Brasileiros no calcio

O volante Gérson Caçapa saiu do Brasil para se tornar ídolo no futebol italiano

O auge técnico e econômico do futebol italiano seduziu vários brasileiros nas décadas de 1980 e 1990. Independentemente do clube de que viesse, uma proposta vinda da Itália era praticamente irrecusável, seja pela vitrine europeia, seja pelos valores discrepantes, em comparação ao Brasil. Naqueles tempos, Gérson Cândido de Paula, ou simplesmente Gérson Caçapa, optou por dizer sim para o Bari, recém-promovido na Serie A, no momento que era titular consolidado do Palmeiras. Uma transferência impensável nos dias de hoje, mas condizente com a realidade da época. E que fez do meio-campista um ícone na Apúlia.

Natural da capital paulista, Caçapa é cria da Academia. Ele passou por todas as categorias do setor juvenil palestrino –  Infantil, Juvenil e Juniores – e foi destaque em todas as etapas. Em 1985, o desempenho na Copa São Paulo de Futebol Júnior alçou o volante aos profissionais. Sua estreia foi em um Choque-Rei, frente ao São Paulo.

Curiosamente, um dos gols marcantes de Gérson pelo Palmeiras foi realizado em outro dérbi, no Paulistão de 1988, que eliminou o São Paulo e classificou o Corinthians para a final. Versátil, Caçapa geralmente ocupava a meia-direita, mas se apresentava em todas as fases do meio-campo e não teve problemas para cavar espaço no time alviverde.

Caçapa deixou o Palmeiras em 1989, com 203 partidas e sete gols anotados. O seu destino era a região da Apúlia, no sul da Itália. Na época, o jornal La Repubblica escreveu que o ítalo-brasileiro José Altafini teria indicado Gérson ao Bari e dito que ele seria capaz de atuar em vários papéis, lembrando Dunga, mesmo que não tivesse a mesma potência no chute. João Paulo, ex-Guarani, acompanhava o volante e desembarcava no “calcanhar da Bota”, para defender os galletti naquele mesmo ano.

João Paulo, o argentino Néstor Lorenzo e Gérson: os estrangeiros do Bari em 1989-90 (Wikipédia)

Titular em quase toda a Serie A, o brasileiro contribuiu para uma temporada em que o Bari conseguiu ficar acima de suas pretensões. O time treinado por Gaetano Salvemini se destacou pelo equilíbrio – e Gérson, autor de 37 jogos e dois gols no ano, foi um dos grandes responsáveis por isso. O volante foi o atleta biancorosso que mais somou aparições e fez uma dupla sólida com Angelo Carbone na contenção, possibilitando que João Paulo, Antonio Di Gennaro e Pietro Maiellaro tivessem liberdade para criar. Dessa forma, os galletti encerraram a campanha no meio da tabela, sem risco de rebaixamento.

Além disso, naquela mesma temporada, o Bari também conquistou a Copa Mitropa – o seu primeiro troféu internacional. Gérson, que disputou duas das três partidas da competição, contra o Pécsi e o Genoa, levantava o um caneco de forma inédita, pouco antes de completar 23 anos.

Graças a seu enorme comprometimento, Caçapa rapidamente ganhou o apreço da torcida do Bari, que lhe apelidou de Gegè – lê-se “Gegê”. E, em 1990-91, o volante voltou a emprestar sua força física para levar o time de Salvemini a mais uma tranquila permanência na elite, desta vez com o 13º lugar. Novamente, o paulistano foi o jogador biancorosso que mais vezes entrou em campo, com 37 aparições.

Mesmo com atuações regulares e ocupando o posto de pilar do time, Gérson viu sua estadia na Bota se estender apenas à janela de transferências do verão de 1991. Em meio à chegada de uma comitiva croata, composta pelo ala Robert Jarni e o trequartista Zvonimir Boban, além do inglês David Platt, ele foi negociado por empréstimo ao Fenerbahçe, já que havia uma limitação de estrangeiros vigente no futebol italiano.

Caçapa e Guerrero tiveram bom rendimento no Bari durante a temporada 1994-95 (Ma Che Sanno)

Na Turquia, encontrou estabilidade e descobriu seu instinto “artilheiro” ao ser escalado como meia ofensivo e balançar as redes por nove oportunidades em 26 jogos. No entanto, o Fenerbahçe terminou atrás do campeão Besiktas. Caçapa permaneceu no Fener na temporada seguinte e não evitou vexames históricos: os auriazuis ficaram com o quinto lugar na liga e foram eliminados na segunda fase Copa da Uefa, com direito a um 7 a 1 aplicado pelo Sigma Olomouc. Apesar de campanhas sem tanto brilho, Gérson é lembrado com carinho pelos Canários Amarelos. “Conheci outro mundo e me senti bem”, contou ao site Fotospor, sobre a aventura em Istambul.

Ainda vinculado ao Bari, rebaixado para a segunda divisão, Gérson reencontrou a Itália em 1993. No entanto, foi pivô de um dos negócios mais tresloucados do presidente Vincenzo Matarrese, que vivia em constante atrito com a torcida biancorossa: o manda chuva decidiu emprestá-lo ao rival Lecce, que havia sido promovido para a Serie A.

Na região do Salento, localizada no sul da Apúlia, Gegè teve a companhia do atacante Gaúcho, ex-Flamengo, que fracassou de forma retumbante com a camisa do Lecce – atuou em somente seis jogos e não anotou nenhum gol. Os próprios giallorossi fizeram muito feio durante a campanha e amargaram o descenso com a lanterna. Foram somente 11 pontos conquistados, 10 atrás da Atalanta, penúltima colocada. Gérson terminou a temporada como um dos poucos que se salvaram, com três tentos em 33 partidas.

Gérson Caçapa, enfim, voltou ao Bari para a temporada 1994-95 – que marcou o acesso dos biancorossi em contraste com a queda dos rivais de Lecce. Em outro momento da carreira, aos 27 anos, o brasileiro tornou a ser peça-chave dos galletti e contribuiu para mais uma jornada sem sustos na elite do futebol italiano, pontuada pelo brilho dos atacantes Sandro Tovalieri, Igor Protti e Miguel Ángel Guerrero. Bem mais discreto, ainda que muito eficiente, Gegè participou de todas as 34 partidas da campanha, terminada na 12ª posição. Pela terceira vez em três temporadas no time, foi o atleta mais utilizado.

Apesar do momento negativo do Lecce, Gérson conseguiu o respeito da torcida salentina (EMPICS/Getty)

Para 1995-96, a expectativa que tomou a capital da Apúlia era alta. Kennet Andersson, que dividiu a vice-artilharia do Mundial de 1994 com Romário, Jürgen Klinsmann e Roberto Baggio, foi um dos reforços anunciados pelo Bari, que pouco depois ainda foi buscar Klas Ingesson – outro membro do bom time da Suécia, terceiro colocado nos Estados Unidos. Caçapa permaneceu, mas viu alguns problemas físicos reduzirem suas oportunidades em campo.

O técnico Giuseppe Materazzi, responsável pela campanha anterior, acabou demitido antes do fechamento do primeiro turno, após cinco derrotas consecutivas. A chegada de Eugenio Fascetti coincidiu com a recuperação de Gegè, que aumentou a sua minutagem e formou um meio-campo bastante físico com Ingesson. No entanto, o desempenho dos galletti não aumentou de forma consistente. O time da Apúlia conseguiu o incrível feito de ser rebaixado com um dos artilheiros do campeonato: Protti marcou 24 vezes e dividiu o posto com Giuseppe Signori, da Lazio. O sueco Andersson também fez sua parte e assinou 12 gols. Caçapa passou em branco dessa vez e contribuiu com três assistências em 25 partidas.

Aos 29 anos, Gérson não ficou para disputar a Serie B e, finalmente, deixou o Bari, após 136 partidas pelo clube. O brasileiro acertou o seu retorno à Turquia, para atuar no Istanbulspor, onde jogou ao lado de outro goleador da Copa de 1994: Oleg Salenko. Em filme repetido, Caçapa manteve a regularidade de temporadas anteriores, acumulando 31 partidas e um faro de gol aguçado: foram oito bolas na rede.

Aos 30 anos e com mais uma competição continental assegurada, tudo indicava para a permanência de Gérson na Europa. Ele até chegou a atuar duas vezes na Copa Intertoto e uma na Süper Lig, mas o seu ciclo europeu estava no limite. A volta ao futebol brasileiro, através das cores do Athletico Paranaense, aconteceu com o campeonato nacional em andamento.

Com muito vigor físico e qualidade, Gérson se tornou um dos bons nomes de times marcantes do Bari (EMPICS/Getty)

No Furacão, Gérson jogou por duas temporadas e foi campeão paranaense. Já na descendente, o volante ainda teve passagens por União São João, América de Natal e São José (RS), onde, aos 35 anos, encerrou uma carreira discreta e pouco midiática, mas extremamente barulhenta e eficiente nos gramados.

Já aposentado, o ex-jogador participou de um projeto para treinar atletas desempregados, no estado de São Paulo, mas ainda via sua identificação com a Itália falar alto. Assim, em 2015, foi chamado pelo Bari para auxiliar nas categorias de base do clube e, na própria capital apuliana, acabou se tornando técnico da escolinha da Virtus Palese – uma pequena agremiação afiliada à Atalanta. Caçapa também foi, por dois anos, comandante da Lodigiani, equipe romana militante nas divisões inferiores do país.

Gérson Cândido de Paula, o Gérson Caçapa
Nascimento: 1 de junho de 1967, em São Paulo (SP)
Posição: volante
Clubes: Palmeiras (1985-89), Bari (1989-91 e 1994-96), Fenerbahçe (1991-93), Lecce (1993-94), Istanbulspor (1996-97), Athletico Paranaense (1997-98), União São João (2000), América-RN (2001) e São José-RS (2002)
Títulos: Copa Mitropa (1990), Copa do Primeiro-Ministro (1993) e Campeonato Paranaense (1998)
Clubes como treinador: Lodigiani (2019-21)

Compartilhe!

Deixe um comentário