Em meados dos anos 1980 e no comecinho da década de 1990, era comum a torcida do Nottingham Forest entoar nas arquibancadas do City Ground o seguinte verso: “You’ll never beat Des Walker”. Os torcedores provocavam os atacantes adversários ao avisarem que eles jamais conseguiriam superar o histórico zagueiro do clube, protagonista de uma importante trajetória pela seleção inglesa por conta do que fez com a camisa vermelha. Muito regular, Desmond teve apenas um período de baixa em sua carreira e ele aconteceu justamente em sua única temporada pela Sampdoria.
Walker nasceu em Londres e começou sua carreira jogando na base do Tottenham, mas foi liberado pelos Spurs após uma briga com o técnico Bill Nicholson. O motivo? Des se recusou a cortar o cabelo a pedido do treinador. Se lembramos que o zagueiro é um homem negro de raízes jamaicanas, conseguimos entender que a solicitação tinha um outro viés.
Portanto, sem espaço no time da capital inglesa, Walker rumou para o Nottingham Forest do lendário Brian Clough, que estava buscando a reconstrução de seu elenco após a conquista do bicampeonato da Copa dos Campeões – atual Champions League – nas temporadas 1978-79 e 1979-80. Conhecido por dar oportunidades a jovens jogadores, o técnico recebeu Desmond de braços abertos.
O zagueiro que concluiu a formação na base dos Reds tinha como atributos a velocidade e um bom senso de posicionamento e antecipação, que lhe permitiam ter maior eficiência nos desarmes. Eram características que lhe fariam uma referência da posição em solo inglês. Walker, já maior de idade, fez a sua estreia em março de 1984, aos 18 anos, e ajudou o Forest a terminar na terceira posição do campeonato nacional, abocanhando uma vaga na Copa Uefa.
Cheio de vitalidade, Des logo se encaixou no modelo de jogo do treinador e conquistou a titularidade absoluta no time. Com atuações cada vez melhores, na temporada 1987-88, ganhou seu primeiro prêmio individual ao ser nomeado o jogador do ano do Nottingham Forest – teria a mesma honra em 1990 e 1992.
Todo o time do Forest vivia uma ótima fase naquela época, a bem da verdade. Entre o fim da década de 1980 e o início da de 1990, Clough levou os Reds a três terceiras colocações no Campeonato Inglês, a dois títulos da Copa da Liga Inglesa e a outros dois da Full Members Cup, competição criada para preencher lacunas do calendário local.
Essas lacunas precisaram ser preenchidas porque os times da Inglaterra foram banidos dos torneios organizados pela Uefa por um período de cinco anos, como punição pela Tragédia de Heysel, ocorrida na final da Copa dos Campeões de 1985, entre Liverpool e Juventus. A propósito, Walker viveu de perto um outro momento nefasto do futebol europeu, e novamente por conta da superlotação num estádio. Em 1989, o zagueiro estava em campo na semifinal da FA Cup, entre Nottingham Forest e o próprio Liverpool, na partida em que se deu o Desastre de Hillsborough. Enquanto a catástrofe que aconteceu na Bélgica deixou 39 vítimas fatais, a sucedida em solo britânico matou 97. Diante dos falecimentos, a parte esportiva já importava pouco, mas a equipe de Desmond foi eliminada no jogo remarcado.
Apesar desse grande baque emocional, Walker viveu momentos felizes em uma proporção muito maior. Naquele período, além dos títulos e do apreço dos torcedores do Nottingham Forest, Desmond também foi inserido no time da temporada da Associação de Jogadores Profissionais da Inglaterra e do País de Gales (PFA) em quatro ocasiões. Em 1990, ainda foi eleito como o melhor em campo na final da Copa da Liga Inglesa.
Por todo o respaldo que vinha conquistando em campo, o defensor chegou à seleção inglesa. Walker, que já passara pela equipe nacional sub-21, estreou pelos adultos em 1988, substituindo Tony Adams numa vitória por 1 a 0 em amistoso contra a Dinamarca. Galgando espaço, Desmond foi titular absoluto da Inglaterra na Copa do Mundo de 1990, ao lado de Terry Butcher e Mark Wright, e chegou a participar de todos os jogos da competição – na qual os britânicos ficaram em quarto lugar, após perderem para a anfitriã Itália no confronto que definiu o terceiro ocupante do pódio. Com atuações que chegaram a ser comparadas às de Bobby Moore, o beque acabou escolhido para o time do torneio.
Walker também representou a Inglaterra na malfadada campanha na Euro 1992, concluída com eliminação na fase de grupos, e bateu um recorde pela seleção dos Três Leões. Absoluto numa época em que os britânicos tiveram muitos compromissos, Des se tornou o jogador que mais rapidamente atingiu a marca de 50 aparições pela equipe nacional. Cacifado por tantos feitos importantes, após a participação no torneio continental, o zagueiro ganhou uma oportunidade de ouro: beirando os 27 anos, foi atuar na Serie A, a liga mais forte do mundo na época. Seu destino foi a Sampdoria, que acabara de ser vice-campeã europeia e iniciava um novo ciclo.
Em 1992-93, a Samp teria de lidar com o impacto das saídas do técnico Vujadin Boskov e do atacante Gianluca Vialli – que se transferiram para Roma e Juventus, respectivamente. Para dar conta da renovação, tutelada ainda por nomes experientes, como Gianluca Pagliuca, Moreno Mannini, Pietro Vierchowod, Attilio Lombardo e Roberto Mancini, o presidente Paolo Mantovani foi buscar o treinador sueco Sven-Göran Eriksson, que colecionara passagens por Fiorentina e Roma e já obtivera sucesso por IFK Göteborg e Benfica. A contratação de Walker fazia parte desse esforço de remodelagem do elenco e foi definida antes mesmo do acerto com o comandante escandinavo.
Mantovani correu para assegurar a contratação do zagueiro inglês antes mesmo de fechar com um técnico por um motivo simples: Walker estava em alta no mercado e, pouco após a Copa de 1990, chegara a ficar perto de uma transferência para a Juventus. Des vivia um momento de destaque tão grande que sua estreia pela Serie A chegou a ser transmitida na Inglaterra – fato raríssimo para a época. A partida em questão foi um rocambolesco 3 a 3 com a Lazio, com direito a gols contras esquisitos de Diego Fuser e Renato Buso, um para cada lado, após cobranças de escanteio.
Definitivamente, aquela não foi uma tarde boa para defensores. O mesmo pode ser dito dos dois jogos anteriores de Walker pela Sampdoria, ambos válidos pela Coppa Italia – já que a equipe de Eriksson foi surpreendida pelo Cesena, da Serie B, e terminou eliminada precocemente da competição. Os blucerchiati venceram o duelo de ida por 2 a 1, mas o gol dos adversários saiu nos acréscimos e permitiu que os romanholos se classificassem caso obtivessem um triunfo simples em seus domínios – o que ocorreu com outro tento na reta final da partida, após clamorosa furada de Vierchowod. No desespero pelo empate, Pagliuca foi para a área no lance derradeiro e até receberia o cruzamento de um companheiro, mas acabou atrapalhado justamente pelo britânico de origem jamaicana.
Estes três jogos poderiam ter sido um ponto fora da curva, mas – para o desconsolo de Walker e da torcida da Sampdoria – representaram um digno prelúdio da temporada, na qual os dorianos só comemoraram em torneios amistosos. Nos seus primeiros meses, que seriam de adaptação, Desmond ainda teve alguma responsabilidade no empate por 2 a 2 com o Torino, já que não conseguiu efetuar um corte necessário no gol de Carlos Alberto Aguilera, e naufragou junto com o sistema defensivo blucerchiato na goleada por 4 a 0 sofrida ante uma Fiorentina que, apesar de ter Gabriel Batistuta, Francesco Baiano e outras ótimas peças, terminaria o certame rebaixada.
A Sampdoria virou o ano apenas no meio da tabela da Serie A, bem distante da disputa por títulos e longe de repetir os feitos da gestão de Boskov – ao mesmo tempo, o iugoslavo também sofria com percalços na Roma. Para Eriksson, o desempenho negativo era fruto de questões táticas e, mais especificamente, da inadequação de Marco Lanna para a função de lateral-esquerdo. O sueco, que inicialmente escalara o italiano por ali, decidiu que o melhor seria movê-lo para o centro da zaga e improvisar Walker no flanco canhoto. Ledo engano.
Num dos jogos em que atuou fora de posição, Walker foi engolido por Jean-Pierre Papin, do Milan: em San Siro, na goleada por 4 a 0 dos rossoneri, o francês marcou duas vezes e, num dos tentos, entortou o inglês. Des voltou a ser utilizado como zagueiro, mas por pouco tempo. E, na 26ª rodada da Serie A, quando a Samp – mesmo como mandante – levou dois gols da Inter, ambos anotados por Salvatore Schillaci, com 21 minutos de bola rolando, Eriksson escolheu sacar o britânico para colocar o atacante Mauro Bertarelli em campo, ainda na etapa inicial.
O técnico sueco até já havia feito mudanças precoces no time em outras ocasiões, escolhendo outros jogadores para deixarem o campo, mas esse movimento praticamente selou o adeus de Walker. Nos oito últimos jogos da Serie A, Des não foi relacionado em três, saiu do banco em dois e apenas em outros três foi titular. Uma mudança de perspectiva bastante considerável, já que, até a partida com a Inter, o britânico só não havia atuado em uma ocasião em toda a temporada.
O momento negativo de Walker se estendeu à seleção inglesa, talvez por questões psicológicas, e o zagueiro cometeu erros decisivos em jogos contra Holanda, Polônia e Noruega – falhas que comprometeram a campanha da Inglaterra nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1994 e, posteriormente, resultaram no seu fracasso. Preocupada com o rendimento de Des, a mídia especializada britânica chegou a enviar correspondentes para a Itália para saber o que estava acontecendo.
O defensor não quis dar entrevistas, mas Eriksson falou com a imprensa. Ao jornal The Independent, assumiu parte da culpa pela má fase do jogador, pela improvisação a qual o submeteu, mas também aproveitou para dar uma alfinetada na diretoria. “Compramos zagueiros demais”, disse. O escandinavo também afirmou que Walker havia se integrado ao país e que estava contente com o seu comportamento e com o seu aporte à equipe, mas reconheceu que, em campo, Des tinha dificuldades. “O futebol italiano é diferente do inglês e se adaptar leva um tempo. É difícil, especialmente no primeiro ano. Foi assim até para [Michel] Platini e [Diego Armando] Maradona. Você nunca tem um domingo tranquilo: encontra adversários de qualidade até em times menores”, argumentou.
No fim das contas, a sequência de domingos de intranquilidade de Walker se encerrou no início de junho de 1993. A Sampdoria ficou na frustrante sétima posição da Serie A, sem direito a vaga em competição europeia, e o britânico, que atuou em 32 partidas naquele ano, pediu para ser negociado. Apesar do interesse inicial de times como Manchester United, Liverpool, Tottenham e Marseille, Des terminou no Sheffield Wednesday. Na época, as corujas vinham de um terceiro e de um sétimo lugar no Campeonato Inglês, além de vices na FA Cup e na Copa da Liga.
Walker ficou quase uma década no Sheffield Wednesday e pode se dedicar integralmente ao clube por quase toda a sua passagem – afinal, deixou a seleção em novembro de 1993, depois que os ingleses não conseguiram se classificar para o Mundial dos Estados Unidos. No período em que contou com Des em seu quadro, o time da região de Yorkshire e Humber acumulou desempenhos de meio de tabela e ainda foi rebaixado em 2000.
O já veterano zagueiro deixou o clube em 2001 e passou um breve período no Burton Albion – onde reencontrou Nigel Clough, filho do lendário Brian e seu companheiro de Nottingham Forest. Os Reds, aliás, seriam o destino seguinte do beque: Walker topou retornar a seu clube formador, que estava na segunda divisão, e se aposentou por lá, em 2004, aos 38 anos.
Em toda a sua carreira, Walker marcou apenas um gol – exatamente pelo Forest, time que mais vezes defendeu. Um ano depois de sua aposentadoria, inclusive, os Reds organizaram uma partida em sua homenagem, com a participação de nomes como Stuart Pearce, Ian Wright, Emile Heskey e Nigel Clough. O pós-jogo foi tão animado que, horas depois, Des acabou sendo detido por estar bêbado e desnorteado.
Referência para jovens zagueiros, o já aposentado Desmond se tornou treinador do Garuda Select, um clube formador da Indonésia, que tem como objetivo projetar jogadores de países periféricos do mapa do futebol mundial. Além disso, a família Walker continua sendo representada nos gramados ingleses, visto que Tyler e Lewis, seus filhos, também se tornaram atletas.
Desmond “Des” Sinclair Walker
Nascimento: 20 de novembro de 1965, em Londres, Inglaterra
Posição: zagueiro
Clubes: Nottingham Forest (1984-92 e 2002-04), Sampdoria (1992-93), Sheffield Wednesday (1993-2001) e Burton Albion (2001-02)
Títulos: Copa da Liga Inglesa (1989 e 1990) e Full Members Cup (1989 e 1992)
Seleção inglesa: 59 jogos