Um dos filhos mais ilustres da pequena cidade de Pescina, próxima a Pescara, Luciano Zauri foi sinônimo de liderança na Lazio, ao longo de sete temporadas. O lateral, que também teve passagens por outros clubes importantes, como Atalanta, Fiorentina e Sampdoria, é conhecido por todos na pequena comuna com a qual jamais deixou de manter laços, ao mesmo tempo que também é lembrado e reverenciado pela metade celeste de Roma.
Luciano costumava bater bola com Stefano, seu irmão, na Praça XXIV de Maio, localizada no centro de sua cidadezinha natal, e passou a se inscrever em peneiras de clubes profissionais na adolescência. No início da década de 1990, deixou o Pescina, time amador em que era treinado por Gianfranco, seu tio, para rumar à Atalanta. A Dea organizou um teste para descobrir novos atletas, mas foi justamente Zauri, que não participou dos exames, que fez brilharem os olhos de Bixio Liberale, observador dos bergamascos. O caça-talentos, que também foi o responsável por Domenico Morfeo e Simone Zaza à equipe nerazzurra, se interessou pela qualidade técnica do garoto enquanto ele brincava à beira do campo.
Dois anos mais jovem do que os companheiros de base, Zauri sofreu no início em Bérgamo. Chorava dia e noite no alojamento e não via a hora de voltar para casa. Foi seu tio Gianfranco quem o convenceu a ficar. Os seus pais, Enzo e Giovanna, também se mudaram para o norte da Itália junto com os irmãos de Luciano, no intuito de lhe darem suporte. Em campo, apesar de mais novo do que os colegas, se destacava a ponto de fazer quatro ou cinco gols num único jogo. Na época, ele era atacante.
Ainda nos juvenis, Zauri foi transformado em lateral pelo técnico Cesare Prandelli e, nessa nova função, passou a somar convocações para as seleções de base da Itália. Foi na linha de defesa que Luciano estreou profissionalmente pela equipe nerazzurra, aos 19 anos, no fim da temporada 1996-97. Após receber duas chances de Emiliano Mondonico, o jogador foi emprestado ao Chievo para ganhar experiência.
Depois de ajudar o time de Verona a ficar no meio da tabela na segundona, Zauri retornou à Atalanta e passou a ganhar espaço na equipe, que fora rebaixada à Serie B nesse ínterim. No retorno a Bérgamo, Luciano mostrou uma de suas maiores qualidades: a versatilidade. Vestindo a camisa nerazzurra, o atleta natural dos Abruzos atuou como lateral e ala pelos dois flancos, principalmente o esquerdo, e também como zagueiro e volante.
Fazendo de tudo, Luciano foi um dos grandes destaques do time que voltou à primeira divisão na temporada 1999-2000, após dois anos na Serie B. O lateral se manteve intocável no onze inicial de Giovani Vavassori e, após ajudar a Atalanta a abocanhar uma surpreendente sétima posição na elite, em 2000-01, recebeu de Giovanni Trapattoni a chance de estrear pela seleção italiana em setembro de 2001, numa vitória por 1 a 0 em amistoso contra Marrocos. Uma sensação inigualável, nas palavras do ex-jogador. “A convocação para a Nazionale foi a coroação do meu sonho. Escutar o hino no campo e poder vestir a camisa azzurra é uma emoção que guardarei para toda a vida”, disse, em entrevista ao Corriere dello Sport, em 2021.
Zauri seguiu como pilar da Atalanta até 2003 e, nesse período, ganhou outras oportunidades na Nazionale. Após o rebaixamento da Dea, o lateral foi contratado pela Lazio juntamente a Ousmane Dabo, seu companheiro de equipe, a pedido do técnico Roberto Mancini. No total, a cria de Pescina realizou 175 partidas com a camisa nerazzurra.
Em poucas semanas, Luciano passou do descenso à segunda divisão à disputa da etapa preliminar da Champions League – que foi superada, permitindo à Lazio ter acesso à fase de grupos do torneio. Era uma perfeita síntese da mudança de patamar de Zauri, que se juntou a um time que, apesar dos problemas financeiros, ainda contava com estrelas, como Angelo Peruzzi, Massimo Oddo, Fernando Couto, Jaap Stam, Sinisa Mihajlovic, Dejan Stankovic, Demetrio Albertini, Stefano Fiore, Simone Inzaghi e Claudio López. Em sua primeira temporada na capital, o lateral viria a conquistar a Coppa Italia, sua única taça levantada como profissional.
De início, Zauri foi ofuscado por Giuseppe Favalli, bandeira laziale e bruxinho de Mancini. Por causa disso, atuou mais como meio-campista e até como ponta-direita. Mas, aos poucos, Luciano foi conquistando seu espaço no time principal e, em 2004, com a saída do lateral para a Inter, se tornou o seu herdeiro.
Em 2004-05, aliás, Luciano ficou marcado por uma defesa com a mão, em cima da linha, num jogo contra a Fiorentina, válido pela penúltima rodada da Serie A. A intervenção não foi vista pelo árbitro Roberto Rosetti e a partida, que terminou empatada em 1 a 1, praticamente salvou os celestes do rebaixamento naquela temporada. A Viola, que também corria risco de cair, só garantiu a permanência na derradeira jornada.
Nas duas temporadas seguintes, o abruzês conquistou um posto de titular absoluto na lateral esquerda da equipe treinada por Delio Rossi – e, inclusive, ganhou novas convocações para a seleção italiana, embora sem ter recebido a chance de entrar em campo com a camisa azzurra. Zauri também exerceu seu papel de líder do elenco celeste para ajudar a segurar as pontas quando as punições referentes ao Calciopoli, escândalo de manipulação de resultados do qual diretores do clube participaram, deixaram o cenário nebuloso na capital. A Lazio deu a volta por cima e ainda terminou a edição 2006-07 da Serie A em terceiro.
Zauri vestiu a camisa biancoceleste por cinco temporadas consecutivas – sendo a última delas comprometida por uma lesão. Em 2008, foi negociado junto à Fiorentina, num empréstimo com opção de compra, a pedido de Prandelli. O treinador queria que Luciano assumisse a vaga de Tomás Ujfalusi na lateral direita, mas, apesar de contar com o apreço do técnico violeta, o reforço não se firmou em Florença.
Luciano vestiu a camisa da Fiorentina por apenas um ano. No período, alternou no flanco destro da defesa com Gianluca Comotto, mas, devido a sua experiência internacional, foi o preferido para os duelos válidos por competições europeias – na Serie A, o concorrente jogava mais. No fim das contas, Zauri acumulou 26 aparições pelos gigliati e, após ajudá-los a ficarem com a quarta posição no Italiano, retornou à Lazio. Sem espaço no time celeste, então comandado por Edoardo Reja, o lateral foi emprestado novamente, dessa vez para a Sampdoria.
Em Gênova, Zauri foi do céu ao inferno algumas vezes. O lateral começou sua trajetória como reserva do suíço Reto Ziegler, dono da faixa esquerda, mas logo superou o lituano Marius Stankevicius e se tornou titular do flanco direito. Por ali, ajudou o time treinado por Luigi Delneri a ser uma das sensações da Serie A, numa campanha que terminou com a quarta posição. Assim, a Sampdoria teve a chance de disputar a Champions League.
O ano seguinte, que tinha tudo para ser de sonho, se tornou um pesadelo para os blucerchiati. Com empréstimo renovado, Zauri manteve o posto como lateral-direito da equipe, mas não conseguiu evitar o desastre. Delneri partiu para a Juventus e Domenico Di Carlo, seu substituto, conduziu a Sampdoria à eliminações na etapa preliminar da Liga dos Campeões e na fase de grupos da Europa League. No Italiano, o péssimo desempenho resultou na queda do treinador. Contratado na reta final da temporada, Alberto Cavasin foi incapaz de evitar o rebaixamento dos dorianos para a Serie B.
Após a queda da Samp, Luciano estava de volta à Cidade Eterna. O lateral reencontrou Reja no comando técnico e um elenco com nomes como o argentino Lionel Scaloni, o bósnio Senad Lulic, o alemão Miroslav Klose, o romeno Stefano Radu, os brasileiros André Dias e Hernanes, além dos italianos Tommaso Rocchi e Stefano Mauri, lideranças da equipe. Escanteado, Zauri fez apenas 12 partidas na temporada, concluída com o quarto lugar na Serie A.
Nesse período, o jogador viveu uma situação inusitada fora dos gramados. O lateral salvou uma menina de 7 anos, que tinha caído em um poço num restaurante que ele frequentava, perto do estádio Olímpico: se lançou no buraco com uma corda e puxou a garota, que tinha água na altura de seu pescoço. Curiosamente, a jovem é neta de Zbigniew Boniek, ídolo da Roma e um dos maiores nomes do futebol polonês, e fruto do casamento de Karolina, caçula de Zibi, com o ex-tenista Vincenzo Santopadre.
Poucos dias depois de ter sido herói em Roma, Zauri voltou para os Abruzos. Em janeiro de 2013, o lateral encerrou a sua passagem pela Lazio com 178 partidas e rumou ao Pescara, que tentava protagonizar um milagre para não ser rebaixado à Serie B. No fim das contas, os golfinhos tiveram a pior campanha de um time na elite desde 1950 e terminaram o certame com 28 derrotas em 38 rodadas. Luciano atuou apenas oito vezes pelos biancazzurri.
Zauri permaneceu no Pescara em 2013-14, no intuito de contribuir para que o time pudesse lutar pelo retorno à elite. No entanto, a temporada se revelou muito mais complicada do que o previsto e os golfinhos concluíram o certame na parte inferior da tabela. Aos 36 anos, então, o lateral pendurou as chuteiras.
De imediato, Zauri se tornou treinador das categorias de base dos biancazzurri. Foi também auxiliar de Oddo na equipe principal do Pescara teve duas experiências malsucedidas como técnico do time profissional – em 2019-20, na Serie B, e em 2021-22, na C. Além disso, foi colaborador do ex-colega de Lazio na Udinese, em 2017-18, e comandou a formação sub-19 do Bologna, em 2020-21.
Enquanto espera por novas oportunidades, Luciano aproveita para curtir sua terra natal. Um dos cidadãos mais ilustres de Pescina, o ex-jogador jamais deixou de esconder suas origens e, várias vezes, levou companheiros de equipe para visitá-la. “Para Zauri, a Praça XXIV de Maio é como a Times Square e o estádio municipal como o Madison Square Garden. É a sua Nova York”, brincou o prefeito da comuna, Stefano Iulianella.
Luciano Zauri
Nascimento: 20 de janeiro de 1978, em Pescina, Itália
Posição: lateral-direito e lateral-esquerdo
Clubes: Atalanta (1996-97 e 1998-2003), Chievo (1997-98), Lazio (2003-08 e 2011-13), Fiorentina (2008-09), Sampdoria (2009-11) e Pescara (2013-14)
Título: Coppa Italia (2004)
Clubes como treinador: Pescara (2019-20 e 2022)
Seleção italiana: 5 jogos