C’è Cannavaro, c’è capitano: um comercial com um zagueiro como protagonista dá a dimensão do tamanho de Fabio Cannavaro para o futebol. O beque foi, como gostam de dizer, geracional. Destaque de um Napoli que ia mal das pernas, líder de uma defesa fortíssima no melhor Parma da história, craque de uma Juventus que teve feitos esquecidos por causa de um escândalo de manipulação de resultados, titular da seleção italiana por 13 anos e seu capitão por oito. Com a braçadeira azzurra, levantou a taça da Copa do Mundo de 2006 e, naquela mesma época, se tornou o primeiro defensor a ser eleito melhor jogador do mundo pela Fifa. Uma lenda.
Nascido em 1973, Cannavaro chegou a seu Napoli aos 15 anos, em 1988, e lá ficou até 1995. Sua preparação para o profissionalismo coincidiu com os grandes anos do time de Diego Armando Maradona, mas o filho de Pasquale, um beque de várzea, defensor tinha outro modelo: Ciro Ferrara, de quem herdou os ótimos desarmes em carrinho, algo tão arriscado para um zagueiro. Já naquela época, era evidente seu poder de antecipação, a velocidade e a seriedade em campo. Duas grandes marcas, que fizeram o gandula do estádio San Paolo deixar a lateral esquerda e passar ao centro da retaguarda para marcar época como um dos que renovariam a função.
Mas aquela equipe de ouro deu um problema irônico a Cannavaro. Num treinamento com o time de cima, o jovem napolitano teve de marcar Maradona e o fez de forma dura, o que acabou gerando críticas internas de um dirigente partenopeo. Mas o próprio Pibe d’Oro foi seu advogado: “muito bom, assim está bem”, disse.
Fabio ainda demorou a estrear na Serie A: o fez contra a Juventus, em março de 1993, aos 19. Naqueles anos, o Napoli já tinha sérios problemas e arriscava o rebaixamento, mas Cannavaro se destacou numa equipe em queda livre e com graves necessidades econômicas, que ainda se debatia para ficar em posições de meio de tabela. Assim, passou a ser chamado para a seleção italiana sub-21, com a qual foi campeão do Europeu da categoria, em 1994.
O prêmio pelo bom desempenho foi uma transferência para um ambicioso Parma, no verão de 1995. Pelos crociati, formou uma das melhores defesas do mundo, ao lado de Gianluigi Buffon, Lilian Thuram e Roberto Sensini. Esta retaguarda foi base para que o time vencesse Coppa Italia, Copa Uefa, Supercopa Italiana e ainda faturasse um vice-campeonato da Serie A na segunda metade dos anos 1990.
Em alta no Parma, Cannavaro ainda ganhou o seu segundo Europeu Sub-21, em 1996, novamente o comando do técnico Cesare Maldini – dessa vez, porém, ainda foi eleito como craque do torneio. Em seguida, chegou à seleção profissional da Itália, debutando num amistoso contra a Irlanda do Norte, em janeiro de 1997. Estreou no segundo tempo, mas logo depois já se tornou titular – e manteve a condição por longos 13 anos, praticamente sem contestação.
O primeiro grande torneio de Cannavaro pelos azzurri foi a Copa do Mundo de 1998, na qual a Nazionale foi eliminada nas quartas de final pela França do companheiro Thuram. Na sequência, os Bleus também se impuseram sobre os itálicos na final da Euro 2000 e ficaram com o título.
Em 2001, o Parma vendeu o craque francês para a Juventus, juntamente a Buffon, e Cannavaro se tornou capitão e maior liderança do time. Por pouco tempo, entretanto: como o clube passou a enfrentar problemas financeiros, no ano seguinte o zagueiro seguiu para a Inter – antes, ainda atuou pelos ducali com Paolo, seu irmão, também defensor. Em Milão, nunca conseguiu se afirmar, muito por conta das inúmeras lesões que o afastaram de partidas ao decorrer das temporadas e pelo fato de ter sido utilizado como lateral-direito por Héctor Cúper.
Fora um golaço na goleada por 6 a 0 sobre a Reggina, Cannavaro tem pouquíssimas boas recordações da Inter: o próprio define a sua passagem pelos nerazzurri como “o momento mais difícil” de sua carreira. Não demorou para que pedisse para ser negociado. E, assim, no final da sessão de mercado do verão do hemisfério norte de 2004, após o fracasso da expedição italiana na Eurocopa, terminaria envolvido numa das transações mais estranhas da história da Beneamata – uma troca pelo uruguaio Fabián Carini, que seria apenas goleiro reserva em Milão. Fabbio, ao contrário, foi parar na Juventus de Fabio Capello, onde reencontrou Buffon, Thuram e Ferrara.
Em Turim, esteve em grande forma na conquista dos títulos italianos de 2005 e 2006, ambos posteriormente revogados após o Calciopoli, o escândalo de manipulação de resultados que chacoalhou a Itália e rebaixou a Juventus à Serie B, como punição por envolvimento de alguns importantes diretores. A rigor, Cannavaro viveu o seu auge por clubes naquele período. Entre os dois scudetti, o zagueiro sofreu com as acusações de doping após o vazamento de uma filmagem que o flagrava injetando uma substância em si mesmo antes da final da Copa Uefa conquistada pelo Parma, em 1999. Mais tarde, o caso foi arquivado pelo Comitê Olímpico.
As turbulências pelas quais Cannavaro passava foram momentaneamente esquecidas no verão europeu de 2006. Na Copa do Mundo, o zagueiro teria o dever de, no auge de sua carreira, ser um muro na Itália de Marcello Lippi – técnico que o projetara profissionalmente, nos tempos de Napoli. Fabio era o capitão da Nazionale desde 2002, com a aposentadoria de Paolo Maldini, e precisava liderar a equipe rumo a águas tranquilas, numa campanha que apagasse o fracasso na Euro 2004, competição em que os azzurri foram eliminados na fase de grupos e que aplacasse o rebuliço extracampo, que manchava a imagem da Serie A.
O elenco da Itália era fortíssimo e se esperava que a Itália, ainda que abalada com o escândalo, competisse pelo título mundial. O que ocorreu, graças ao protagonismo do camisa 5. Beirando os 33 anos, Cannavaro se destacou na Alemanha com desarmes impecáveis, velocidade e força, além de um senso de posicionamento absurdo: a sua atuação contra os donos da casa, na semifinal de Dortmund, entrou para os anais do futebol. Em Berlim, após a revanche sobre a França, Fabio levantou a taça e ficou eternizado como capitão do tetracampeonato azzurro.
Em alta, Cannavaro teria uma decisão difícil após voltar para a Itália com a taça debaixo do braço: aproveitar o grande momento nos maiores palcos do futebol mundial ou ser fiel ao contrato e disputar a Serie B com a Juventus? O zagueiro optou pela segunda alternativa e, ao pedir para deixar Turim, foi visto como traidor pela torcida bianconera.
Em julho de 2006, foi negociado com o Real Madrid, que o contratava a pedido de Capello – sim, o técnico voltou à Espanha em meio ao Calciopoli. Na capital espanhola, Cannavaro terminou eleito como Melhor do Mundo pela Fifa, sendo o primeiro zagueiro a ganhar o prêmio, e também faturou a Bola de Ouro da France Football. Herdou, ainda, a camisa 5 merengue, que era utilizada por Zinédine Zidane, aposentado após a decisão de Berlim.
Cannavaro ganhou os dois primeiros títulos que disputou na primeira divisão, mas La Liga não bastava: se tornou um dos símbolos de um time que vencia sem dar espetáculo e viu seu rendimento despencar em seu terceiro ano em Chamartín, num período de pressão pelos fracassos na tentativa de conquista da décima taça da Champions League, em oposição a um período dourado do rival Barcelona. Ao fim de seu contrato, em 2009, resolveu voltar à Juventus para um contrato de um ano, renovável por mais dois.
Até aquele momento, eram poucas as manchas em sua carreira: apenas a acusação por doping, a passagem apagada pela Inter e… a suposta traição atribuída a ele por parte da torcida da Juventus, no episódio da transferência ao Real Madrid. Sua volta foi inicialmente criticada por esses torcedores. O restante até teve boa vontade com o craque, mas isso durou pouco.
Cannavaro se transformou de lenda num dos jogadores mais contestados na pior campanha da Juventus em décadas, a ponto de às vezes ser mandado ao banco por Alberto Zaccheroni, com quem não tinha tido boa experiência na Inter. A cada jogo da melancólica trajetória da Velha Senhora, que foi sétima colocada da Serie A e eliminada nas oitavas de final da Liga Europa após ser goleada pelo Fulham, ficava mais claro que a idade pesava até para aquele que, para muitos, foi o melhor defensor do mundo por um bom período dos anos 2000.
Era preocupante que a Nazionale tivesse uma dependência tão grande de seu capitão, cujo rendimento não espelhava as glórias do passado. Cannavaro, machucado, não havia participado da campanha da Euro 2008, sob o comando de Roberto Donadoni, mas tinha cadeira cativa com Lippi, que retornara à seleção em seguida. A fé cega do técnico tetracampeão no grupo vitorioso na Alemanha pagou seu preço. Os alertas na péssima campanha na Copa das Confederações de 2009, quando a Itália foi eliminada na primeira fase, não foram suficientes.
A apaixonada defesa que Fabio fazia do comandante Lippi em entrevistas à imprensa ruiria como um castelo de areia, em 2010. Fora de forma, o zagueiro falhou nos três jogos da Itália na Copa do Mundo – disputada na África do Sul – e, repetindo a tétrica forma da Juventus, foi responsável direto pela eliminação azzurra num grupo acessível, com Paraguai, Eslováquia e Nova Zelândia.
Após ser o símbolo do fracasso da Itália na Copa de 2010, Cannavaro se aposentou da seleção. Durante muito tempo, até a ultrapassagem de Buffon, foi o recordista em aparições e em jogos como capitão pela Nazionale – 136 e 79, respectivamente. O napolitano também deixou a Juventus ao fim da temporada e rumou ao Al-Ahli, dos Emirados Árabes, onde continuou dando vexame até pendurar as chuteiras, em 2011, aos 38 anos.
O melancólico fim de carreira, no entanto, não arranha de maneira tão profunda a imagem do capitão. Alguns erros estratégicos e falta de bom senso em alguns momentos de sua carreira não apagam a memória dos que viram Cannavaro jogar e, na metade da primeira década deste século, o enxergaram como um dos grandes zagueiros que o futebol italiano produziu.
Fora dos campos, Fabio continuou ligado ao esporte. Depois de ser embaixador e consultor do Al-Ahli, Cannavaro obteve a licença para ser técnico e iniciou sua carreira como comandante na Ásia. Por lá, reeditou a parceria com Lippi no Guangzhou Evergrande, em sua primeira experiência, e ao ser interino da seleção da China. O ex-zagueiro ganhou títulos nacionais pelos tigres do sul chinês e também teve sucesso no Tianjin Quanjian, da segundona. Ainda passou pelo Al-Nassr, da Arábia Saudita.
No futebol europeu, Cannavaro segue em busca de sucesso. Até ensaiou uma volta à Campânia, em 2002-23 mas fracassou clamorosamente no Benevento: fez péssima campanha e foi demitido antes de o time ser rebaixado à terceira divisão italiana. Em 2024, recebeu a oportunidade de estrear na elite numa Udinese enrascada, flertando com o descenso. Uma missão dura, mas nada que assuste uma lenda de sua envergadura.
Fabio Cannavaro
Nascimento: 13 de setembro de 1973, em Nápoles, Itália
Posição: zagueiro
Clubes como jogador: Napoli (1992-95), Parma (1995-2002), Inter (2002-04), Juventus (2004-06 e 2009-10), Real Madrid (2006-09) e Al-Ahli (2010-11)
Títulos como jogador: Europeu Sub-21 (1994 e 1996), Coppa Italia (1999 e 2002), Copa Uefa (1999), Supercopa Italiana (1999), Copa do Mundo (2006), La Liga (2007 e 2008) e Supercopa da Espanha (2008)
Carreira como treinador: Guangzhou Evergrande (2014-15 e 2017-21), Al-Nassr (2015-16), Tianjin Quanjian (2016-17), China (2019), Benevento (2022-23) e Udinese (2024)
Títulos como treinador: Segunda Divisão Chinesa (2016), Supercopa da China (2018) e Campeonato Chinês (2019)
Seleção italiana: 136 jogos e 2 gols