É uma antiga especialidade do futebol italiano produzir atacantes altos, meio desengonçados e que, mesmo assim, estufam as redes adversárias. Luca Toni pode ser considerado um dos mais vitoriosos dentre eles, mas é fácil citar diversos nomes. Bernardo Corradi, por exemplo. Centroavante contemporâneo do campeão mundial e seu antecessor na seleção, o toscano compartilhou mais do que o estilo de jogo com o 9 do tetra: apesar de ter entrado em evidência pelos gols marcados por Chievo e Lazio, também foi um andarilho do mundo da bola.
Corradi nasceu na bela cidade de Siena, em 1976, e deu seus primeiros passos nos juvenis do principal time de sua terra natal, na época na Serie C1. Já nas categorias de base, o atacante deu uma amostra de sua alma cigana e perambulou por alguns clubes amadores antes de retornar à Robur, em 1993. Bernardo concluiu sua formação pelos bianconeri, mas acabou iniciando a sua movimentada trajetória no futebol profissional na quarta divisão italiana, no modesto Poggibonsi, da própria Toscana.
Depois de duas temporadas no Poggibonsi, nas quais disputou as séries C2 e D, Corradi se transferiu para o Ponsacco, que disputava a quarta categoria. O bom desempenho pelo time da província de Pisa fez com que, apenas um ano depois, o centroavante fosse adquirido pelo Cagliari, da segundona. Bernardo até começou a campanha de 1997-98 pelos sardos, mas atuou em somente cinco partidas e, para amadurecer, foi emprestado na própria janela de transferências do verão europeu.
Nos dois anos seguintes, o centroavante toscano atuou por Montevarchi, na terceirona de 1997-98, e pela Fidelis Andria, na Serie B de 1998-99 – campanha que resultou no rebaixamento dos apulianos. Corradi não marcou tantos gols neste período (somou 13 em ambas as passagens), mas agradou o Cagliari por seu aporte físico nas áreas adversárias. Assim, regressou ao clube da Sardenha, e finalmente fez a sua estreia na primeira divisão italiana, na temporada 1999-2000.
A campanha do Cagliari naquela Serie A não foi nada boa: penúltimo colocado, o time rossoblù foi rebaixado para a segundona. Para Corradi, que já tinha 24 anos, a temporada também não foi produtiva, já que ele atuou em 20 partidas, mas em apenas três delas na condição de titular. Na Coppa Italia, o atacante marcou dois gols, sendo um deles contra a Inter, na eliminação dos sardos nas semifinais. O tento acabou servindo para abrir as portas do clube nerazzurro para ele.
Em 2000, Corradi assinou contrato com a Inter, que logo lhe repassou ao Chievo, da Serie B. Foi exatamente pelo time de Verona que ele começou a se destacar como um centroavante italiano clássico, capaz de utilizar a sua altura e a sua força para incomodar as defesas adversárias e fazer jogadas de pivô, abrindo espaço para infiltrações de seus companheiros de equipe. Na temporada 2000-01, Bernardo marcou 12 gols em 36 jogos, sendo o artilheiro dos clivensi. Com esse lugar de prestígio, contribuiu decisivamente para que os gialloblù ficassem com o terceiro lugar no certame e subissem pela primeira vez para a elite.
O dono da camisa 9 do Chievo conseguiu feitos ainda mais prestigiosos em 2001-02. Sob a batuta de Luigi Delneri, o time do Vêneto se tornou uma das maiores surpresas da história da Serie A, ao conseguir se classificar para a Copa Uefa devido ao quinto posto no certame – o Céo ficou a apenas um ponto do Milan e a dois de uma incrível vaga na Champions League. Na inimaginável campanha dos Burros Alados na elite, Corradi marcou 10 gols e ainda forneceu duas assistências, fechando a sua passagem por Verona com 23 tentos em 74 aparições. Dessa forma, voltou à Inter para ser o reserva de Christian Vieri, em 2002-03.
Bernardo somou apenas quatro minutos pela Inter, num jogo contra o Sporting, pelos playoffs de acesso à fase de grupos da Champions League. Os planos de mantê-lo no elenco mudaram quando a diretoria nerazzurra percebeu que haveria a possibilidade de levar Hernán Crespo para Milão. Assim, Corradi foi envolvido na transação com a Lazio e passou a vestir a camisa 8 da equipe romana.
Àquela altura, a Lazio vivia os últimos momentos da gestão de Sergio Cragnotti e começava a experimentar sérios problemas financeiros. Ainda assim, o elenco treinado por Roberto Mancini era forte e contava com nomes como Luca Marchegiani, Angelo Peruzzi, Jaap Stam, Paolo Negro, Sinisa Mihajlovic, Fernando Couto, Giuseppe Favalli, Giuseppe Pancaro, Juan Pablo Sorín, Massimo Oddo, Diego Simeone, Dejan Stankovic, César, Stefano Fiore, Simone Inzaghi, Enrico Chiesa e Claudio López. Corradi não se intimidou com o fato de dividir vestiários com estrelas e se tornou titular da equipe. Na época, chegou a ser comparado a Pierluigi Casiraghi.
O atacante toscano estreou pela Lazio na segunda rodada da Serie A e já foi logo acionando a lei do ex contra o Chievo – no entanto, a sua equipe perdeu por 3 a 2 para os veroneses. Ao longo de sua primeira temporada na Cidade Eterna, Corradi desempenhou um bom papel como coadjuvante de López e marcou 10 gols no Italiano, contribuindo para a classificação dos biancocelesti para a Champions League.
Já em 2003-04, uma Lazio mais enfraquecida teve de se desdobrar novamente em três frentes. Na Liga dos Campeões e na Serie A, não deu muito certo: a equipe amargou eliminação na fase de grupos e foi apenas sexta colocada no certame nacional. Mas Corradi pode conquistar o primeiro título de sua carreira. Na Coppa Italia, o centroavante foi decisivo ao marcar um gol e fornecer uma assistência no segundo jogo da final contra a Juventus. No total, Bernardo anotou 11 tentos e deu oito passes decisivos naquela temporada.
O alto desempenho de Corradi pela Lazio fez com que as chances na seleção italiana aparecessem. O atacante foi chamado pela primeira vez por Giovanni Trapattoni em fevereiro de 2003 e já estreou com bola nas redes: foi o autor do gol da vitória por 1 a 0 sobre Portugal, em amistoso. No total, Bernardo disputou 13 partidas pela Nazionale e teve, como principal momento, a convocação para a Eurocopa de 2004. Na competição, a Squadra Azzurra foi eliminada na fase de grupos e o toscano fez apenas uma exibição, no triunfo por 2 a 1 sobre a Bulgária. Após o torneio, recebeu apenas mais uma chance, nos momentos iniciais da gestão de Marcello Lippi, e nunca mais teve espaço no grupo.
Ainda em 2004, Corradi mudou de clube: depois de 82 aparições e 22 gols pela Lazio, saiu da Itália para disputar La Liga com a camisa do Valencia, a pedido do técnico Claudio Ranieri. Na abertura da temporada, ficou em campo durante quase todo o jogo contra o Porto, no qual o time hispânico se sagrou vencedor da Supercopa Uefa. Porém, este seria um dos poucos momentos positivos de sua carreira no exterior.
Ranieri tentou montar uma colônia italiana no Valencia, mas nenhum dos contratados chegou perto de repetir o sucesso que o veterano Amedeo Carboni alcançou por lá – Fiore, Marco Di Vaio, Emiliano Moretti e o próprio Corradi não tiveram vida fácil na Espanha. Os che não engrenaram sob o comando do treinador, que foi demitido após a 24ª rodada de La Liga, e Bernardo passou a amargar o banco de reservas na gestão de Antonio López.
Escanteado, depois de marcar somente cinco vezes em 32 aparições, o toscano regressou para a Itália na temporada 2005-06. Emprestado pelo Valencia, Corradi vestiu a camisa do Parma e entregou seus 10 golzinhos já habituais na Serie A. Ao ajudar um modesto time crociato a ficar na 10ª posição do campeonato – que se tornaria sétima, após as sentenças do Calciopoli –, Bernardo chamou a atenção do Manchester City.
O Manchester City não era o clube multimilionário que é hoje e, naquela época, Corradi disputou posição com Georgios Samaras, Émile Mpenza, Darius Vassell e Paul Dickov. O italiano fez a sua estreia na rodada inaugural da Premier League, contra o Chelsea. O debute não saiu conforme o planejado: Bernardo acabou expulso do jogo e o seu time derrotado por 3 a 0.
Corradi só foi balançar as redes no confronto da 13ª rodada da Premier League, contra o Fulham, e deixou logo uma doppietta. O centroavante atuou em 29 partidas, sendo 23 delas como titular, mas só voltou a balançar as redes outra vez pelos citizens, que ficaram com a modesta 14ª posição no Campeonato Inglês. Longe de fazer sucesso com a camisa do Manchester City, Bernardo acabou reemprestado ao Parma, no verão de 2007.
A segunda passagem do centroavante pelo clube emiliano foi apagada. O Parma vivia profunda crise financeira e tinha um elenco ainda menos qualificado do que aquele ao qual Corradi pertencera, duas campanhas antes, o que já anunciava um porvir de dificuldades. Desta vez, o já veterano atacante, que terminaria a temporada com 32 anos completos, contribuiu muito mais no vestiário do que com gols – foram apenas cinco. Os ducali, contudo, não conseguiram escapar do rebaixamento para a Serie B.
Em julho de 2008, Corradi rescindiu o contrato que ainda o ligava ao Manchester City e, na sequência, assinou com a Reggina, que vinha somando milagrosas campanhas de permanência na Serie A. Na Calábria, Bernardo substituiu o também andarilho Nicola Amoruso, reencontrou o seu melhor futebol e, novamente, deixou os seus habituais 10 gols no campeonato nacional – além de mais um na Coppa Italia. Porém, não impediu que o time amaranto voltasse para a segunda divisão.
O desempenho positivo pela Reggina representou o último momento de destaque do atacante de 33 anos. Nas duas temporadas seguintes, Corradi quebrou um galho como centroavante reserva da Udinese e pouco jogou: entrou em campo por 922 minutos e anotou somente cinco gols. Para encerrar a carreira, aos 36, Bernardo foi fazer um pé de meia na Major League Soccer. Assinar pelo Impact de Montréal, do Canadá, que foi o 14º e derradeiro clube de sua trajetória profissional.
No fim das contas, as comparações com Casiraghi, às quais Corradi foi submetido no auge da carreira, não se sustentaram. O seu sucesso também não pode ser confrontado de forma honesta com o de Toni, Vieri ou o de outros gabaritados atletas com o qual compartilhou o estilo de atuação. O grandalhão era razoável no jogo aéreo e pouco além disso – não à toa, costumou ser coadjuvante. Virou andarilho por não ter qualidade o suficiente para se firmar no mais alto nível, mas, por outro lado, teve a capacidade de contribuir com clubes menos ambiciosos.
Fora dos campos, Corradi chegou a ser comentarista, mas se firmou, pasmem, como um incentivador de talentos. O ex-atacante se tornou auxiliar da seleção italiana sub-17, em 2017, e ocupou o posto de vice-treinador do time sub-19, na sequência. Com passagens pelas equipes nacionais sub-16 e sub-18, Bernardo é o comandante da sub-17 desde 2020.
Bernardo Corradi
Nascimento: 30 de março de 1976, em Siena, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Siena (1993-94), Poggibonsi (1994-96), Ponsacco (1996-97), Cagliari (1997 e 1999-2000), Montevarchi (1997-98), Fidelis Andria (1998-99), Chievo (2000-02), Inter (2002), Lazio (2002-04), Valencia (2004-05), Parma (2005-06 e 2007-08), Manchester City (2006-07), Reggina (2008-09), Udinese (2009-11) e Impact de Montréal (2012)
Títulos como jogador: Coppa Italia (2004) e Supercopa Uefa (2004)
Carreira como treinador: Itália Sub-16 (2019), Itália Sub-18 (2020) e Itália Sub-17 (2020-hoje)
Seleção italiana: 13 jogos e 2 gols