Gianpietro Marchetti certamente não é um do nomes mais célebres do futebol italiano. No entanto, dentro de seu modesto patamar de atuação, o jogador criado nas frutíferas categorias de base da Atalanta soube fazer o simples e conseguiu contribuir para que um estrelado time da Juventus fosse bicampeão nacional. Depois de se aposentar, o lombardo ainda foi um dos artífices da fase mais gloriosa do Piacenza, nas vestes de diretor esportivo do clube.
Marchetti nasceu na cidade de Rudiano, na região da Lombardia, em outubro de 1948. Como muitas crianças italianas do pós-guerra, encontrou no futebol uma possibilidade de amenizar a pobreza e as suas dificuldades. Sua carreira no esporte começou bem perto de sua comuna natal: foi descoberto pela Atalanta, de Bérgamo, e se formou no setor juvenil do clube. O lateral-esquerdo, que podia atuar também como volante ou líbero, estreou contra o Napoli, em 1966, uma semana antes de completar 18 anos.
Ao longo de duas temporadas, numa época em que ainda não existiam substituições, Gianpietro foi escalado em apenas nove jogos. Para ganhar mais rodagem, deixou a Serie A e rumou à segundona, repassado ao Lecco. Com a camisa bluceleste, Marchetti entrou em campo 40 vezes, com quatro gols anotados, mas não conseguiu evitar o rebaixamento da equipe para a terceira divisão. Apesar disso, mostrou talento suficiente para, aos 20 anos, ganhar espaço na seleção sub-21 italiana e ser adquirido pela Juventus.
Sua temporada de estreia pela Juventus não foi das mais positivas. Marchetti era o reserva imediato de Antonello Cuccureddu e, devido a isso, só fez 11 jogos em 1969-70. No ano seguinte, porém, passou a ganhar espaço como lateral-esquerdo graças a um rejuvenescimento do elenco, conduzido por Armando Picchi. O técnico também entregou a titularidade a garotos como Franco Causio, Roberto Bettega e Luciano Spinosi, sendo que este último ajudaria Gianpietro a tornar o flanco canhoto da defesa bianconera bastante fortalecido.
Depois de atuar em 39 partidas ao longo de 1970-71 e até fazer um gol sobre a Inter, um consolidado Marchetti começou a temporada seguinte como titular do time de Cestmír Vycpálek, que substituiu o falecido Picchi. A Juventus, que brigava na parte de cima da tabela e fora vice-campeã da Copa das Feiras, mudou de patamar com o amadurecimento dos jovens e, em 1972, conquistou o 14º scudetto de sua história – obtendo-o apenas na última rodada, com um ponto de vantagem sobre Milan e Torino. Gianpietro disputou 29 dos 30 jogos da campanha.
Na temporada seguinte, a Juve repetiu a dose e, novamente com um ponto de distância sobre o rival rossonero, faturou o título da Serie A. Marchetti foi fundamental para a conquista porque, além de atuar em 28 partidas, balançou as redes em três delas. Dois desses tentos foram especiais: o do 2 a 2 com o Milan e o anotado na vitória por 2 a 1 sobre a Inter, na penúltima rodada. A Velha Senhora ainda ficou perto de conseguir a tríplice coroa, mas amargou o vice da Coppa Italia para o Diavolo e o da Copa dos Campeões para o incrível Ajax, que emendou três taças seguidas da competição.
Os tempos de bonança na Juventus levaram o lateral-esquerdo a receber a sua primeira chance na seleção principal da Itália aos 23 anos, em junho de 1972. Marchetti foi convocado pelo treinador Ferruccio Valcareggi, que procurava alternativas para a reserva de Giacinto Facchetti, e estreou num amistoso contra a Romênia, cujo resultado foi um empate em 3 a 3. Gianpietro fez cinco partidas ao longo de 12 meses, vestindo a camisa azul pela última vez em 1973, numa vitória por 2 a 0 sobre o Brasil, em Roma.
Marchetti não tinha nem 25 anos quando teve sua derradeira aparição pela Nazionale. A sua trajetória na seleção teve um fim precoce porque uma sequência de experiências negativas lhe acompanharam a partir de 1973-74. Primeiro, Gianpietro viu o seu espaço na Juventus ser comprometido pela chegada de Claudio Gentile e pelo rendimento de Cuccureddu, que voltou a ser um rival tanto na função de lateral quanto na de volante. Além disso, o lombardo teve muitos problemas físicos.
No verão de 1974, a Juventus foi buscar uma joia na Atalanta: o líbero Gaetano Scirea, que já observava havia tempos. Para amortizar o custo líquido da negociação, a Velha Senhora optou por inserir três jogadores na tratativa e um deles era Marchetti, que aceitou retornar ao clube em que havia sido formado. Após 169 partidas e sete gols anotados, Gianpietro encerrava a sua passagem por Turim.
A opção de Marchetti, certamente envolvida em aspectos sentimentais, não foi a melhor possível. Afinal, a Atalanta estava na Serie B, o que lhe afastaria da seleção – ao menos por um período. O jogador acreditava que a Dea, rebaixada em 1973, tinha tudo para retornar à elite logo na temporada em que retornou ao ninho, e na condição de capitão da equipe. Ledo engano: os certames foram passando e o acesso só aconteceu em 1977, após o vice-campeonato da categoria, sob o comando do técnico Titta Rota.
Depois de ver sua carreira tomar um rumo bem diferente do imaginado pelos idos de 1972-73, Gianpietro voltava à Serie A, beirando os 30 anos. Na campanha de 1977-78, ajudou a Atalanta a garantir a permanência, com a nona posição, mas pouco entrou em campo na temporada seguinte. Sem o vigor de outrora, disputou 12 partidas e viu os orobici serem rebaixados devido ao saldo de gols desfavorável em relação ao Bologna.
Em 1979, depois do descenso nerazzurro, Marchetti – que totalizara 150 aparições pela Atalanta – trocou de ares. O lateral-esquerdo, já veterano, recebeu um convite do Catanzaro e encerrou a sua carreira aos 31 anos, com mais 10 jogos pela elite. Os giallorossi foram rebaixados em campo, mas terminaram sendo agraciados com uma decisão judicial: envolvidos no escândalo Totonero, Lazio e Milan acabaram punidos com a queda automática para a Serie B e o time da Calábria foi repescado junto com a Udinese.
Ainda jovem, Gianpietro se dedicou a estudos de gestão esportiva e, em 1982, se tornou diretor da Triestina. Nos primeiros meses pelo clube, comemorou o acesso à Serie B e, na sequência, fez contratações que ajudaram a equipe a competir por uma vaga na elite – o aporte mais chamativo foi o de Francesco Romano, em 1983. Os alabardati, porém, não subiram. Pelo contrário: chegaram a bater na trave em 1985 e 1986, mas retornaram à terceirona em 1988.
Marchetti se demitiu após a queda e, meses depois, foi anunciado no Piacenza. De cara, sofreu um revés: mais um rebaixamento para a Serie C1. Apesar disso, a queda representou uma oportunidade para renovar o time e mudar práticas. Dessa maneira, o diretor ficou marcado por conseguir levar o clube à estreia na elite e à participação em oito edições da máxima categoria.
O lombardo teve papel fundamental na trajetória de crescimento do Piacenza, que viveu o seu ápice em meados da década de 1990 e início dos anos 2000. Durante a sua gestão, Marchetti ajudou a revelar e valorizar garotos da base, como os irmãos Filippo e Simone Inzaghi, Alessandro Lucarelli e Alberto Gilardino. O diretor também fez contratações certeiras, obtendo destaque com as negociações que levaram Massimo Taibi, Eusebio Di Francesco, Nicola Caccia e Pasquale Luiso à Emília-Romanha.
Em 2001, após o terceiro acesso à Serie A em 13 anos de clube, Marchetti deixou o Piacenza, abrindo espaço para Fulvio Collovati, tricampeão mundial de 1982 com a Itália. Na sequência, teve passagens rápidas por um Napoli à beira da falência e pelo Modena, durante o período em que os canarini disputaram a elite pela última vez. Antes mesmo de os gialloblù caírem, se demitiu e, sem grandes explicações, se afastou do mundo do esporte. Gianpietro nunca foi mesmo uma pessoa muito badalada e de holofotes. Suas saídas à francesa, porém, não apagaram sua importância para o futebol italiano.
Gianpietro Marchetti
Nascimento: 22 de outubro de 1948, em Rudiano, Itália
Posição: lateral-esquerdo e volante
Clubes: Atalanta (1966-68 e 1974-79), Lecco (1968-69), Juventus (1969-74) e Catanzaro (1979-80)
Títulos: Serie A (1972 e 1973)
Seleção italiana: 5 jogos