Jogadores Cartolas

Marco Lanna foi ídolo da Sampdoria e protagonizou lance emblemático na Roma

No dia 6 de dezembro de 2021, o empresário Massimo Ferrero foi preso sob acusação de crimes financeiros e precisou deixar a presidência da Sampdoria, cargo que ocupava havia sete anos. Cerca de 20 dias depois, o clube anunciou o ex-jogador Marco Lanna como o seu novo máximo dirigente. A escolha não foi obra do acaso. Único genovês integrante da equipe que levantou o scudetto em 1991, o zagueiro cresceu na base do time e participou das grandes conquistas na era de ouro blucerchiata.

A ligação entre Marco e a Sampdoria começou ainda em sua infância. Nascido em Gênova, em 1968, e filho de um assíduo frequentador do estádio Marassi, ele acompanhava o pai nas partidas. Com 10 anos, começou a jogar no setor juvenil do clube, onde permaneceu durante toda a adolescência. Prestes a completar 18 e zagueiro já formado, assinou o primeiro contrato como profissional.

No verão de 1986, Marco foi oferecido ao Foggia de Zdenek Zeman, militante na Serie C1. O beque aceitou a proposta com convicção; no entanto, a chegada de Vujadin Boskov ao comando da Samp fez com que as tratativas fossem canceladas: o treinador gostaria de ter o jovem em Gênova. Assim, na sólida defesa doriana, composta por Pietro Vierchowod, Moreno Mannini, Srecko Katanec e Luca Pellegrini, a quem era frequentemente comparado, Lanna ganharia seu espaço aos poucos, se consolidando como um jogador polivalente, rápido e de bom cabeceio.

Lanna estreou contra o Napoli, na última rodada da Serie A 1987-88, após ter sido relacionado, sem atuar, em nove das 30 rodadas. Aos 19 anos, o zagueiro conquistou o primeiro título de sua carreira naquela mesma temporada – a Coppa Italia, vencida pela Sampdoria na final contra o Torino. O genovês, contudo, não participou de nenhum dos jogos da campanha.

Atuando nas duas laterais, como líbero e zagueiro no esquema de Boskov, Lanna se consagrou como um dos principais defensores da equipe na temporada 1988-89. Entre 1989 e 1990, o genovês esteve em três das cinco finais que o time disputou. Levantou pela segunda vez o troféu da Coppa Italia, com vitória sobre o Napoli, em 1989; contra o Barcelona, na finalíssima da Recopa Europeia, no mesmo ano, a Samp perdeu por 2 a 0. Por fim, ainda em 1989, disputou a Supercopa Italiana, contra o Milan – os blucerchiati foram derrotados por 3 a 1.

No histórico campeonato de 1990-91, Lanna jogou como lateral-direito até a lesão de Pellegrini, ocorrida na 19ª rodada, contra a Fiorentina. Depois disso, o genovês passou a atuar como líbero (ou zagueiro) ao lado do experiente Vierchowod. Veloz, o defensor de 23 anos tinha o papel de cobrir o colega, que raramente cometia erros. Fausto Pari, meio-campista, voltava para ajudar os parceiros.

Genovês, Lanna participou de alguns dos principais momentos da história da Sampdoria (EMPICS)

Com a eficiência desses defensores, a primazia de Toninho Cerezo, a velocidade de Attilio Lombardo e, essencialmente, a ferocidade de Roberto Mancini e Gianluca Vialli, o resultado daquela temporada não poderia ser outro. No dia 19 de maio de 1991, Lanna viu, do banco, os colegas vencerem o Lecce e, enfim, confirmarem a conquista do sonhado scudetto. Pode-se dizer que o título teve um gosto mais doce para Marco, único jogador do esquadrão nascido em Gênova e torcedor do time desde a mocidade.

Após a conquista, os genoveses deram continuação à mágica aventura iniciada com a gestão de Paolo Mantovani com um passo inédito: a final da Copa dos Campeões, contra o Barcelona, em 1992. No fatídico jogo, perdido por 1 a 0 – gol de Ronald Koeman na prorrogação –, Lanna quase marcou de cabeça, mas a bola acabou indo para fora. Além disso, os blucerchiati conquistaram a Supercopa Italiana, derrotando a Roma.

Em 1992, Lanna seria protagonista de um lance desafortunado. Contra o Bari, na 7ª rodada da Serie A 1992-93, o atacante brasileiro João Paulo efetuou um drible em direção à linha de fundo e o zagueiro chegou atrasado para tentar cortar a bola, de modo que acabou acertando violentamente as pernas do adversário. O jogador biancorosso, que vivia o auge de sua carreira e estava na mira da Inter, saiu de campo numa maca. Pior: ficou afastado do futebol por um um ano e meio, o que comprometeu o resto de sua trajetória no esporte. Marco não era conhecido por fazer muitas faltas e, considerando a imprudência que teve no episódio, telefonou para pedir desculpas ao adversário.

Por sua vez, Lanna acumulava sólidas exibições, que o levaram à seleção italiana, treinada por Arrigo Sacchi. Nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994, o zagueiro doriano jogou duas vezes: contra a Suíça, em outubro de 1992; e contra a Escócia, no mesmo mês do ano seguinte. O genovês ficaria de fora da lista final para o torneio, contudo.

Naquele mesmo ano de 1993, o presidente Mantovani buscava dar início a um novo ciclo na Sampdoria. Meses antes de morrer, o cartola teve a venda de Lanna para a Roma como um de seus últimos atos – a negociação rendeu 10 bilhões de velhas liras à agremiação genovesa. Os giallorossi, já sob a batuta do lendário Franco Sensi, contavam com defensores como Amedeo Carboni, Fabio Petruzzi e Aldair. Foi a lesão do brasileiro, inclusive, que motivou a busca romanista por Marco.

Na formação do icônico Carlo Mazzone, o goleador Abel Balbo comandava o ataque ao lado de um jovem Francesco Totti. A equipe, contudo, não foi além de um sétimo lugar na Serie A e das oitavas de final da Coppa Italia. Na segunda temporada de Lanna em Trigoria, a situação melhorou: o time capitolino terminou o certame nacional com a melhor defesa: 25 gols sofridos em 34 jogos. O beque acumulou 31 aparições no torneio, ajudando a Roma a ficar com a quinta posição e uma vaga na Copa Uefa.

Em duas passagens pela Samp, o zagueiro fez quase 200 partidas pela equipe (imago/Allstar)

A presença de Lanna seria ainda maior no campeonato seguinte: 32 partidas. Apesar do aparente bom desempenho, o lance que marcaria a passagem do genovês pela Loba não foi um gol inesquecível ou, talvez, um desarme magnífico, mas sim uma enorme infelicidade, que permaneceria para sempre na mente dos torcedores de Lazio e Roma.

No Derby della Capitale, válido pela 22ª rodada do campeonato de 1995-96, os dois times pareciam seguir para um empate em 0 a 0, até que, aos 83 minutos, um escanteio foi marcado para os biancocelestes. Giuseppe Signori cobrou e, em um verdadeiro movimento de voleibol, Lanna subiu mais alto do que todos os jogadores que estavam na área e bloqueou a bola com a mão, antes que ela chegasse ao goleiro Giovanni Cervone. O árbitro Marcello Nicchi assinalou o pênalti para a Lazio e Signori não o desperdiçou.

O episódio rendeu uma música emblemática no ritmo de Macarena, hit da década de 1990. “Agguanta la palla Marco Lanna / Agguanta la palla Marco Lanna / eeeee Marco Lanna!”. “Agarre a bola, Marco Lanna / Agarre a bola, Marco Lanna / eeeee Marco Lanna!”, cantavam os torcedores da Lazio, em provocação ao rival. Para completar, o resultado no dérbi foi fundamental para que os celestes terminassem a Serie A na terceira posição, com um ponto a mais do que a Roma, novamente quinta colocada.

A última temporada do zagueiro com a camisa giallorossa foi, de longe, a mais tenebrosa. Com o fracasso do técnico argentino Carlos Bianchi e, depois, a chegada do bombeiro Nils Liedholm, a defesa romana sofreu em 1996-97: 47 gols sofridos em 34 jogos comprometeram a campanha da equipe, que amargou um 12º lugar na Serie A. O contrato do atleta de 28 anos não foi renovado, depois de 131 aparições pela Loba. Lanna, então, rumou à Espanha.

No pequeno Salamanca, Lanna fez parte do time conhecido como “mata-gigantes” – apelido dado graças às heroicas vitórias contra Barcelona (duas vezes), Atlético de Madrid, Valencia e Deportivo La Coruña. Marco disputou duas temporadas pelos blanquinegros, ajudando-os a se salvarem do rebaixamento na primeira, mas sucumbindo com a lanterninha de La Liga na segunda.

Em 1999, o italiano deixou os charros e partiu para o Zaragoza. Se era titular absoluto no Salamanca, porém, Lanna virou uma peça de rotação do plantel em Aragão. Pelos blanquillos, foi quarto colocado no Campeonato Espanhol de 1999-2000 e, na temporada seguinte, escapou do descenso. Também faturou a Copa do Rei, em 2001, mas sem disputar a final contra o Celta de Vigo.

Na Roma, Lanna alternou solidez a uma falha incrível num dérbi (imago/Allstar)

Lanna passou seis meses fora de ação no Zaragoza e, antes de se aposentar, voltou à Sampdoria, que disputava a Serie B. Marco defendeu a Samp entre janeiro e junho de 2002, acumulando, apenas nove partidas nesse período. Com problemas físicos e sem a solidez de outrora, o jogador pendurou as chuteiras aos 33 anos, totalizando 193 aparições pelos blucerchiati.

Lanna, o presidente da Sampdoria

Fora dos campos, Lanna atuou como comentarista esportivo e, em 2012, teve uma breve passagem como do Piacenza, mas não ocupou a função por muito tempo. Agora, o seu desafio é gerir a Samp. “Quando fui perguntado se poderia ser o presidente da Sampdoria, emoções de todos os tipos se sucederam. Foi um momento maravilhoso, com um sentimento de medo pela responsabilidade do papel que me foi confiado”, contou o manda chuva da agremiação, em sua primeira entrevista coletiva no cargo. Ícone blucerchiato, o ex-defensor se tornou a 19ª pessoa a sentar na cadeira da presidência, sucedendo dirigentes históricos, como o já citado Mantovani e Riccardo Garrone.

Alberto Bosco, Gianni Panconi e Antonio Romei ocupam os outros cargos da diretoria projetada por Lanna. A primeira medida do novo presidente foi repatriar o diretor técnico Carlo Osti, que está na Sampdoria desde 2012 – em outubro, o cartola foi afastado temporariamente por Ferrero.

Para superar a gestão de Ferrero não vai ser preciso muito esforço, já que o empresário avariou a situação financeira do clube entre 2014 e 2021. Em campo, os resultados foram medianos. Não só com espírito, paixão e ambição se comanda uma agremiação, mas eles podem evitar, principalmente, o descaso e a desconsideração com os torcedores – situações que foram recorrentes sob a batuta do produtor cinematográfico.

Lanna não é o Messias que irá salvar a Sampdoria e levá-la de volta aos velhos tempos, até porque a sua figura é a de um “passador de bastão” e não a de um novo Mantovani. Afinal, o clube continua a ser uma propriedade de Ferrero, afastado pelo conselho administrativo, e está à venda. No entanto, ainda assim é possível, com certo esforço, tirar a agremiação do limbo no qual se encontra há anos.

Marco Lanna
Nascimento: 13 de julho de 1968, em Gênova, Itália
Posição: zagueiro
Clubes: Sampdoria (1987-93 e 2002), Roma (1993-97), Salamanca (1997-99) e Zaragoza (1999-2001)
Títulos: Coppa Italia (1988 e 1989), Recopa Uefa (1990), Serie A (1991), Supercopa Italiana (1991) e Copa do Rei (2001)
Seleção italiana: 2 jogos

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