A história de todo time grande conta com pelo menos um jogador que nunca primou pela técnica, mas se entregou o suficiente para se tornar um dos preferidos da torcida. Foi o caso de Leandro Cufré na Roma, por exemplo. O defensor argentino foi um daqueles atletas polivalentes, que atuava em todas as posições da linha de retaguarda, e era dotado de muita raça e vontade. Além do apreço dos giallorossi, esses atributos lhe renderam longa trajetória no futebol europeu e uma participação em Copa do Mundo.
Cufré nasceu em 1978, na cidade de La Plata, Argentina, e deu seus primeiros passos no esporte em sua terra natal. O defensor ingressou nas categorias de base do Gimnasia La Plata e, em 1996, aos 18 anos, estreou profissionalmente pelo Lobo. Devido ao bom desempenho, não demorou muito para que se tornasse titular da equipe e chamasse a atenção da seleção sub-20 de seu país, comandada por José Pékerman.
Em 1997, a Argentina conquistou o mundial da categoria ao bater o arquirrival Uruguai e Leandro, que atuou como lateral-esquerdo, disputou cinco das sete partidas da campanha, incluindo a finalíssima, vencida por 2 a 1. A geração de Cufré era talentosíssima e contava ainda com nomes como Lionel Scaloni, Walter Samuel, Esteban Cambiasso, Pablo Aimar e Juan Román Riquelme.
Titular absoluto no Gimnasia La Plata, Cufré atuou por seis anos no clube, de 1996 a 2001, e estreou pela seleção argentina em 2000, numa vitória por 2 a 0 em amistoso com o México. Em setembro de 2001, Leandro foi notado por Fabio Capello, treinador da Roma, e acabou se transferindo para a capital italiana. Só que, de presença habitual nos campos sul-americanos, o defensor se tornou um “esquentador de banco de reservas”. Em sua primeira temporada pela Loba, então campeã nacional, só atuou em três partidas da Coppa Italia.
Na temporada seguinte, 2002-03, o argentino foi mais utilizado por Capello, mas de forma ainda insatisfatória para os seus padrões: Cufré disputou 17 partidas em três diferentes competições, quebrando o galho como zagueiro, lateral-direito e lateral-esquerdo. Leandro estreou na Serie A e na Champions League, mas a Roma acabou apenas na oitava posição no Italiano e foi eliminada na segunda fase de grupos do torneio europeu. Na Coppa Italia, perdeu a decisão para o Milan.
Para 2003-04, a Roma contaria com uma penca de opções para a defesa: Christian Panucci, Traianos Dellas, Luigi Sartor, Jonathan Zebina, Saliou Lassissi, Vincent Candela, Samuel e os recém-chegados Cristian Chivu e Mancini – o brasileiro, até então, era lateral-direito. Com a forte concorrência, Leandro comunicou sua insatisfação a Capello e disse que queria atuar com mais frequência. Como os planos do técnico não incluíam a sua utilização como titular, Cufré foi oferecido por empréstimo a outros clubes. A melhor proposta para o argentino chegou do Siena, treinado por Giuseppe Papadopulo.
Fundado 23 anos antes que a Roma, em 1904, o Siena se aproximava do seu centenário na condição de estreante na Serie A. E, apesar da modesta história nos grandes palcos italianos, o time da Toscana teve uma atuação ambiciosa no mercado de transferências: no verão, se reforçou com Cufré, o brasileiro Fernando Menegazzo, Bruno Cirillo, Nicola Ventola, Tore André Flo e Enrico Chiesa, e no inverno ainda adquiriu os verde e amarelos Júnior, Roque Júnior e Juarez. Vale destacar que o brazuca Rodrigo Taddei fazia parte do elenco desde os tempos em que os bianconeri disputavam a segundona.
O argentino chegou conquistando a titularidade da equipe justamente pela característica de atuar tanto na defesa quanto nas duas laterais, oferecendo bom poder de marcação. A polivalência de Cufré foi bastante requisitada por Papadopulo, visto que o jogador atuou em 35 partidas – bem distribuídas no que diz respeito a sua função em campo. Titular absoluto, Leandro ajudou o Siena a superar o seu batismo de fogo na elite e a garantir uma improvável salvezza com uma rodada de antecedência, graças a uma vitória no confronto direto com o Modena. Não foi fácil, já que o time passou todo o campeonato brigando contra o descenso, mas a 14ª colocação foi o suficiente.
A passagem pelo Siena transformou a trajetória de Cufré na Roma. “Me fez muito bem. Tanto é que depois voltei para Roma e joguei quase sempre”, afirmou em entrevista ao site oficial da equipe giallorossa. Não é exagero da parte do argentino: em 2004-05, como dono da lateral esquerda, ele foi um dos três atletas da Loba que mais atuaram – somou 46 aparições, tal qual Matteo Ferrari e Vincenzo Montella – e, em 2005-06, somou mais 41 partidas. De alternativa de banco raras vezes utilizada, o defensor se tornou um pilar na Cidade Eterna.
A temporada de 2004-05 foi extremamente conturbada para a Roma. Cesare Prandelli, que seria o técnico da equipe, abdicou do cargo faltando duas semanas para o pontapé inicial da Serie A, no intuito de cuidar de Manuela, sua esposa, que ficara doente. Ídolo da torcida, Rudi Völler chegou para seu lugar, mas foi rapidamente demitido e deu lugar a Luigi Delneri – que nada resolveu. A Loba foi eliminada ainda na fase de grupos da Liga dos Campeões, tendo a pior campanha de sua história, e, no Campeonato Italiano, ficou mais perto da briga contra o rebaixamento do que da corrida por vaga em competição europeia.
Bruno Conti, outro ídolo, assumiu o comando da Roma na fase final da temporada e pegou a equipe na oitava posição. A Loba terminou a Serie A no mesmo posto, três pontos acima da zona de rebaixamento, numa das edições mais atípicas do campeonato – afinal, a distância entre o sétimo e o 19º (penúltimo) colocado foi de somente sete pontinhos. Os giallorossi tiveram desempenho melhor na Coppa Italia e ficaram com uma vaga na Copa Uefa apesar do vice, com derrota para a Inter.
Apesar do ano complicadíssimo, Cufré foi um dos poucos jogadores poupados pela torcida da Roma. E isso se deveu, basicamente, a uma característica central no futebol do argentino: a dedicação inabalável. “Quem joga pela Roma deve sempre dar o máximo. Você até pode jogar mal e perder, mas nunca deve deixar de se empenhar e honrar a torcida que comparece ao estádio. Eu sempre tentei respeitar esse código e sempre defendi a equipe. Mesmo quando vinham à nossa casa para ‘cantarem de galo’. Ou, na verdade, tentarem”, afirmou ao site oficial dos giallorossi.
O raçudo Cufré continuou como dono da lateral esquerda da Roma também em 2005-06, durante a gestão de Luciano Spalletti. Foi com o treinador toscano que o argentino fez a sua mais sólida temporada com a camisa giallorossa, contribuindo para mais um vice da Coppa Italia e para um segundo posto também na Serie A. A Loba havia terminado o certame na quinta colocação, mas devido às punições dadas a Juventus, Milan e Fiorentina, por envolvimento no escândalo Calciopoli, a equipe capitolina ganhou três posições.
As boas atuações renderam a Leandro um lugar entre os convocados da Argentina para a Copa do Mundo. Pékerman, seu velho conhecido, já vinha lhe chamando para o grupo albiceleste desde março de 2005 e decidiu incluí-lo na lista final como lateral-esquerdo reserva. Cufré atuou em apenas uma partida, no empate em 0 a 0 contra a Holanda, ainda pela fase de grupos, mas, terminou expulso na eliminação dos hermanos para a Alemanha, nas quartas de final. Após a queda para os anfitriões, nos pênaltis, uma confusão generalizada ocorreu e o defensor agrediu o grandalhão Per Mertesacker. Até hoje, é o cartão vermelho mais tardio da história dos mundiais.
De volta à capital, o argentino fez sua última aparição pela Roma na frenética decisão da Supercopa Italiana, contra a Inter – a Loba foi derrotada por 4 a 3, na prorrogação. Depois disso, Cufré recebeu uma oferta do Monaco e decidiu aceitá-la, de modo que se despediu da equipe giallorossa após 108 partidas, dois gols anotados e quatro assistências. Para que Leandro tomasse essa decisão, pesaram a gorda proposta salarial e o fato de ter um contrato de três anos na mesa.
No principado, Cufré jamais teve a importância que adquiriu em Roma – na verdade, isso não se repetiria em sua carreira. O argentino contribuiu para três campanhas de meio de tabela do Monaco na Ligue 1 e, em janeiro de 2009, foi emprestado ao Hertha Berlim, onde pouco jogou. Para completar, uma lesão no joelho ainda lhe impediu de se ambientar ao futebol alemão.
Em 2009, Cufré voltou ao Gimnasia La Plata, mas ficou apenas um mês, já que se desentendeu com o técnico Leonardo Madelón. Antes sequer de entrar em campo, retornou ao futebol europeu e acertou com o Dinamo Zagreb, da Croácia. Durante o seu biênio nos Bálcãs, foi titular e faturou quatro títulos, incluindo o bicampeonato nacional. Os últimos momentos da carreira do argentino como profissional foram vividos no México, país em que representou o Atlas e o Leones Negros. Em 2015, aos 37 anos, pendurou as chuteiras.
A vida no México agradou a Cufré e seus familiares. Leandro, sua esposa e seus filhos fixaram residência no país e foi por lá que ele começou a atuar como auxiliar técnico: exerceu o cargo no Cruz Azul e no Santos Laguna, até ganhar uma oportunidade de ser treinador do Atlas, entre 2019 e 2020. Até hoje, só uma pessoa conseguiu tirá-lo de Guadalajara, onde vive, ao menos temporariamente: Pékerman, que, em novembro de 2021, lhe convidou para ser assistente da seleção da Venezuela. O argentino já deixou bem claro que apenas um outro único convite teria o poder de balançá-lo assim. E essa proposta teria de ser encaminhada de Piazzale Dino Viola, Trigoria, Roma.
Leandro Damián Cufré
Nascimento: 9 de maio de 1978, em La Plata, Argentina
Posição: lateral-esquerdo, lateral-direito e zagueiro
Clubes: Gimnasia La Plata (1996-2001 e 2009), Roma (2001-03 e 2004-06), Siena (2003-04), Monaco (2006-09), Hertha Berlin (2009), Dinamo Zagreb (2009-11), Atlas (2012–14) e Leones Negros (2014-15)
Títulos: Mundial Sub-20 (1997), Campeonato Croata (2010 e 2011), Copa da Croácia (2011) e Supercopa da Croácia (2011)
Clubes como treinador: Atlas (2019-20)
Seleção argentina: 4 jogos