Jogos históricos

A Inter precisou ser heroica ante o Dynamo Kyiv para decolar na Champions League 2009-10

Três jogos, sendo dois em casa, três empates e inúmeras dúvidas. Este era o cenário que preocupava a torcida da Inter na campanha da Champions League da temporada 2009-10. Pouco mais de um ano antes, a diretoria nerazzurra havia buscado o técnico José Mourinho, no intuito de elevar a competitividade da equipe na competição europeia, mas se via diante do risco real de eliminação na fase de grupos do torneio, numa chave que contava com o poderoso Barcelona, mas também com os azarões Dynamo Kyiv e Rubin Kazan. A queda, que parecia inimaginável, de fato não se concretizou. E foi uma noite heroica na capital da Ucrânia que serviu para o time italiano virar a chavinha naquela trajetória.

A Inter era tetracampeã nacional consecutiva, mas não decolava na Liga dos Campeões. No primeiro ano da gestão de Mourinho, 2008-09, a Beneamata foi eliminada nas oitavas de final pelo Manchester United, que defendia o seu título e acabou sendo vice. Não chegou a ser uma queda frustrante, mas levou o presidente Massimo Moratti a fazer investimento considerável para reforçar setores da equipe. Hernán Crespo, Julio Cruz, Maxwell, Luis Jiménez, Nelson Rivas, Nicolás Burdisso e Luís Figo (aposentado) foram alguns dos que deixaram a Pinetina, mas foi a saída de Zlatan Ibrahimovic que gerou mais impacto. Até porque a transferência do sueco financiou parte das transações dos nerazzurri na janela de verão: chegaram Lúcio, Thiago Motta, Wesley Sneijder, Diego Milito e Samuel Eto’o.

Pelo Grupo F da Liga dos Campeões, o elenco reforçado da Inter empatou sem gols com o Barcelona, em San Siro, e ficou no 1 a 1 com o Rubin Kazan, na Rússia. A expectativa era de que a primeira vitória saísse, em casa, contra o Dynamo Kyiv – que batera os russos (3 a 1) e perdera para o catalães (2 a 0). No entanto, a equipe italiana terminou sendo surpreendida: precisou correr atrás do placar duas vezes e ficou no 0 a 0. As derrapadas em nível continental contrastavam com o céu de brigadeiro em que a Beneamata voava na Serie A.

Pressionada por maus resultados, a Inter de Mourinho foi surpreendida pelo Dynamo Kyiv nos minutos iniciais (AFP/Getty)

No dia 4 de novembro de 2009, a Inter chegou ao estádio Valeriy Lobanovskyi, na capital da Ucrânia, ciente de que teria de vencer o Dynamo Kyiv. Os dois times estavam empatados com 3 pontos, dois a menos que Barcelona e Rubin Kazan, que haviam entrado em campo mais cedo e ficado no 0 a 0. Na tentativa de levar os nerazzurri à ponta do grupo, Mourinho escalou um onze inicial ofensivo, com Milito, Eto’o, Sneijder e Dejan Stankovic.

A equipe italiana começou o jogo de forma intensa e logo levou perigo com Sneijder, através de um chute que passou por cima da meta de Stanislav Bogush. O problema, para a Inter, é que o time treinado por Valery Gazzaev contava com um carrasco nerazzurro: Andriy Shevchenko, ex-Milan, e maior artilheiro do Derby della Madonnina, com 14 gols. Sheva sequer precisou de uma chance clara para ferir a rival. Aos 21 minutos, Artem Milevskyi escorou uma cobrança de lateral e o veterano resolveu arriscar de fora da área. A bola desviou em Esteban Cambiasso, encobriu Julio Cesar e morreu no fundo das redes.

O gol esmoreceu a Inter, que não criou mais nada no primeiro tempo. No intervalo, Mourinho decidiu efetuar duas trocas, sacando Cambiasso e Cristian Chivu para lançar Thiago Motta e Mario Balotelli a campo. Com Javier Zanetti deslocado para a lateral esquerda, os nerazzurri passaram a atuar num 4-2-3-1 muito ofensivo e que deixou o Dynamo Kyiv em afã pelos 45 minutos finais.

Milito passou o jogo quase todo sumido, mas ressurgiu na reta final para, junto com Sneijder, decretar o triunfo nerazzurro (AFP/Getty)

Mais dinâmica, a Inter passou a empilhar oportunidades. As duas primeiras foram em cruzamentos de Sneijder para a grande área: Walter Samuel desviou a bola na altura da marca do pênalti para Eto’o concluir e tirar tinta da trave; na sequência, o próprio zagueiro argentino carimbou o poste. Aos 68, numa enfiada de bola do atacante camaronês, Balotelli saiu cara a cara com Bogush, mas acabou finalizando à esquerda da baliza.

A insistência dos nerazzurri e a ineficácia de suas tentativas deixaram o confronto nervoso. Mas a Inter jamais perdeu a cabeça e, aos 86 minutos, produziu uma jogada criativa. Sneijder recebeu na quina direita da grande área e cortou em direção ao centro, deixando dois marcadores antes de encontrar Milito bem posicionado, de cara para o gol. O Príncipe dominou e finalizou mascado, mas na direção correta: pego no contrapé, Bogush só pode observar a bola cruzar a linha da baliza.

O empate ainda não era o resultado desejado, já que obrigaria a Inter a vencer o Barcelona no Camp Nou para depender de si mesma na última rodada da fase de grupos, contra o Rubin Kazan. Assim, os nerazzurri efetuaram ainda mais carga e, aos 89, conseguiram o impensável. Sneijder iniciou a jogada, trabalhou com Motta e Balotelli, de calcanhar, abriu para Sulley Muntari – que substituíra Samuel – aparecer enchendo o pé, pelo lado esquerdo. Bogush deixou escapar e amaciou para Milito, que estava ligeiramente impedido, chegar finalizando. O arqueiro defendeu com os joelhos, mas Sneijder chegou com tudo nesse novo rebote e virou o placar.

Com o triunfo de virada, a Inter saiu da Ucrânia mais convicta de sua força e com elenco mais coeso (AFP/Getty)

O gol tardio impediu qualquer reação do Dynamo Kyiv, que já estava cansado de tanto se defender. Com isso, a Inter garantiu a vitória por 2 a 1 e saltou da última para a primeira posição da chave. A equipe até perdeu por 2 a 0 para o Barcelona na quinta rodada da fase de grupos, mas chegou à derradeira jornada precisando apenas de um triunfo sobre o Rubin Kazan para avançar ao mata-mata. Protocolar, fez 2 a 0 sobre os russos numa partida muito tranquila e se classificou às oitavas de final da Champions League.

Aquela vitória sobre o Dynamo Kyiv foi um ponto de virada no trabalho de Mourinho. Embora o time ucraniano não fosse o adversário mais qualificado que a Inter poderia enfrentar, o cenário a ser revertido era bastante complexo e o elenco conseguiu. Especialista em trabalhar aspectos psicológicos, o português conseguiu transformar a mentalidade dos jogadores em nível europeu. A partir daquele momento, eles sabiam que eram capazes de mostrar, na Champions League, a força que impunham aos adversários na Serie A.

Foi uma Inter muito mais madura a que encarou o mata-mata da Liga dos Campeões, sempre jogando a primeira partida em casa. Em nenhuma delas, construiu uma vantagem elástica o suficiente para ter conforto na volta: ao contrário, os torcedores mais pessimistas não ficaram plenamente satisfeitos com as vitórias por 2 a 1 e 1 a 0 sobre Chelsea e CSKA Moscou, na ida das oitavas e das quartas de final, respectivamente. Os nerazzurri, porém, foram firmes com os descrentes e também triunfaram no retorno.

Com a confiança no ápice, o elenco daquela Inter achava que podia tudo. E estava certo. No fim das contas, a equipe de Milão deu o troco no Barcelona, soube sofrer no Camp Nou e triturou o Bayern de Munique para faturar uma tríplice coroa inédita no futebol italiano. Sem a virada em Kyiv, nada disso teria sido possível.

Dynamo Kyiv 1-2 Inter

Dynamo Kyiv: Bogush; Eremenko, Leandro Almeida, Khcheridi, Gerson Magrão; Mykhalyk, Vukojevic; Shevchenko, Ninkovic, Yarmolenko; Milevskyi (Gusev). Técnico: Valery Gazzaev.
Inter: Julio Cesar; Maicon, Lúcio, Samuel (Muntari), Chivu (Balotelli); Stankovic, Cambiasso (Thiago Motta), Zanetti; Sneijder; Eto’o, Milito. Técnico: José Mourinho.
Gols: Shevchenko (21′); Milito (86’) e Sneijder (89’)
Árbitro: Bertrand Layec (França)
Local e data: estádio Valeriy Lobanovskyi, Kyiv (Ucrânia), em 4 de novembro de 2009

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