Uma equipe treinada por Arrigo Sacchi e com peças como Paolo Maldini, Alessandro Del Piero, Gianfranco Zola, Demetrio Albertini, Dino Baggio, Roberto Donadoni e Angelo Peruzzi teria tudo para chegar em qualquer competição para disputar título, correto? Na Euro 1996, porém, quase tudo deu errado para a Itália, que foi eliminada na primeira fase. A única vitória dos azzurri no torneio continental ocorreu na estreia, diante de uma boa seleção da Rússia.
Vice-campeã mundial em 1994, a Itália se classificou para a Euro 1996 com relativa tranquilidade. Com sete gols marcados, Zola foi o destaque azzurro na trajetória construída num grupo com Lituânia, Ucrânia, Eslovênia, Estônia e Croácia – os xadrezes também ganharam vaga no torneio, realizado em solo inglês. Na época, o campeonato continental era disputado por apenas 16 seleções, distribuídas em quatro chaves. A da Nazionale foi a C, ao lado de Rússia, Alemanha e Chéquia.
A convocação de Sacchi para a Euro teve muitas diferenças em relação àquela feita por ele mesmo para a Copa do Mundo realizada dois anos antes. Mais exatamente, foram 11 nomes novos – o equivalente a metade da lista. Entre os ausentes, Franco Baresi e Daniele Massaro haviam se aposentado da seleção, por exemplo, mas alguns foram deixados de fora por idiossincrasias próprias ao revolucionário treinador.
Gianluca Pagliuca, goleiro titular da Itália em 1994, não foi levado para a Euro porque Sacchi dizia que não fazia sentido que ele viajasse para a Inglaterra como reserva de Peruzzi. Por sua vez, Roberto Baggio, Roberto Mancini e Giuseppe Signori não integraram a lista por rusgas com o técnico, apesar do ótimo rendimento na temporada em 1995-96 – o primeiro faturou o scudetto pelo Milan; o segundo, na Sampdoria, foi fundamental para o brilho do convocado Enrico Chiesa; e o último, na Lazio, foi artilheiro da Serie A.
Outros ótimos e experientes jogadores, como Giuseppe Bergomi e Gianluca Vialli, não faziam parte dos planos do romanholo. Além disso, jovens como Fabio Cannavaro, Christian Panucci, Francesco Totti e Christian Vieri ainda eram considerados “verdes”. Alessandro Nesta, então com 20 anos, e Del Piero, de 22, foram as exceções numa convocação que, embora tivesse muitas ausências, contava com muitas peças de qualidade.
A Rússia chegou à Eurocopa com ânimo renovado em relação à Copa de 1994. A campanha nos Estados Unidos até teve a artilharia de Oleg Salenko, que fez cinco gols contra Camarões e chegou a seis no torneio, mas a goleada sobre os Leões Indomáveis foi o único ponto alto de uma trajetória frustrante. O time do técnico Pavel Sadyrin foi dominado por Brasil e Suécia, de modo que a responsabilidade recaiu toda sobre o comandante. Incapaz de produzir um bom trabalho no aspecto tático e no comportamental, o treinador teve de encarar motim de cinco dos principais jogadores do país – Igor Dobrovolski, Andrei Kanchelskis, Sergei Kiriakov, Igor Kolyvanov e Igor Shalimov. Nenhum deles foi ao Mundial.
Depois da Copa, Sadyrin foi demitido e deu lugar a Oleg Romantsev, tido como um dos maiores técnicos do futebol russo. Com a troca, o quinteto foi reintegrado e ajudou a Rússia a passear no Grupo 8 das Eliminatórias para a Euro: foi líder invicta de uma chave bastante acessível, formada também por Escócia, a outra classificada, Grécia, Finlândia, Ilhas Faroé e San Marino.
O elenco de 22 jogadores que Romantsev levou para o torneio continental foi o melhor possível, sendo formado por 19 atletas que tinham ou viriam a ter experiências nas principais ligas europeias. Os goleiros Dmitri Kharine e Stanislav Cherchesov, os meias Valeri Karpin e Aleksandr Mostovoi e os atacantes Igor Simutenkov e Vladimir Beschastnykh se juntavam aos cinco já citados como destaques.

Ainda jovem e atuando na ponta esquerda, Del Piero fez uma partida bem apagada contra a Rússia (Allsport)
Itália e Rússia estrearam na Euro 1996 no dia 11 de junho, já cientes de que a Alemanha havia vencido a Chéquia por 2 a 0. Quem saísse vitorioso em Anfield, estádio do Liverpool, se igualaria aos germânicos e largaria em boas condições de conseguir uma das duas vagas nas quartas de final. Os italianos eram favoritos, mas sabiam que os adversários tinham qualidade para surpreenderem no primeiro confronto entre as seleções em toda a história.
A Itália sabia o quanto a rival podia ser traiçoeira. Afinal, sofrera muito nas mãos da União Soviética, seleção de que a Rússia herdou a tradição esportiva e que, até hoje, é uma das poucas contra a qual amargou retrospecto negativo. A Squadra Azzurra venceu apenas os vermelhos em apenas dois dos 11 duelos, amargando cinco empates e quatro derrotas. Pela Euro, se enfrentaram duas vezes, ambas nas semifinais. A primeira, em 1968, terminou em igualdade no tempo normal e a vaga na decisão ficou com os italianos após cara ou coroa; a segunda, em 1988, foi marcada por triunfo categórico da URSS. Vencer, portanto, também seria histórico para a Nazionale.
Tanto Sacchi quanto Romantsev gostavam de trabalhar com duas linhas de quatro na defesa e no ataque, de modo que os times estavam praticamente espelhados. Uma diferença crucial residia no fato de que a Itália tinha Zola e Pierluigi Casiraghi como dupla de ataque e a Rússia atuava com Kolyvanov mais avançado, com Mostovoi encostando. No entanto, antes mesmo que qualquer padrão tático pudesse fazer diferença, a Nazionale abriu o placar. Aos 5 minutos, Cherchesov efetuou um lançamento curto para o meio-campo e Angelo Di Livio interceptou já ajeitando para Casiraghi. O centroavante recebeu na entrada da área e girou para chutar no cantinho.
Atrás no placar, a Rússia se soltou e passou a incomodar muito a Itália, principalmente com as arrancadas de Kanchelskis no setor defendido por Maldini. Velho conhecido dos azzurri, Kolyvanov, por sua vez, tentava chutes de longa e média distância, mas estava descalibrado. O camisa 9, que atuava no Foggia havia cinco temporadas, tinha mais espaço do que o aconselhável para um atacante de sua qualidade.

A Itália não fez grande jogo, mas o ataque formado por Casiraghi e Zola foi eficaz nas chances criadas (Allsport/Getty)
Foi através de um arremate da entrada da área, aliás, que a Rússia empatou. Aos 21 minutos, Karpin teve finalização travada por Luigi Apolloni, mas a sobra ficou com Ilya Tsymbalar. O ponta entrou pelo lado esquerdo da área, passou por Alessandro Costacurta e chutou forte, entre Peruzzi e a trave.
O gol de empate afetou a Itália, que não vinha fazendo boa partida e encontrava dificuldades tanto para propor jogo quanto para controlar os ataques da Rússia. Na ponta esquerda, Del Piero teve atuação apagadíssima e, por isso, foi substituído pelo veterano Donadoni no intervalo. Romantsev também fez uma troca: sacou o zagueiro Yevgeni Bushmanov e colocou o volante Igor Yanovsky na defesa, no intuito de ter uma saída de bola mais qualificada.
Os ajustes feitos por Sacchi e a conversa que o treinador teve com o time nos vestiários acabou surtindo mais efeito do que a troca. A Itália voltou melhor para o segundo tempo e fez do seu flanco direito o setor mais forte. Pouco após o retorno, Roberto Mussi cruzou rasteiro e Casiraghi, de letra, levou perigo. Aos 52, enfim, a Nazionale mostrou a qualidade técnica que lhe distinguia: Di Livio avançou pelo lado destro e tocou para Zola, na entrada da área: de primeira, o baixinho acionou o seu companheiro de ataque, que anotou sua doppietta ao chegar arrematando antes de Omari Tetradze cortar.
Após o gol, a partida continuou parelha. Os russos insistiam em lançamentos longos para Kanchelskis, embora o capitão Maldini se mostrasse impecável nas coberturas. Assim, a melhor chance da equipe do Leste Europeu aconteceu numa sobra na entrada da área italiana: Mostovoi soltou uma bomba num sem pulo e a bola tirou tinta da trave de Peruzzi. Zola respondeu ao roubar a posse de Viktor Onopko e sair na cara de Cherchesov. Porém, na hora de finalizar, o atacante optou por chutar forte e não teve capricho, de modo que carimbou o arqueiro. O craque do Parma ainda cobrou falta perigosíssima, mas não deixou o seu.
Foi por pouco, mas a Itália saiu vitoriosa de Anfield. Na rodada seguinte, a Nazionale enfrentou a Chéquia, que surpreendera por vencer um grupo com Holanda e Noruega nas eliminatórias, mas era a adversária menos experientes da chave. Pavel Nedved e seus companheiros mostraram que não era bem assim: venceram os azzurri por 2 a 1. A Rússia, por sua vez, terminou precocemente eliminada graças a uma derrota por 3 a 0 para a Alemanha.
Na última jornada, russos e checos empataram por 3 a 3 e os italianos pararam na já classificada Alemanha. Ou melhor, no goleiro Andreas Köpke, que defendeu até pênalti de Zola e evitou que os alemães, com um jogador a menos por cerca de meia hora, cedessem. Com o 0 a 0, a Itália ficou com os mesmos quatro pontos da Chéquia e foi eliminada na fase de grupos, devido à desvantagem no confronto direto.
O fato de Alemanha e Chéquia terem sido as finalistas daquela Euro, concluída com vitória germânica por 2 a 1, até poderia ter aliviado a barra de Sacchi. No entanto, o técnico foi alvo de pesadas críticas da imprensa italiana. O Mago de Fusignano até permaneceu no cargo por mais alguns meses, mas se demitiu em novembro de 1996, após derrota para a Bósnia nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1998. Dali em diante, não fez mais bons trabalhos: passou, sem sucesso, por Milan, Atlético de Madrid e Parma antes de se aposentar, por motivos de saúde, em 2001.
Itália 2-1 Rússia
Itália: Peruzzi; Mussi, Costacurta, Apolloni, Maldini; Di Livio (Fuser), Di Matteo, Albertini, Del Piero (Donadoni); Zola, Casiraghi (Ravanelli). Técnico: Arrigo Sacchi.
Rússia: Cherchesov; Tetradze, Onopko, Bushmanov (Yanovsky), Kovtun; Kanchelskis, Karpin (Kiriakov), Radimov, Tsymbalar (Dobrovolski); Mostovoi; Kolyvanov. Técnico: Oleg Romantsev.
Gols: Casiraghi (5′ e 52′); Tsymbalar (21′)
Árbitro: Leslie Mottram (Escócia)
Local e data: estádio Anfield, Liverpool (Inglaterra), em 11 de junho de 1996