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A carreira de Gaetano D’Agostino degringolou após acerto com o Real Madrid melar

Ivo Mauro

Quão grande pode ser a desilusão de um atleta por não conseguir concretizar o grande salto de sua carreira? Para o meia Gaetano D’Agostino, o desapontamento representou uma autêntica derrocada em sua trajetória nos gramados. No verão europeu de 2009, depois de ter sido um dos melhores jogadores da Serie A com a camisa da Udinese, também se tornou um dos mais cobiçados por grandes clubes – como a Juventus e, principalmente, o Real Madrid, que ficou a um passo de levá-lo à Espanha. Porém, o fracasso nas negociações com os merengues levou o italiano a um lugar bem menos brilhante na história do futebol.

Como muitos jovens nascidos no sul da Itália, Gaetano tem origem humilde. Natural de Palermo, capital da Sicília, é filho de Giuseppe D’Agostino, homônimo de um dos chefes da organização mafiosa ‘Ndrangheta. Seu pai, contudo, teve relações com a criminalidade através de favores pedidos à família Graviano: ligados à máfia calabresa e também à Cosa Nostra, os irmãos que coordenavam o grupo teriam arranjado um teste no Milan para o meia, no início dos anos 1990. Contudo, ele não passou na peneira.

Meio-campista ofensivo e técnico, com um pé esquerdo refinado, D’Agostino se desenvolveu mesmo nos times juvenis do Palermo. Num único ano entre os garotos do clube siciliano, chegou a marcar 100 gols e foi notado por Franco Sensi, excêntrico presidente da Roma, que também assumiria a equipe rosanero. O cartola, então, decidiu contratar Gaetano, aos 16, para fazê-lo amadurecer na capital italiana.

O começo não foi fácil: “Eu tinha 16 anos, catapultado de Palermo para Trigoria. Tudo bem, mas estava acostumado com o meu bairro, onde eu estava sempre na rua, e me senti um pouco confinado. Eu dividia o quarto com [Maurizio] Lanzaro e lembro que fugimos de Trigoria porque nos sentíamos perseguidos. Bruno Conti me acolheu e, por um tempo, vivi em sua casa, com Daniele [Conti]. Então, depois de um ano, meus pais foram ficar comigo em Roma e eu encontrei o ambiente familiar novamente”, contou ao site Voce Giallorossa.

D’Agostino surgiu como meia ofensivo na Roma, mas teve dificuldades de se firmar na posição (imago/Camera 4)

Na Roma, D’Agostino participou das conquistas dos títulos dos Giovanissimi Nazionali e dos Allievi Nazionali em 1998-99, e na temporada seguinte chegou ao time principal, comandado por Don Fabio Capello. Ainda jogando como meia-atacante, ele estreou profissionalmente numa goleada por 4 a 1 sobre o Gorica, pela Copa Uefa, em 2000-01. Na campanha do terceiro scudetto romanista, Gaetano atuou num jogo contra o Brescia, terminado com o placar de 4 a 2 para os giallorossi. Entrou como meia pela esquerda, aos 75 minutos, e foi sacado antes do fim da peleja para não ser expulso.

Era evidente que D’Agostino ainda precisava amadurecer – e de mais espaço. Após somente quatro jogos pela Roma, Gaetano teve metade dos seus direitos vendidos ao Bari, como parte do acordo que levou um jovem Antonio Cassano para a capital. Vestindo a camisa 10, o siciliano se destacou no time da Apúlia, pelo qual realizou duas campanhas de meio de tabela na Serie B e, principalmente, alcançou as quartas de final da Coppa Italia, em 2002-03. No mata-mata nacional, o meia marcou um gol decisivo para eliminar a Inter, nas oitavas – no agregado, os galletti fizeram 3 a 1 sobre os nerazzurri.

D’Agostino anotou cinco tentos em 70 partidas pelo Bari e voltou à Roma na temporada 2003-04. Havia grande expectativa de que, dessa vez, ele se firmasse na Cidade Eterna, mas não foi o que ocorreu: em um ano e meio, não chegou a passar 2 mil minutos nos gramados. Mesmo assim, integrou a convocação da seleção italiana sub-21 que foi campeã europeia da categoria, no verão de 2004.

Na capital, Gaetano continuou a ser utilizado como meia ofensivo, para que pudesse desfrutar de seu bom poder de finalização. Mas, como muitos outros “camisas 10” do futebol italiano, sofreu com o posicionamento em campo. Naquela época, a Serie A era muito disputada e física, de modo que era difícil se firmar. Até o compatriota Andrea Pirlo, de geração anterior à dele, sofreu com essa situação e só estourou após ser recuado.

No Messina, o siciliano começou a encontrar o melhor posicionamento para mostrar a sua qualidade (imago/IPA Photo)

Com D’Agostino não foi diferente. Seu futebol passou a apresentar maior regularidade depois que ele começou a atuar como meia central. Seu reposicionamento não foi imediato: aconteceu pouco a pouco, a partir de meados de sua passagem pelo Messina, clube pelo qual assinou em janeiro de 2005. Na Sicília, onde nascera, viu sua carreira tomar um novo rumo.

O início da sua experiência pelo Messina não poderia ser pior, no entanto: logo no segundo jogo, contra o Chievo, foi expulso. Só que D’Agostino, ainda atuando frequentemente como trequartista, se tornaria uma peça importante para que Riccardo Zampagna marcasse seus gols. Além disso, contribuiu com uma assistência em vitória sobre a Inter, no estádio San Filippo, e com tentos em triunfos nos confrontos diretos com o Cagliari e a Reggina, maior rival dos peloritani, em pleno Derby dello Stretto. Tais resultados fizeram com que os sicilianos concluíssem a Serie A numa histórica sétima posição.

Por conta do bom desempenho com a camisa biancoscudata, D’Agostino foi adquirido em definitivo pelo Messina no verão de 2005. A partir de então, começou a sua transição como meio-campista: o técnico Bortolo Mutti passou a experimentá-lo como regista, ao lado de Massimo Donati e Carmine Coppola, para que a qualidade no passe do siciliano pudesse fazer o jogo da equipe fluir melhor. Embora Gaetano tenha se adaptado à função, os peloritani só não foram rebaixados porque eclodiu o escândalo Calciopoli e a Juventus, punida com o descenso por participação de diretores no esquema de manipulação de resultados, tomou o seu lugar na Serie B.

Após o ano negativo do Messina, Gaetano trocou de clube em julho de 2006, e acertou com a Udinese. Inicialmente, o siciliano foi utilizado como opção a Sulley Muntari, mas já frequentemente atuando como meia central – tanto sob as ordens de Giovanni Galeone quanto de Alberto Malesani. Depois de uma campanha de meio de tabela pelos bianconeri, D’Agostino se tornou titular em 2007-08, por conta da venda do colega ganês ao Portsmouth, e logo entregou um rendimento satisfatório: seis assistências que ajudaram os friulanos a ficar com o sétimo lugar, que rendia uma vaga na Copa Uefa.

Na Udinese, ao lado de nomes como Quagliarella e Inler, D’Agostino atingiu o seu ápice (Reuters)

A terceira temporada de D’Agostino pela Udinese seria a mais gloriosa de sua carreira: aos 26 anos, atingiu o seu melhor desempenho como atleta, de longe. Em 2008-09 o clube bianconero, comandado pelo técnico Pasquale Marino, chegou até as quartas de final da Copa Uefa e repetiu o sétimo lugar da campanha anterior na Serie A, garantindo nova participação na competição continental.

O meio-campista italiano terminou o certame nacional como um dos melhores da posição e ocupando o posto de destaque absoluto de sua equipe, que ainda tinha nomes como Samir Handanovic, Cristián Zapata, Mauricio Isla, Gökhan Inler, Kwadwo Asamoah, Fabio Quagliarella, Alexis Sánchez e Antonio Di Natale. D’Agostino simplesmente forneceu nove assistências e anotou 11 gols, sendo seis de pênalti e quatro de falta. Letal na bola parada e com visão de jogo invejável, contribuiu diretamente para que a Udinese batesse adversários gabaritados, como Juventus, Fiorentina, Lazio e Milan.

Obviamente, o altíssimo desempenho de D’Agostino fez com que alguns dos maiores clubes do mundo pensassem nele como reforço. O primeiro time que chegou perto de fechar com a Udinese foi a Juventus. A Velha Senhora atravessava uma fase de reconstrução, tentando se reerguer após o Calciopoli, e entrou em acordo com Gaetano e os friulanos em março de 2009. No entanto, a segunda parte da temporada do regista foi incrível – marcou oito gols e forneceu quatro assistências no returno da Serie A – e fez com que a equipe de Údine pedisse mais dinheiro pela transferência.

“Estava praticamente tudo feito, mas a Udinese subiu o preço e quis incluir os direitos a metade de [Claudio] Marchisio, [Sebastian] Giovinco e [Paolo] De Ceglie no negócio. O novo pedido de 25 milhões de euros acabou com o acordo”, explicou depois D’Agostino, que acabou recusando uma proposta do Napoli por causa do desejo de jogar na Juventus.

Depois de brilhar pela Udinese, D’Agostino foi sondado por gigantes do futebol mundial (AFP/Getty)

Depois que a Juve desistiu do negócio, surgiu uma outra oportunidade gigantesca. O clube mais rico e poderoso da Europa, o Real Madrid, conversou com Gaetano e entrou num acordo com o jogador siciliano. Só que, mais uma vez, a Udinese pediu demais e o time madrilenho contratou Xabi Alonso no lugar do italiano.

Enquanto as negociações aconteciam – e fracassavam –, D’Agostino estreou pela seleção italiana num amistoso contra a Irlanda do Norte, vencido por 3 a 0. Apesar disso, o meia perdeu a possibilidade de disputar a Copa das Confederações de 2009, na África do Sul. O treinador da Squadra Azzurra, Marcello Lippi, optou por deixá-lo de fora da convocação para que pudesse lidar com os rumores de uma eventual transferência e definir o seu destino.

O verão europeu de 2009 foi, então, o momento mais marcante, em negativo, da carreira de D’Agostino. A vontade frustrada de se transferir a um grande clube impactou em suas atuações, embora ele ainda tenha vestido a camisa da Itália em mais quatro partidas, até outubro daquele ano. Dali em diante, o seu rendimento caiu bruscamente e uma lesão no joelho, em março de 2010, selou o seu destino: nada de Copa do Mundo para ele. O fato é que Gaetano pouco ajudou a Udinese numa temporada muito inferior às expectativas, na qual as defesas de Handanovic e os 29 gols de Di Natale foram vitais para que a equipe ficasse na 15ª posição da Serie A.

No início de junho de 2010, cerca de um ano depois de quase ter parado na Juventus ou no Real Madrid, D’Agostino se transferiu, em copropriedade, para a Fiorentina, que pagou apenas 4,5 milhões de euros por metade do seu passe, deixando a Udinese após 130 partidas, 12 gols e 22 assistências. Sem dúvidas, um abrupto redimensionamento de carreira para o siciliano, visto que a Viola passava por um momento de transição, marcado pelo fim do ciclo de Cesare Prandelli e o início do trabalho de Sinisa Mihajlovic. O objetivo da equipe de Florença era brigar, correndo por fora, por uma vaga na Liga Europa. Nada comparável à ribalta de Turim ou de Madrid.

Na Fiorentina, após negociações frustradas com Juventus e Real Madrid, o meio-campista teve seus últimos bons momentos (Getty)

A passagem por Florença serviu para D’Agostino colocar a cabeça no lugar, com a ajuda da esposa, Selene, e da religião – nesse período, se converteu ao evangelismo e se associou ao grupo Atletas de Cristo. Em termos esportivos, contudo, Gaetano se desestimulava progressivamente. Pela Fiorentina, apesar de sucessivas lesões, teve os derradeiros momentos razoáveis da carreira, contribuindo com cinco gols e duas assistências em 21 partidas. No time violeta, o seu jogo mais lembrado foi o seu penúltimo na temporada 2010-11, quando guardou dois tentos na vitória por 5 a 2 sobre a Udinese, sua antiga equipe.

Depois do rendimento mediano pela Fiorentina, o meio-campista teve a metade do seu passe readquirida pela Udinese, por apenas 111 mil euros, e foi prontamente revendido ao Siena, que retornava à Serie A. Com quatro gols em 2011-12, D’Agostino ajudou os bianconeri a se manterem na elite e serem semifinalistas da Coppa Italia, mas não foi além. Em 2012-13, inclusive, conseguiu integrar os elencos de dois rebaixados: o do próprio time toscano, penúltimo colocado, que defendeu na metade inicial do campeonato, e o do lanterna Pescara, que representou de janeiro em diante. Era o prenúncio de que a sua carreira estava chegando ao fim.

Dali em diante, D’Agostino nunca mais ultrapassou a marca de 20 partidas realizadas por campanha – e sequer voltou a disputar uma Serie A. Em 2013-14, o meia defendeu o Siena, na segundona, e, na sequência, rumou à quarta divisão para representar o Fidelis Andria. Com apenas 32 anos, cinco temporadas após quase parar no Real Madrid, Gaetano se tornava um jogador de liga semiprofissional.

D’Agostino deu uma pequena contribuição para o acesso do Fidelis Andria à Serie C e, na sequência, integrou o elenco do Benevento que quase subiu para a segundona. Em 2015-16, o siciliano disputou a sua última temporada como atleta e se despediu dos gramados numa péssima campanha com a Lupa Roma, que militava na terceira categoria. Aos 34 anos, pendurava as chuteiras.

Rebaixado por Siena e Pescara, D’Agostino entrou em trajetória descendente após frustração esportiva (imago/AFLOSPORT)

Embora tenha se aposentado, D’Agostino continuou ligado ao futebol. Abriu uma escolinha em Florença, onde fixou residência com esposa e filhos, e também se tornou técnico. Gaetano teve sucesso ao salvar o Anzio da queda para a quinta divisão e fez boas campanhas por Virtus Francavilla e Lecco, que fez brigar pelo acesso à Serie B. Por Alessandria e Vibonese, também da terceira categoria, fracassou.

Ainda hoje muitos se recordam de Gaetano como um talento que acabou se perdendo pelo caminho. E o próprio palermitano continua requisitado a falar sobre aquela oportunidade perdida de atuar ao lado de jogadores como Guti, Kaká e Rafael van der Vaart.

Numa entrevista de 2014, concedida ao portal Panorama, D’Agostino mostrou que se ressente de não ter conseguido fazer valer a sua vontade naquela época e apontou o dedo para o sistema econômico da indústria esportiva. “Me senti um produto. Nós, jogadores de futebol, somos apenas produtos para os nossos clubes. Sentimentos e desejos não interessam”. Palavras emblemáticas, que demonstram como aquelas duas transferências malsucedidas foram determinantes, em negativo, na carreira e na vida dele.

Gaetano D’Agostino
Nascimento: 3 de junho de 1982 em Palermo, Itália
Posição: meio-campista
Clubes: Roma (1999-2001 e 2003-05), Bari (2001-03), Messina (2005-06), Udinese (2006-10), Fiorentina (2010-11), Siena (2011-13 e 2013-14), Pescara (2013), Fidelis Andria (2014), Benevento (2014-15) e Lupa Roma (2015-16)
Títulos: Serie A (2001) e Europeu Sub-21 (2004)
Clubes como treinador: Anzio (2016-17), Virtus Francavilla (2017-18), Alessandria (2018-19), Lecco (2019-21) e Vibonese (2021-22)
Seleção italiana: 5 jogos

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