de 1999, a Roma de Fabio Capello fez uma oferta de 7 bilhões de liras italianas, o que hoje equivaleria a aproximadamente 3,5 milhões de euros, e adquiriu o atleta. A estreia foi justamente diante da Inter, num simples empate por 0 a 0, e o meia encontraria dificuldades na temporada 1999-2000. Nela, Cristiano acumulou um cartão vermelho e várias rodadas afastado por lesão.

Em 2000, Zanetti teve muitos compromissos vestindo o azul Savóia da Itália. O volante venceu a Euro Sub-21, em junho, e participou da Olimpíada de Sydney, em setembro. Depois disso, retornou à Cidade Eterna para viver uma das melhores fases de sua carreira: assumiu a titularidade da Roma e se transformou em peça-chave do meio-campo romanista campeão nacional em 2001. À frente de Emerson, Marcos Assunção e Gianni Guigou na preferência de Capello, Cristiano fazia dupla com Damiano Tommasi e, enquanto o colega tinha características mais dinâmicas, era ele que pensava mais o jogo e mais auxiliava na construção dos lances de ataque.

Admirado por Trapattoni, o volante disputou uma Copa do Mundo e uma Euro pela Itália (imago/Ulmer)

Pelo que demonstrou na capital, Zanetti ficou conhecido como um trabalhador árduo no meio-campo, um operário com espírito combativo que recuperava as bolas perdidas e que ainda tinha visão para organizar o seu time. Com este cartaz, acabou retornando à Inter em junho de 2001, recomprado pelo clube. Martello, como era chamado, por causa da força que utilizava para desarmar os rivais, seria titular da equipe comandada pelo argentino Héctor Cuper e capitaneada por seu xará, o também albiceleste Javier Zanetti.

Em 2001-02, o toscano conseguiu ajudar o clube a chegar às semifinais da Copa Uefa. Inclusive, marcou seu segundo gol na carreira em partida desta fase contra o Feyenoord, num empate por 2 a 2, que culminou na eliminação italiana – os nerazzurri haviam perdido o confronto de ida por 1 a 0. Meses antes, havia anotado o seu primeiro tento como profissional em uma vitória por 3 a 0 sobre o Verona pela Serie A. No certame nacional, a Beneamata teve a chance de ser campeã, mas uma derrota para a Lazio na última rodada a relegou à terceira posição.

A regularidade do Martello pela Inter fez com que Giovanni Trapattoni, técnico da Itália e especialista na posição, passasse a convocá-lo para a seleção. Depois de estrear pela Nazionale em novembro de 2001, num amistoso contra o Japão, em Saitama, Zanetti garantiu o seu lugar no grupo que viajou para a Ásia para a disputa da Copa do Mundo de 2002. Ao longo da fase de grupos, tomou a titularidade de Luigi Di Biagio, seu companheiro de equipe em Milão, e esteve em campo na amarga eliminação para a Coreia do Sul, nas oitavas.

Dali em diante, Zanetti conviveu com algo que lhe atrapalharia na carreira: longas e frequentes sequências no estaleiro devido a lesões. A grande dedicação que colocava em campo, sempre em ritmo intenso, não era sempre acompanhada por seus músculos, que volta e meia lhe deixavam na mão. O corpo de Cristiano pedia um tempo de descanso que o futebol não podia lhe proporcionar e que nem mesmo ele, diante da garra com a qual encarava o esporte, queria dispor. Por isso, a Inter providenciou, nas épocas seguintes, contratações de jogadores que pudessem fazer um rodízio com o volante – casos de Matías Almeyda, Sabri Lamouchi e Edgar Davids.

Zanetti teve um bom início na Inter, mas não encontrou a mesma regularidade que o seu xará (imago)

Em 2003, o meio-campista ajudou a Inter a chegar novamente às semifinais de uma competição europeia: desta vez, a Champions League, na qual acabou eliminada pelo Milan, que viria a ser campeão europeu no confronto doméstico contra a Juventus. No ano seguinte, ante o próprio rival da Lombardia, Zanetti marcaria um de seus raros gols pelos nerazzurri, numa derrota por 3 a 2 na Serie A. Mesmo jogando menos do que em momentos anteriores, o toscano continuava a receber oportunidades na seleção e chegou a ser convocado para a Euro 2004.

Após o torneio continental e a chegada de Roberto Mancini ao comando técnico da Inter, Cristiano foi perdendo espaço – o que acabou resultando, em 2005, em sua transformação em reserva de Esteban Cambiasso e David Pizarro. Mesmo assim, o camisa 6 nerazzurro teve razoável participação nas conquistas da Coppa Italia de 2005 e 2006: foi titular num dos jogos das finais da primeira e nos dois confrontos de semifinais da seguinte. Zanetti também levantou uma Supercopa Italiana e uma Serie A.

Quando a Inter foi declarada campeã nacional de 2006, depois da revelação do escândalo Calciopoli, que envolveu a Juventus, Cristiano já havia assinado com a agremiação de Turim. Acertado com a Vecchia Signora desde fevereiro de 2006, já que estava em fim de contrato, Zanetti manteve a palavra: aportou no Piemonte mesmo após a confirmação do rebaixamento da gigante à Serie B pelo tribunal desportivo.

Na disputa da segunda divisão pela equipe bianconera, Martello assumiu um papel diferente dentro do campo. Zanetti estava acostumado a atuar defensivamente, mas ganhou mais funções na zona de construção do jogo, como no início da carreira e nos tempos de Roma. Dessa forma, foi um dos protagonistas da volta da Juve à elite do futebol italiano: além da titularidade, o toscano marcou nas vitórias por 1 a 0 contra Treviso e Triestina, no início da Serie B. Gols importantes para ajudar a Juventus a subir na tabela e deixar para trás a dedução de nove pontos – parte da sentença pela participação de diretores no Calciopoli.

Pela Juventus, Zanetti disputou uma Serie B e reencontrou um grande futebol (imago/IPA Photo)

De volta à elite, Zanetti era apontado como reserva de um novo time em formação: Sergio Almirón, Antonio Nocerino, Tiago e Hasan Salihamidzic ameaçavam o seu lugar no onze inicial. Contudo, o técnico Ranieri o conhecia bem – afinal, fora o romano que o promoveria aos profissionais da Fiorentina. O comandante percebeu que os reforços não rendiam o suficiente e deu uma chance a Cristiano na equipe titular. O toscano correspondeu e contribuiu para que a Juventus terminasse a Serie A na terceira posição.

Zanetti teve duas ótimas temporadas em Turim e praticamente não se machucou. A soma destes fatores fez com que o técnico Roberto Donadoni pensasse em convocar o jogador para a Euro 2008: longe da Nazionale desde 2004 e aos 31 anos, Cristiano acabou por afastar qualquer possibilidade de convite ao declarar publicamente que queria se dedicar exclusivamente ao clube. O destino, porém, foi cruel com Martello: por causa de duas sérias lesões musculares, uma na coxa direita e outra na esquerda, somou apenas 14 aparições em 2008-09.

No verão de 2009, o veterano internacional italiano ainda tinha um ano de vínculo com a Vecchia Signora. Contudo, aceitou reduzir o salário para se transferir de volta à Fiorentina, agremiação que o revelou para o futebol. Na mesma época, a equipe comandada por Cesare Prandelli havia contratado, junto à Juventus, o também meia Marco Marchionni, enquanto o brasileiro Felipe Melo fez o percurso inverso.

Na primeira temporada de retorno à Viola, atuou com regularidade: foram 23 partidas pela Serie A, sendo 16 como titular e oito completas. Se as suas condições físicas não eram as melhores e, por isso, revezou com Marco Donadel pelo torneio nacional, Zanetti emprestou sua experiência para que a Fiorentina fizesse uma ótima campanha na Champions League. O veterano disputou cinco dos oito jogos do time pela competição e chegou a dar uma assistência para a vitória sobre o Liverpool, em Florença.

Em seu retorno à Fiorentina, Zanetti contribuiu com uma boa campanha da equipe na Champions League (imago/PanoramiC)

A chegada do técnico sérvio Sinisa Mihajlovic, em junho 2010, e uma lesão no joelho abreviaram a trajtória de Zanetti na Toscana. O meia passou a ter menos oportunidades e, em janeiro de 2011, acabou migrando para o Brescia. Aos 33 anos, a nova experiência na Lombardia também foi a sua última enquanto jogador: Cristiano somou apenas oito aparições na campanha que culminou no rebaixamento dos biancazzurri à Serie B. O volante sequer foi inscrito para a disputa da segundona e, no primeiro mês de 2012, anunciou a sua aposentadoria.

Uma vez fora dos campos, Zanetti voltou para a Toscana e tentou ser treinador. O ex-meia trabalhou em cinco clubes na região em que nasceu, passando pela base de Pisa, Prato e Carrarese, e pelos profissionais de Pietrasanta e Masesse. Ainda que não tenha conseguido resultados ruins, não se adaptou à rotina e não sentia que estava evoluindo na nova ocupação, de forma que decidiu abandoná-la em 2018. Desistir de uma luta era fato raro para Cristiano, mas a visão que tinha para armar jogadas e a sabedoria em encontrar o melhor posicionamento para desarmar os adversários são bons indícios de que a sua decisão foi a melhor possível.

Cristiano Zanetti
Nascimento: 10 de abril de 1977, em Carrara, Itália
Posição: volante
Clubes como jogador: Fiorentina (1994-96 e 2009-11), Venezia (1996-97), Reggiana (1997-98), Inter (1998 e 2001-06), Cagliari (1998-99), Roma (1999-2001), Juventus (2006-09) e Brescia (2011-12)
Títulos como jogador: Coppa Italia Primavera (1996), Coppa Italia (1996, 2005 e 2006), Euro Sub-21 (2000), Serie A (2001-06), Supercopa Italiana (2005) e Serie B (2007)
Clubes como técnico: Pietrasanta (2015-16) e Massese (2017-18)
Seleção italiana: 17 jogos e 1 gol

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