Jogos históricos

Em 1999, a Lazio superou o Mallorca e faturou a última Recopa Uefa da história

Todos os clubes têm gerações mal sucedidas, outras mais regulares e, em especial, pelo menos uma responsável pelas lembranças mais marcantes dos torcedores. Na Itália, poucas foram tão vencedoras quanto a Lazio no período que se estendeu de 1997 a 2001. Os laziali não tomaram apenas a capital para si, como também a Bota e a Europa. Alessandro Nesta, Pavel Nedved, Roberto Mancini e companhia consagraram a agremiação na eternidade ao se tornarem campeões da última Recopa Uefa, competição destinada a vencedores das copas nacionais. A derradeira edição do torneio foi disputada em 1998-99 e os celestes superaram o Mallorca, em decisão realizada na Inglaterra.

Na temporada anterior, os laziali vivenciaram grande frustração: o sonho do primeiro título europeu foi interrompido por um rival italiano. Foi a Inter comandada pelo fenômeno Ronaldo, implacável para derrubar os invictos comandados de Sven-Göran Eriksson e aplicar-lhes um sonoro 3 a 0 na noite de 6 de maio de 1998, no Parque dos Príncipes, em Paris. O abatimento só não foi maior porque, dias antes, a equipe garantiu a chance de tentar faturar outra taça continental em 1998-99.

Devido a seis derrotas nas sete últimas rodadas, a Lazio terminou a Serie A apenas na sétima posição, mas fez bonito ao faturar o título da Coppa Italia – o segundo de sua história, 40 anos após o primeiro. Na decisão contra o Milan, no San Siro, George Weah conseguiu a vantagem mínima para os rossoneri aos 90 minutos. O cenário ficou mais dramático no Olímpico, com o gol de Demetrio Albertini no início da etapa complementar. Quando mais um fracasso biancoceleste estava encaminhado, Guerino Gottardi, Vladimir Jugovic e Nesta colocaram os aquilotti à frente em cerca de 10 minutos, entre os 55 e os 65, e na sua única disputa de Recopa. O sonho europeu estava vivo.

Um dos grandes da Lazio, Salas teve participação importante na campanha que terminou com o triunfo sobre o Mallorca de Ibagaza (imago/Allstar)

O Mallorca, por sua vez, chegou à Recopa após o vice-campeonato na Copa do Rei. Como o vitorioso Barcelona iria disputar a Champions League, a vaga espanhola foi transferida para os bermellones. Ainda assim, não diminui o feito do futebol arquitetado por Héctor Cúper. Em sua primeira temporada no clube, o técnico argentino também levou os recém-promovidos à quinta posição em La Liga. Acompanhado dos compatriotas Carlos Roa e Ariel Ibagaza, Cúper abriria portas na Europa, inclusive na Itália, através de uma campanha surpreendente no certame.

Em 1998-99, a Lazio teve mudanças importantes. Um dos heróis daquela final de Coppa Italia, Jugovic se despediu da capital, assim como Pierluigi Casiraghi e Diego Fuser. As saídas fizeram cócegas nas pretensões elevadas do presidente Sergio Cragnotti, dono da rede alimentícia Cirio, que chegou a patrocinar o São Paulo nos anos 1990.

Pouco mais de 33 milhões de euros foram investidos na montagem da base do elenco mais vencedor da história da Lazio – uma fortuna para a época. Dejan Stankovic, Marcelo Salas, Sinisa Mihajlovic e Christian Vieri se juntaram a Mancini, Nedved e Nesta. E o início da caminhada foi promissor, graças à vitória contra a Juventus na Supercopa Italiana, apesar de um pênalti duvidoso convertido por Alessandro Del Piero nos últimos minutos, que chegou a dar um susto nos celestes. Nos acréscimos, Sérgio Conceição, outro reforço para a temporada, descontou e garantiu o triunfo por 2 a 1.

No início da decisão, Vieri abriu o placar para a Lazio (Bongarts/Getty)

A Lazio começou a temporada sem Vieri e Nesta, que sofreram sérias lesões e tinham voltas previstas para dezembro e janeiro, respectivamente. De qualquer modo, um plantel milionário tem as suas vantagens. Muito numeroso, parece imbatível, mesmo em nível europeu. Na virada do turno na Serie A, os laziali ocupavam a terceira colocação, com a mesma pontuação do vice Parma e três pontos atrás da líder Fiorentina.

Diferentemente das competições atuais da Uefa, o formato da Recopa Europeia previa mata-matas do início ao fim. Após 39 edições consecutivas, a entidade bateu o martelo e decidiu que não haveria mais o torneio que reunia os campeões das copas nacionais, que viriam a ser alocados, a partir de então, na Copa Uefa. Na época, a confederação havia aumentado a quantidade de participantes da Champions League e já estava notando leve declínio no certame dos vencedores de taças, o que levou à sua extinção. A deliberação do órgão aumentou o desejo do título entre as 32 competidoras, com destaque para a Lazio – uma das favoritos para erguer o caneco, além do Chelsea, abarrotado de italianos, a exemplo de Gianluca Vialli, Gianfranco Zola e o ex-celeste Casiraghi.

Mesmo assim, os suíços do Lausanne não se intimidaram. Os primeiros rivais da equipe italiana mostraram poder de reação em casa e buscaram a igualdade duas vezes no jogo de ida. O placar de 2 a 2 surpreendeu, mas a vantagem no confronto era do lado biancoceleste. E, de fato, os dois gols fora de casa ajudaram os laziali a avançar, após um novo empate na Itália, em 1 a 1.

Tarimbado, o goleador Vieri era um dos grandes nomes da Lazio que bateu o Mallorca (Bongarts/Getty)

O adversário na segunda fase era conhecido de Stankovic: o Partizan, maior rival do Estrela Vermelha, clube formador do sérvio. Os laziali empataram sem gols no Olímpico e precisavam superar o ambiente hostil em Belgrado para o sonho de conquistar a Europa não acabar. Porém, o plano de jogo de Eriksson sofreu um duro golpe aos 18 minutos da primeira etapa, quando os eslavos abriram o placar.

Recuperado de lesão, Salas mostrou fome de gol e converteu o pênalti que empatou o marcador e, em seguida, abriu o caminho do segundo após tocar para Stankovic fazer o dele. O chileno também anotou o terceiro, antes de o Partizan descontar. Mas o atacante já havia sacramentado a sobrevivência da Lazio na Recopa. Os italianos foram acompanhados por Chelsea e Lokomotiv Moscou, enquanto Paris Saint-Germain e Newcastle, também fortes postulantes ao título, ficaram pelo caminho já em novembro de 1998.

Nas quartas, o embate foi diante do modesto Panionios, da Grécia. Contudo, a Recopa só voltaria em março de 1999. Até lá, a Lazio voltou as suas atenções para a Serie A, onde se desenhava uma briga particular entre rossoneri e biancocelesti. Na primavera de 1999, os comandados de Eriksson estavam vivos em duas frentes na temporada. A equipe caiu novamente para a Inter na Coppa Italia, desta vez nas quartas de final. Por outro lado, a eliminação significava alívio no calendário e poderia fornecer concentração total para evitar as frustrações da época anterior – com o adendo de haver um plantel mais abastado em relação ao de 1997-98.

No finalzinho de um jogo truncado, Nedved garantiu a vitória da equipe capitolina (Getty/PA Images)

Após nocautear os gregos com 4 a 0 em Atenas, o segundo jogo se tornou protocolar – mas a Lazio não tirou o pé e fez 3 a 0. De moral elevada, os italianos partiram a caminho da Rússia, onde seria o duelo de ida contra o Lokomotiv Moscou. Assim como o laziali, os rubro-verdes também chegaram às semis de forma invicta. O equilíbrio dos adversários foi espelhado no placar: 1 a 1. Um confronto indefinido, e assim se manteve até o último segundo no Olímpico. Mais uma vez, o gol fora garantiu o time da capital na decisão e deixou acesa a segunda chance para o sonho europeu.

Os mais apressados já projetavam uma decisão entre Lazio e Chelsea, mas não contavam com a astúcia do emergente Cúper. Em uma campanha irretocável, com quatro gols sofridos e nenhum revés, o Mallorca venceu os londrinos e confirmou presença na finalíssima, ao lado dos italianos. Antes, o time espanhol enfrentara adversários mais abordáveis, como Hearts, Genk e Varteks, de modo que o triunfo sobre os Blues foi fundamental para reafirmar a qualidade do elenco. Na Serie A, os celestes não repetiram o mesmo desempenho e viram o scudetto escorregar dos dedos na penúltima rodada, com o Milan tomando a dianteira. Não havia, portanto, espaço para um desfecho similar na tarde do dia 19 de maio.

O jogo

O Villa Park, em Birmingham, foi o palco da última decisão de uma Recopa. Os laziali eram maioria no estádio, apesar dos bermellones não terem deixado de marcar presença na Inglaterra. No campo, a impressão era que os biancocelesti também formavam superioridade numérica nos primeiros minutos. Aos 7, Giuseppe Pancaro efetuou lançamento de longo em direção à entrada da área, onde Vieri já se posicionava e calculava a parábola necessária do cabeceio para encobrir Roa.

Festa merecida: a Lazio deu a volta por cima e faturou a Recopa Uefa (PA/AFP/Getty)

A sensação de que aquela peleja seria bem diferente da final contra a Inter não se prolongou. Quatro minutos depois, Stankovic perdeu a posse, que sobrou para Miguel Soler. O espanhol conduziu e tocou em profundidade para Jovan Stankovic. No cruzamento, Dani García fugiu da marcação e, enquanto Mihajlovic e Nesta dormiam no ponto, ele só fez empurrar para o gol defendido por Luca Marchegiani. A Lazio tentava responder, mas Cúper amarrou o jogo de uma forma que Nedved, nos seus melhores dias, conseguia tirar poucas situações efetivas da cartola.

Uma dessas situações, inevitavelmente, acabou por se concretizar na etapa decisiva. Após idas e vindas perigosas de ambos os lados, os aquilotti pegaram a retaguarda espanhola desarrumada aos 81 minutos. Salas encontrou Vieri na entrada da área, em posição de arremate. O italiano arrumou o chute e soltou o pé esquerdo, mas foi bloqueado. Na sobra, Nedved mostrou porque viria a ser um dos meias mais aclamados da década seguinte: arrumou um voleio de direita, de peito de pé, sem chances de defesa para Roa. Prestes a viverem um momento histórico, os 15 mil torcedores da Lazio foram ao delírio.

Eriksson fechou a casinha após trocar Nedved e Mancini por Attilio Lombardo e Fernando Couto. Os minutos faltantes foram sofridos, mas nada de concreto aconteceu até o final. A Lazio apagou a mancha do vice-campeonato da Copa Uefa de forma imediata e conquistou o primeiro título continental. Além de Nesta, Cragnotti também ergueu a taça. Em agosto, os aquilotti voariam para Monte Carlo, onde seria disputada a Supercopa da Europa, contra o Manchester United, vencedor da Champions. Em Mônaco, viria a ser escrito, pelos heróis daquela geração, mais um capítulo do conto de fadas.

Lazio 2-1 Mallorca

Lazio: Marchegiani; Pancaro, Nesta, Mihajlovic, Favalli; D. Stankovic (Sérgio Conceição), Almeyda, Nedved (Lombardo); Mancini (Fernando Couto); Salas, Vieri. Técnico: Sven-Göran Eriksson
Mallorca: Roa; Olaizola, Marcelino, Siviero, Soler; Engonga; Lauren, Ibagaza, J. Stankovic; Biagini (Paunovic), Dani García. Técnico: Héctor Cúper.
Gols: Vieri (7′) e Nedved (81′); Dani García (11′)
Árbitro: Günther Benkö (Áustria)
Local e data: Villa Park, Birmingham (Inglaterra), em 19 de maio de 1999

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