Cartolas

Andrea Rizzoli, o presidente que lançou o Milan ao rol dos grandes da Europa

Na Itália, é comum vermos magnatas do mundo da comunicação se aventurarem na presidência de clubes da Serie A. O caso mais recente foi o do ítalo-americano Rocco Commisso: fundador da empresa de telecomunicações Mediacom, ele comprou a Fiorentina, em 2019. Mas há casos mais famosos. Silvio Berlusconi, por exemplo, adquiriu o Milan, em 1986, depois de abrir canais de TV e se tornar um barão da mídia. Porém, bem antes de “Il Cavaliere”, outro empresário do ramo obteve sucesso à frente dos rossoneri. Trata-se de Andrea Rizzoli.

Nono presidente da história do Milan, Andrea Rizzoli dirigiu o clube por nove anos. No verão europeu de 1954, seu pai, Angelo, comprou a agremiação e tirou do poder Umberto Trabattoni – manda chuva da época do trio Gre-No-Li e responsável por dar um scudetto ao Diavolo após 44 anos de jejum – e escolheu Andrea para tocar a agremiação. O então cunhado de Andrea Rizzoli, Mimmo Carraro, também se integrou à diretoria, ocupando o cargo de vice-presidente. Porém, antes de nos aprofundarmos na história desse editor e empresário no comando do Milan, mostraremos, resumidamente, como ele galgou espaço na mídia italiana.

Três gerações dos Rizzoli: ao centro, Andrea; à direita, Angelo, seu pai; à esquerda, Angelo Jr., seu filho (Indiscreto)

Natural de Milão, Andrea Rizzoli começou a trabalhar bem cedo na empresa que seu pai fundara em 1927, a Rizzoli Editore, atualmente conhecida como RCS MediaGroup – por extenso, Rizzoli-Corriere della Sera MediaGroup. O jovem, que sofria com alto grau de miopia, tinha o desejo de cursar direito, mas seu genitor o chamou para trabalhar na firma. Assim, em 1933, com apenas 19 anos, Andrea iniciou sua jornada na Rizzoli Editore, onde aprenderia a fazer um jornal e daria seus primeiros passos no ramo da comunicação. Dali em diante, o garoto deslanchou e, junto a seu pai, desbravou o mercado.

Após ajeitar as contas de uma agência gráfica, na qual passara a fazer catálogos para marcas como Pirelli, os Rizzoli deram um passo maior, desta vez em um setor bem diferente do que eles estavam acostumados: o futebol. Em meados de 1954, Angelo Rizzoli adquiriu o Milan e incumbiu Andrea, então com 40 anos, de guiar o clube. Para mostrar serviço, ele visitava a sede da agremiação todos os dias. Além disso, trabalhou junto a seu cunhado para reforçar a equipe com contratações importantes, como as de Juan Alberto Schiaffino e um tal de Cesare Maldini, 22 anos à época e promessa da Triestina.

Schiaffino e Maldini integraram um plantel que já possuía muitos craques – Nils Liedholm, Gunnar Nordahl, Lorenzo Buffon, entre outros – e tinha um grande estrategista no banco, Béla Guttmann. O resultado disso foi o scudetto de 1954-55, cuja liderança sempre esteve no colo do Milan, ainda que Guttmann tenha entrado em atrito com a diretoria rossonera, fosse demitido e substituído por Ettore Puricelli.

Ao lado de Viani, Rizzoli analisa plantas da construção do centro esportivo de Milanello (imago/Buzzi)

Já na temporada 1956-57, agora sob o comando do revolucionário Gipo Viani – um dos técnicos que ajudaram a consolidar o catenaccio no futebol italiano –, o Milan de Rizzoli conquistou novamente a Serie A. Na reta final da época 1957-58, os rossoneri chegaram perto de ganhar a Copa dos Campeões: alcançaram a final da competição, mas sucumbiram diante do histórico Real Madrid de Alfredo Di Stéfano (artilheiro do torneio, com 10 gols) e Francisco Gento. Os blancos venceram por 3 a 2, com gols dos craques citados e de Héctor Rial; Schiaffino e Ernesto Grillo descontaram para o lado italiano.

O Milan, contudo, não deixou se abater após sair derrotado da decisão da Copa dos Campeões. De olho em elevar o patamar do clube, Gipo Viani projetou um novo centro esportivo para o time. Andrea Rizzoli topou a ideia e construiu Milanello, que, inclusive, passou por reestruturação durante a administração de Berlusconi. Inaugurado em 1963, último ano da gestão de Rizzoli, o local se encontra a cerca de 50 quilômetros de Milão, abriga campos de treinamento, academias, consultórios médicos, quartos para dias de retiro, restaurante, bar, sala de relaxamento, alojamento, entre outras estruturas.

A sintonia entre Rizzoli e Viani era muito boa. Não à toa, o presidente o lançou como diretor técnico após a derrota na final da Copa dos Campeões de 1958. Na prática, Gipo estaria encarregado da supervisão técnica, mas simultaneamente atuava no mercado de transferências e ainda era uma ponte entre diretoria e plantel, administrando os relacionamentos e transcendendo a função que lhe fora designada. Caminhando na mesma direção, os dois moldaram um forte plantel, que daria muitas alegrias à torcida milanista.

O “estado-maior” milanista: Polverini, Carraro, Rocco, Rizzoli, Spadaccini e Viani (Maglia Rossonera)

No início dos anos 1960, a diretoria rossonera trouxe Nereo Rocco para ser o treinador da equipe, uma vez que Viani estava, naquele momento, ocupando apenas o cargo de diretor técnico. Rocco e Gipo, aliás, eram grandes amigos e haviam trabalhados juntos na seleção italiana durante os Jogos Olímpicos de 1960, em Roma. O Milan buscaria a contratação da promessa Gianni Rivera, de 17 anos à época, junto ao Alessandria e arrancaria em direção a mais conquistas.

Dividindo o protagonismo com nomes do porte do ítalo-brasileiro José Altafini, Rivera não demorou para colher os frutos do trabalho feito por Gipo e Nereo. E quem sorria era Andrea Rizzoli, claro. O empresário via seu time brilhar e, de quebra, mostrava a seu severo pai que era capaz, também, de obter sucesso como cartola no futebol. O ápice da gestão de Rizzoli foi, certamente, a conquista da primeira orelhuda, o que certamente deixou Don Angelo contente e orgulhoso de seu filho.

Após ganhar o scudetto em 1961-62, o Diavolo alcançou a final da Copa dos Campeões na temporada seguinte, derrotando o Benfica por 2 a 1, de virada, em Wembley. Eusébio, lenda encarnada, abriu o placar, enquanto Altafini foi o autor da doppietta que selou a virada, tornando o Milan o primeiro clube italiano a erguer a cobiçada taça europeia.

Durante a gestão de Rizzoli, o Milan construiu Milanello e ainda foi campeão europeu pela primeira vez (imago/Buzzi)

A aventura de Andrea Rizzoli pelo rubro-negro de Milão terminou no mesmo ano da conquista continental. Em nove anos de sua gestão, o time milanês venceu quatro scudetti (1955, 1957, 1959 e 1962), uma Copa Latina (1956) e uma Copa dos Campeões (1963). Deixou um legado imenso, que só fora superado por Berlusconi, duas décadas depois. O magnata saiu pela porta da frente.

Com o êxodo da família Rizzoli, um jovem Felice Riva sentou na cadeira da presidência rossonera, mas não permaneceu por muito tempo. É que Riva não conseguiu fazer o Milan conquistar títulos – mesmo dispondo de um elenco com grandes nomes –, perdeu 46 bilhões de velhas liras em negociações financeiras arriscadas e levou empresas têxteis à falência. Por isso, o cartola foi indiciado e condenado por falência fraudulenta, a ponto de fugir para países como França, Grécia e Líbano.

Voltando ao assunto principal deste texto, Andrea Rizzoli continuou empenhado no ramo de comunicações, depois da saída do Milan. Prova disso é que, em 1974, ele adquiriu 100% das ações do grupo Editoriale Corriere della Sera, tirando-o das mãos de Giulia Maria Crespi, Angelo Moratti (ex-presidente da Inter) e Gianni Agnelli (ex-presidente da Juventus). O empresário pagou mais de 50 bilhões de liras, valor muito alto para a época. Para Andrea, no entanto, valeu a pena, já que ele se tornou um grande nome do setor midiático na Itália.

Rocco foi homem forte da gestão Rizzoli (Archivi Farabola)

Em 1978, depois de executar tantas funções no mundo da comunicação e até produzir filmes para a produtora criada por seu pai, Andrea Rizzoli resolveu se aposentar e relaxar na Costa Azul, litoral sul da França. Ele deixou as empresas a cargo de Angelo Rizzoli, o Angelone, seu filho. Aliás, em fevereiro de 1982, Angelone e o outro filho de Andrea, Alberto, foram presos sob a acusação de peculato em conexão com grandes somas perdidas nos livros da empresa. O diretor-gerente do grupo Rizzoli, Tassan Din, também acabou detido.

Meses depois da prisão dos filhos, entretanto, Andrea morreu, aos 69 anos. O milanês sofreu de insuficiência cardíaca e morreu em um hospital localizado em Nice, na França, no dia 2 de junho de 1983. Além dos filhos Angelo e Alberto, Andrea deixou duas filhas, Ammina e Isabella, e sua segunda esposa, Ljuba. Porém, dois de seus filhos dariam fim à própria vida. Em 1987, em Monte Carlo, Mônaco, Isabella, filha de Andrea e Ljuba, se suicidou, aos 24 anos. O mesmo ocorreu com outro filho, Alberto, em fevereiro de 2019, aos 74 anos, em Garzaia di Villarasca.

O império dos Rizzoli foi reduzido drasticamente, em paralelo às tragédias e a novas questões criminais – Angelone voltou a ser preso em 2013, pouco antes de morrer. Após o escândalo da década de 1980, a família precisou vender o grupo RCS, que teve diversos sócios nos anos sucessivos. Entre os ligados ao esporte, podemos citar a família Agnelli, que voltou a investir na entidade, Marco Tronchetti Provera (CEO da Pirelli e ex-acionista da Inter) e Diego Della Valle (ex-conselheiro nerazzurro e ex-dono da Fiorentina). Desde 2016, o detentor da maior parte das cotas da empresa é Urbano Cairo, presidente do Torino.

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