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Edoardo Agnelli: o nome que bailou entre brilhantismo e tragédia na Juventus

Não é nenhum exagero falar que a dinastia Agnelli se confunde com a história da Juventus. A relação da família com o clube fundado em 1897 é centenária: teve início em julho de 1923, quando os mais célebres aristocratas de Turim o adquiriram. O responsável pela compra carregava um nome que se repetiria na trajetória bianconera, ligado tanto a momentos de glória quanto a catástrofes: Edoardo.

Edoardo, o pioneiro

Nascido em 2 de janeiro de 1892, em Verona, no norte da Itália, Edoardo era o filho mais novo de Giovanni Agnelli (1866-1945), poderoso fundador da Fiat, e Clara Boselli (1869-1946). Ainda pequeno, viu seu pai, vindo de uma linhagem de grandes proprietários de terras, abandonar a carreira militar em 1893, desenvolver uma grande paixão por mecânica e automobilismo, e fundar, em 1899, a Fabbrica Italiana Automobili Torino, a Fiat, ao lado de outros aristocratas da época. Assim, a fortuna da família, que já era considerável, foi transformada num verdadeiro império.

O caçula seguiu para a faculdade de direito e precisou servir no exército, inclusive participando da Primeira Guerra Mundial (1914-18) como oficial da cavalaria, mas seu emprego na linha de frente se reduziu a motorista do general Luigi Cadorna, comandante-em-chefe da Itália durante o conflito. Com o fim da disputa e já formado, Edoardo viajou por todo o planeta para se especializar ainda mais no campo industrial, visando principalmente os negócios conduzidos pelo pai – que era senador do Reino pelo Partido Fascista.

De volta à terra natal, ocupou vários cargos importantes, entre os quais o de vice-presidente da Fiat, da oficina Villar Perosa e do Conselho Provincial de Economia, na Câmara de Comércio, Indústria, Artesanato e Agricultura da Itália. Foi ainda presidente dos conselhos de administração dos jornais La Stampa e Giornale del Pinerolese.

Com a bagagem acumulada, Edoardo partiu para a sua principal paixão: os esportes. E a escolhida foi a Juventus, que ele adquiriu em 1923, aos 31 anos. A grande injeção de capital que o herdeiro fez logo de cara tornou o clube o primeiro totalmente profissional da Itália, com investimentos em infraestrutura, comissão técnica e salários melhores. Foi na sua gestão, por exemplo, que o Campo Juventus, também conhecido como estádio de Corso Marsiglia, se tornou o primeiro do país a ter iluminação artificial.

Somado a isso, uma das primeiras atitudes de Agnelli foi criar o cargo de treinador, que até então não existia, e contratar o húngaro Jenö Károly. Antes, os próprios jogadores organizavam o esquema tático da equipe. Com dinheiro em caixa e carta branca da direção, a nova comissão técnica decidiu apostar, por exemplo, na contratação do zagueiro Virginio Rosetta, da Pro Vercelli, uma das potências na época, e na manutenção do jovem e promissor goleiro Gianpiero Combi.

Vale destacar que nessa época, o Campeonato Italiano era organizado em grupos regionais e separado em duas ligas, a do norte e a do sul. As finais nacionais contavam com o campeão de cada torneio, se enfrentando em partidas de ida e volta, mas eram mera formalidade: os times nortistas eram muito mais fortes e venceram todos os certames neste formato, quase sempre com um pé nas costas.

Edoardo e o seu filho Gianni posam com o primo Giovanni Nasi e o patriarca Giovanni Agnelli na estação de esqui de Sestrière (Acervo Agnelli)

Na temporada de estreia da gestão, em 1923-24, o clube terminou em uma modesta quinta colocação de seu grupo viu o Genoa conquistar o scudetto pela nona vez. Foi em 1925-26 que as mudanças começaram a surtir efeito e a Juve conseguiu o segundo scudetto de sua história, ao bater a Alba Roma, campeã da liga do sul, com um placar agregado de 12 a 1 na final nacional. Os destaques ficam pelos atacantes Ferenc Hirzer, húngaro que anotou 35 gols em apenas 26 partidas, sendo o artilheiro disparado da competição, e Pietro Pastore, italiano que balançou a rede em 26 oportunidades.

A partir de agosto de 1926, o futebol no país passou por uma profunda mudança por causa da publicação da Carta de Viareggio, que submeteu a organização do esporte ao regime fascista. As ligas regionais foram dissolvidas e o campeonato foi nacionalizado, com a participação de 17 equipes do norte e três do centro-sul. No novo formato, os 20 times da competição eram divididos em dois grupos num primeiro momento e os três melhores de cada grupo formavam um hexagonal, também por pontos corridos. O líder era decretado campeão.

A Velha Senhora não conseguiu títulos durante a vigência desse modelo, mas dominou os momentos iniciais do passo mais ambicioso da reforma do sistema futebolístico italiano, que promoveu a profissionalização de mais times e nacionalizou as divisões – num esforço do governo fascista de aproveitar a popularidade do esporte para obter ganhos políticos e publicitários. A Serie A tal como ela é atualmente foi criada em 1929 e a Juventus se converteu na grande equipe de seus primeiros anos, deixando de ser uma força periférica para estabelecer o chamado Quinquennio d’oro.

Depois que a Serie A em pontos corridos estreou com um título da Inter, a gestão Agnelli ampliou os investimentos que já vinha fazendo: além de ter mantido Combi e Rosetta, o presidente adquirira os zagueiros Umberto Caligaris e Mario Varglien, o meia Giovanni Varglien e o atacantes ítalo-argentinos Renato Cesarini e Raimundo Orsi. Para a temporada 1930-31, o cartola apostou nas contratações do meia ofensivo Giovanni Ferrari, do atacante Giovanni Vecchina e do técnico Carlo Carcano para formar um verdadeiro esquadrão.

A campanha dos bianconeri foi impecável e terminou com o terceiro scudetto da história do clube, conquistado com quatro pontos de vantagem sobre a Roma. Somados, Cesarini, Orsi, Ferrari, Vecchina e Federico Munerati anotaram 73 dos 79 gols da Juventus na campanha. Para a temporada seguinte, a Velha Senhora se reforçou com Luis Monti, Luigi Bertolini e o brasileiro Ministrinho, embalada pelo aumento das receitas dos clubes – acréscimo que ocorreu em decorrência do início da transmissão do campeonato pelo rádio em toda a Itália e um consequente interesse maior do público no esporte. Com os novos jogadores, o time do Piemonte foi novamente campeão nacional.

Para a temporada 1932-33, o clube apostou apenas no jovem atacante Felice Borel, que foi o artilheiro do ano e responsável por 29 gols. Ainda com Carcano no comando, a Juve levou mais um scudetto, o terceiro consecutivo, com nove pontos de vantagem sobre a Inter. O quarto título seguido foi obtido com mais dificuldade: os nerazzurri se reforçaram e lideraram a primeira metade do campeonato, mas a Velha Senhora se recuperou e carimbou mais uma taça em 1934.

O funeral de Edoardo parou a cidade de Turim (Acervo Agnelli)

A Velha Senhora serviu como base para a seleção italiana na Copa do Mundo do mesmo ano e, com seus jogadores se sagrando vitoriosos, foi com moral para a Serie A 1934-35. Tetracampeão, Carcano foi demitido pouco após o início do certame “por razões pessoais”, mas que provavelmente tinham a ver com os boatos de que seria homossexual – numa época que o fascismo crescia cada dia mais no país. O ex-jogador Carlo Bigatto o substituiu e comandou a Juve em mais um disputa acirrada e vitoriosa contra a Inter.

O ciclo vitorioso colocou Edoardo Agnelli no topo na Itália e tornou o dirigente um dos mais celebrados pela torcida. Além do patrocínio generoso que o presidente dava, durante a sua gestão o clube criou um espírito esportivo único: o chamado Estilo Juve – Stile Juve, em italiano. Um modelo de rigor, disciplina e estabilidade pautado pelos “três S”: simplicidade, seriedade e sobriedade. Nesse período, a Juventus ganhou apoio internacional e mais admiradores.

O Quinquennio d’oro, porém, seria encerrado com um episódio trágico, ocorrido no dia 14 de julho de 1935. Pouco mais de um mês após a conquista da quinta taça da Juve, o presidente Edoardo Agnelli morreria, aos 43 anos, num acidente aéreo.

Agnelli partia de Forte dei Marmi, uma comuna da província de Lucca, na região da Toscana, com o hidroavião de seu pai Giovanni – um Savoia-Marchetti S.80, pilotado por Arturo Ferrarin – em direção a Gênova. Durante o pouso na base, os flutuadores da aeronave atingiram um tronco perdido na água e o veículo capotou. Os dois saíram ilesos, mas Edoardo ficou de pé na cabine, que ficava abaixo do motor, e morreu decapitado pela hélice, ainda em movimento. O piloto saiu vivo.

Edoardo deixou sete filhos: Clara, Gianni, Susanna, Maria Sole, Cristiana, Giorgio e Umberto. Susanna Agnelli viria a se tornar a primeira mulher a ser ministra das relações exteriores da Itália e Maria Sole foi prefeita de Campello sul Clitunno, uma comuna da Úmbria por mais de dez anos. Gianni e Umberto se dividiriam à frente da Juventus.

L’Avvocato, que também foi máximo mandatário da Fiat, foi o segundo da linhagem a assumir a Juve e presidi-la, de 1947 a 1954. Gianni seguiu dando as cartas em outros momentos, ainda que ocupasse apenas o posto de presidente de honra. Umberto, Il Direttore, foi o principal cartola bianconero entre 1955 e 1962, mas permaneceu influente nos bastidores depois de se licenciar. Naturalmente, ambos prepararam herdeiros: Andrea Agnelli, que comanda o time de Turim desde 2010, é filho do caçula de Edoardo. Gianni, porém, não teve a mesma sorte com o seu primogênito.

Edoardo, o neto, foi conselheiro da Juventus por um curto período, no final da Era Trapattoni (LaPresse)

Edoardo, o patinho feio

Gianni batizou o seu único filho varão, o favorito, em homenagem ao progenitor: Edoardo. Contudo, Eddy, nascido em 9 de junho de 1954, em Nova York, nos Estados Unidos, nunca foi um Agnelli padrão.

Apesar do sobrenome tradicional e herdeiro de uma das maiores montadoras de automóveis do mundo, Edoardo optou por trilhar uma vida diferente: se formou em em letras e filosofia pela Universidade de Princeton, em Nova Jersey, onde ganhou o apelido de Crazy Eddy dos amigos. Além disso, estudou sobre literatura moderna e filosofia oriental e, desde este período, se interessou pelo Irã, por religiões populares em países asiáticos, como o hinduísmo e o islamismo, além de se dedicar à astrologia e a saberes esotéricos.

Já formado, optou por deixar os Estados Unidos e rumou para a Índia, perseguindo sua ideia de se aprofundar sobre os temas religiosos orientais, e conheceu Sathya Sai Baba. Também passou pelo Irã, onde se aproximou dos aiatolás Ruhollah Khomeini e Ali Khamenei, que admirava. Com declarações antimaterialistas nas inesperadas aparições públicas que tinha, Crazy Eddy passava longe de se aplicar na administração da Fiat ou das diversas outras empresas do poderoso grupo que o pai comandava. Sem sombra de dúvidas, destoava bastante de seus familiares.

Em uma tentativa de aproximá-lo dos interesses dos Agnelli, Gianni, um notório playboy italiano, abordou o filho pelo único aspecto conciliável entre eles no momento: o amor pela Juventus. Em 1985, l’Avvocato nomeou Edoardo como conselheiro dos bianconeri.

No cargo, Eddy presenciou a Tragédia do estádio do Heysel, na Bélgica, em 29 de maio de 1985, quando, pela final da Copa dos Campeões entre Juve e Liverpool, 39 torcedores acabaram morrendo, pisoteados, e mais de 600 ficaram feridos, depois que hooligans do time inglês invadiram um setor destinado aos italianos. Em rara entrevista ao Tuttosport, Edoardo criticou a realização da partida mesmo diante do ocorrido. “Compreendo que as prioridades da vida devem ser outras, mas vivemos um período de decadência moral, com valores humanos degradados”, afirmou. Idealista, Agnelli também declarou que gostaria de se dedicar a iniciativas que pudessem mudar esta perspectiva.

Esta não foi a parte mais polêmica da entrevista do rapaz de 31 anos, contudo. Distante do Estilo Juve cunhado por seu avô homônimo, Edoardo cometeu uma série de gafes e “distribuiu” cargos. Refutou a chefia do clube no futuro, dizendo que estaria mais para “supervisor”; afirmou que o seu primo Giovanni Alberto (21, filho de Umberto) seria um bom presidente, no lugar do “cansado” Giampiero Boniperti, cujo mandato acabaria em alguns meses; e também exaltou Giovanni Trapattoni, a quem presentearia com uma renovação até a aposentadoria.

Família feliz? Após desilusão com Eddy, Gianni Agnelli escolheu o neto John (de camisa listrada) como sucessor (La Stampa)

Boniperti ficou furioso nos bastidores, mas não pode externar o desgosto com um Agnelli. Coube à empresa controladora da agremiação emitir uma nota em que minimizava os comentários de Crazy Eddy, lembrando que ele não tinha poder decisório monocrático, uma vez que a Juventus tinha um conselho de administração formado por cerca de uma dezena de integrantes. Pela primeira vez na história, o clube desmentia um membro do clã.

Em seguida, Vittorio Caissotti di Chiusano, vice-presidente bianconero, advogado da família e amigo pessoal de Gianni, pôs panos quentes no ocorrido, elogiando tanto Edoardo quanto Boniperti, além de afirmar que o ex-jogador seria reeleito sem problemas. Giampiero permaneceu no comando até 1990 e foi sucedido por Chiusano, que ocupou o cargo até a sua morte, em 2003.

Superada as turbulências iniciais, Edoardo passou a ser visto com frequência em companhia de seu pai nos jogos da Juventus e, em 28 de abril de 1986, chegou a sentar no banco de reservas ao lado do lendário técnico Trapattoni – que se despediria ao fim da temporada, dando lugar a Rino Marchesi. Eddy também acompanhava l’Avvocato em visitas aos boxes da Ferrari em grande prêmios de Fórmula 1.

Essa proximidade com os negócios esportivos da família durou pouco, porém. Ao fim da década de 1980, o herdeiro se afastou de tudo: as reações aos comentários atípicos que, às vezes, fazia à imprensa lhe convenceram de que aquele não era o seu lugar. Gianni e Umberto também sabiam disso e haviam escolhido Giovanni Alberto, o Giovannino, como primeiro na linha sucessória do grupo.

A partir de então, Edoardo desapareceu das manchetes. Ou quase. A sua vida privada era muito reservada e, pelas incongruências entre ele e os seus familiares, cercadas de mistérios e hipóteses jamais confirmadas oficialmente. Há quem diga que Eddy não fosse um mero interessado na religião muçulmana e que tenha se convertido ao islamismo sunita ainda na década de 1970, em Nova York, quando ganhou o nome “Hisham Aziz”. Ou que, no decênio seguinte, no Irã, teria se aproximado do ramo xiita e passado a se chamar “Mahdi”. Agnelli de fato visitou Teerã em sucessivas ocasiões e que lá permaneceu por muitos meses de sua vida, em diferentes períodos.

Já em 1990, ele foi detido no Quênia, por porte de heroína, mas as acusações foram retiradas posteriormente. No mesmo ano, na Itália, Edoardo também foi pego com drogas e chegou a ser processado por tráfico – pela quantidade apreendida –, mas acabou absolvido. Depois desses acontecimentos, passou a ser vigiado mais de perto ainda pela família, em especial pelo pai.

Com filosofia antimaterialista, Eddy parecia não se encontrar no seio dos Agnelli (imago)

Contudo, a movimentada vida de Edoardo Agnelli teve um fim abrupto e rápido em 15 de novembro de 2000. Depois de ficar recluso perto da casa do pai, nas colinas que cercam a capital do Piemonte, por pouco mais de um mês, o herdeiro foi encontrado sem vida ao pé do viaduto General Franco Romano, na rodovia Turim-Savona, perto de Fossano, na Itália. A estrutura, que atravessa o rio Stura di Demonte, é conhecida como a ponte dos suicídios.

A única coisa certa sobre esta parte da história é que Edoardo morreu, aos 46 anos, sem deixar filhos. Depois que Gianni Agnelli viajou ao local, que fica a cerca de 70 km de Turim, para fazer o reconhecimento do corpo, a polícia abriu um inquérito e a magistratura emitiu o laudo oficial: a causa do falecimento foi determinada como suicídio devido a uma queda de 73 metros.

No entanto, a morte do herdeiro de Fiat, Ferrari, Juventus e tantas outras marcas poderosas é cercada por teorias conspiratórias. É que Eddy não deixou qualquer carta de despedida e, ao sair de casa, teria perguntado à cozinheira o que ela estava preparando para o jantar. Além disso, os ferimentos, a posição do corpo e o estado das roupas não seriam compatíveis com o pavoroso salto no vazio. Por fim, testemunhas do caso, como um pastor de ovelhas, deram depoimentos que deixariam aberta a possibilidade de haver mais alguém a bordo do Fiat Croma de Edoardo, que foi encontrado no viaduto com o motor ligado – esta versão acabaria desmentida por informações colhidas nos pedágios da rodovia.

As muitas hipóteses em torno do falecimento de Edoardo só puderam ganhar tração por ele ser um personagem incômodo, que não estava em sintonia com as visões e os programas da família e da Fiat. Nesse sentido, um comentário feito pelo filósofo em 1997, em sua última entrevista, voltou à tona na ocasião de sua morte e, volta e meia, é relembrado.

Em dezembro, Giovannino, primo mais próximo de Eddy, morreu aos 33 anos, devido a um câncer no intestino. O acontecimento, obviamente, chacoalhou o clã e mudou os planos de Gianni e Umberto: John Elkann, 22, foi o escolhido para assumir a lacuna deixada pelo parente na Fiat. Edoardo não ficou satisfeito com a escolha do sobrinho, filho de sua irmã Margherita com o intelectual Alain Elkann, e deu inflamadas declarações para jornais de conglomerados rivais dos Agnelli, com insinuações de complô prontamente desmentidas pelo patriarca.

Com opiniões cada vez mais distantes, Gianni e Edoardo se uniam apenas através da Juventus (Reuters)

A essa caudalosa novela familiar se juntavam aspectos religiosos: enquanto Edoardo se interessara pelo Islã e, supostamente, havia se convertido, os Elkann têm origem hebraica. A islamofobia já perpassava as discussões sobre a linha sucessória da dinastia quando o assunto pairava sobre Eddy e uma possível desilusão de l’Avvocato quanto aos “desvios” de seu filho, o que incluiria o interesse pela palavra do Alcorão: aventou-se, em parte da imprensa, que era majoritária na linhagem a contrariedade ao fato de que um (suposto) muçulmano pudesse herdar aquele império. Após a morte do filósofo, a indicação de Elkann abriu caminho também para análises retrospectivas dos fatos que incluíam, também, forte sentimento antissemita.

Em 2005, uma TV iraniana produziu um documentário em que apresentava a tese de um assassinato cometido por sionistas para eliminar um herdeiro da dinastia italiana que se converteu ao Islã. A ascensão de um empresário de origem judaica ao vértice de um dos maiores conglomerados do mundo seria um indício dessa trama. Esta versão é muito popular no Oriente Médio, nos seus arredores e em países de forte comunidade muçulmana: Edoardo Agnelli é tratado como mártir e, em Teerã, uma associação cultural e religiosa, batizada em sua homenagem, relembra a sua morte anualmente.

Conspirações à parte, todos os relatos convergem para um mesmo ponto: Eddy era um rapaz solitário, que almejava encontrar o seu caminho. Nos últimos anos de vida, havia engordado alguns quilos, se sentia deprimido e chegava a passar horas no telefone desabafando com pessoas com as quais tinha pouca intimidade. Seus interlocutores afirmam que ele manifestava algumas ideias confusas, às vezes definidas como “delirantes”, distantes do brilhantismo de outrora. Além da aproximação ao hinduísmo e ao islamismo, Agnelli também frequentou habitualmente um convento franciscano no intuito de encontrar a paz, na reta final de sua trajetória.

Como os poucos Agnelli atípicos ou problemáticos, o filósofo foi relegado ao esquecimento. Embora esteja sepultado no mausoléu do clã, no cemitério de Villar Perosa, até hoje, os integrantes da dinastia evitam falar dele publicamente ou sequer costumam homenageá-lo com missas no aniversário de sua morte – algo habitual para os ícones da família. Alguns poucos ainda carregam boas lembranças de Crazy Eddy. Como seu primo Lupo Rattazzi, que acredita na versão do suicídio. “Se alguém me provasse que Edoardo foi assassinado, eu ficaria feliz de alguma forma, porque isso significaria que ele não estava tão desesperado para fazer esse gesto”, afirmou ao jornal La Stampa.

A rocambolesca trama da dinastia, repleta de acontecimentos trágicos, continua. Dessa vez, é o sobrenome famoso que está ameaçado. Segundo as leis italianas, os descendentes carregam apenas o cognome do seu genitor masculino e, como aqueles que sucederam o patriarca Giovanni geraram várias mulheres e parte considerável dos homens morreu sem deixar herdeiros, outras famílias foram agregadas ao clã – Elkann, Rattazzi, Von Fürstenberg, Nuvoletti, Campello, Della Chiesa, Della Spina, Bertoli, Torlonia. Atualmente, só Andrea, presidente da Juventus, e seu filho Giacomo Dai foram registrados como Agnelli.

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