A miscigenada Inter de José Mourinho tomou de assalto o futebol europeu na temporada 2009-10. Jogadores de várias etnias se destacaram em um time que entrou para a história com a conquista do memorável Triplete. Naquela época, o brasileiro Maicon estava no auge, a ponto de ser escolhido pela Uefa como o melhor defensor do ano. Tinindo fisicamente e perigoso quando subia ao ataque, foi soberano na lateral direita da equipe nerazzurra, alcançou o topo do esporte e ganhou o apelido de “Colosso”. Após deixar a Beneamata e fracassar no endinheirado Manchester City, ele ainda representou a Roma, mas sem o sucesso de outrora.
Antes de nos aprofundarmos na carreira futebolística do ídolo interista, cabe abrirmos parênteses para contarmos duas anedotas de sua infância. Maicon veio ao mundo em 26 de julho de 1981, na cidade de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, junto de seu irmão gêmeo, Marlon. Um dia depois, o pai das crianças e então zagueiro do time local, Manoel Sisenando, enterrou os cordões umbilicais dos recém-nascidos no centro do gramado do Estádio Santa Rosa, que foi demolido em abril de 2010.
Manoel fechou o buraco no campo e orou a Deus para que pelo menos um dos filhos virasse jogador de futebol profissional de alto nível. O desejo era compartilhado pela mãe dos gêmeos, Anísia, que, inclusive, teve a ideia de enterrar os cordões e realizar a promessa. A oração deu certo, e Maicon ganhou o mundo jogando bola. Aliás, ele deveria se chamar Michael Douglas Sisenando. É que seus pais, amantes de filmes, gostariam de homenagear o famoso ator Michael Douglas.
No entanto, quando chegou o momento de registrar o bebezinho, o profissional do cartório errou, “aportuguesando” o nome para Maicon em vez de Michael. Seu irmão gêmeo também deveria portar nome de ator famoso na carteira de identidade, mas a pessoa do cartório se recusou a registrar Marlon Brando, em homenagem ao ator americano com participação em O Poderoso Chefão. Fecha parênteses.
Com o apoio da família, Maicon começou bem cedo no árduo mundo do futebol. Aos 14 anos, passou em uma peneira e entrou para as divisões de base do Grêmio. A trajetória pelo Tricolor, contudo, foi curta. Depois, chegou às categorias inferiores do Criciúma, onde se destacou e acabou adquirido pelo Cruzeiro, em 2001. Na Raposa, o lateral-direito deu o salto para o profissional e fez parte de um plantel puramente vencedor. Prova disso são os títulos de Campeonato Mineiro (2002, 2003 e 2004), Brasileirão (2003) e Copa do Brasil (2003), com o bônus da Tríplice Coroa, conquistada em 2003.
O desempenho com a camisa celeste levou Maicon às seleções de base do Brasil. Frequentou o time sub-20 e o sub-23 entre 2001 e 2004. Naquela época, o defensor já demonstrava aptidão ofensiva. Em um jogo contra o Paraguai, no Pré-Olímpico de 2004, marcou um golaço ao seu estilo: arrancou do campo de defesa, deixou cinco adversários para trás e guardou a bola na meta paraguaia. A convocação para a equipe principal brasileira também não demoraria a chegar. Primeiro, na Copa Ouro, que serviu como preparação para a Olimpíada de 2004; depois, com Carlos Alberto Parreira, que lhe testou como titular na campanha do título canarinho na Copa América.
No mesmo ano, inclusive, Maicon fez as malas e aportou na Europa. O Monaco entrou em acordo com o Cruzeiro, pagou 3 milhões de euros e levou o jogador ao futebol francês. A pedido do treinador Didier Deschamps, o defensor chegou à equipe monegasca como reposição à saída do argentino Hugo Ibarra. Em sua primeira temporada na França, o camisa 13 atuou como lateral-direito, no esquema 4-4-2, e ala pela direita, quando Deschamps implementava o 3-5-2, com o ofensivo Patrice Evra atuando na outra extremidade do campo.
Após encerrar 2004-05 com 43 partidas e cinco gols pelo Monaco, o gaúcho foi convocado para disputar a Copa das Confederações de 2005. Reserva de Cicinho em boa parte da competição, Maicon jogou 45 minutos na semifinal, ante a Alemanha – vitória por 3 a 2 –, e entrou na reta final da goleada brasileira por 4 a 1 sobre a Argentina, na decisão do torneio. Era seu segundo título com a camisa amarelinha, e ambos em decisões contra os hermanos. No entanto, o defensor perdeu a disputa com o seu colega de Real Madrid para ser a alternativa a Cafu na Copa do Mundo de 2006.
Maicon continuou impressionando com a camisa do Monaco e despertou o interesse de grandes equipes europeias. A Inter foi uma delas. Assim, no mercado de verão de 2006, a diretoria nerazzurra desembolsou 6 milhões de euros e contratou o defensor, que assinou vínculo de cinco anos. O lateral-direito chegou a Appiano Gentile junto do meio-campista francês Olivier Dacourt, ex-Roma, e do compatriota Maxwell, que estava emprestado ao Empoli. Aliás, os brasileiros rapidamente ganharam a posição de titulares no time escalado por Roberto Mancini.
Pelo lado esquerdo da defesa, Giuseppe Favalli e Pierre Womé não convenceram o treinador na temporada anterior, então Maxwell tomou conta do setor com certa facilidade. Maicon, por sua vez, desbancou nada mais, nada menos que a lenda Javier Zanetti. Após a contratação do gaúcho, o capitão argentino começou a executar outras funções dentro da engrenagem do time, deixando o corredor direito livre para as arrancadas do camisa 13.
Maicon iniciou sua trajetória na Inter em grande estilo: substituiu Fabio Grosso na etapa complementar do jogo contra a Roma, valendo a Supercopa Italiana, e ajudou os nerazzurri a virarem a peleja. Os romanos chegaram a abrir três tentos de diferença sobre a Beneamata, mas os comandados de Mancini tiraram a diferença e venceram na prorrogação, após o gol de falta de Luís Figo que decretou o 4 a 3. Levantar taças, aliás, se tornaria algo recorrente àquela equipe, que dominou a Itália na segunda metade da década de 2000.
Em seu primeiro ano de Inter, o brasileiro conseguiu incluir dois títulos (Supercopa Italiana e Serie A) em seu currículo, e muitos outros viriam nas temporadas seguintes. Fato negativo para ele foi uma punição por ter se envolvido em uma confusão generalizada com jogadores do Valencia após a eliminação da Beneamata frente ao time espanhol, no Mestalla, pelas oitavas de final da Liga dos Campeões. Segundo a Uefa, David Navarro e Carlos Marchena, dos che, e os nerazzurri Nicolás Burdisso, Iván Córdoba e Maicon tiveram uma conduta antidesportiva grosseira. Inicialmente, o brazuca havia sido suspenso por seis jogos, mas o gancho caiu para três.
Após a Copa do Mundo de 2006, Parreira deu lugar a Dunga. Uma das missões do ex-volante da Fiorentina era encontrar um substituto para Cafu, que se aposentara da Canarinho após o Mundial realizado na Alemanha. Cicinho até chegou a ser o titular da lateral direita nos dois primeiros jogos do gaúcho à frente da seleção tupiniquim. Depois, porém, Maicon não deu chances aos concorrentes, tornando-se figurinha carimbada no onze inicial do rígido comandante. Em 2007, ajudou o Brasil a ganhar a Copa América, com direito a um inapelável 3 a 0 sobre a Argentina na final.
Se, com Mancini, Maicon ajudou a Inter a ganhar quase tudo em solo nacional, sob as ordens de José Mourinho o brasileiro viveu seu apogeu. O técnico português, aliás, revelou uma anedota engraçada envolvendo o gaúcho. “Me lembro de uma partida em Siena, com Maicon”, disse o treinador, em entrevista ao DAZN. “Me diziam que ele sempre tomava o quinto cartão amarelo para ser suspenso antes do Natal e, assim, poder ir de férias ao Brasil. Fui até ele e disse que, caso fosse amarelado, ele não sairia de férias, eu não sou idiota… Ele me disse: ‘e se eu marcar, posso ir?’ Respondi: ‘Não, só se você fizer dois [gols]’. Ele fez uma doppietta, tomou o amarelo por ter tirado a camisa e saiu de férias. Ele teve uma semana a mais [de férias]”, completou. O jogo foi realizado em 20 de dezembro de 2008, e a Beneamata bateu o Siena, por 2 a 1, graças aos dois tentos do lateral.
Nos tempos da Inter de Mou, o Colosso chegou a ser acusado de ir treinar bêbado. Em 2008, a imprensa europeia relatou que o lateral e o atacante Adriano não tiveram condições de realizar a atividade, sendo dispensados pelo comandante – em comunicado oficial, o clube desconversou sobre o assunto. Muitos anos depois, o ex-meia-atacante Ianis Zicu, em um programa de TV da Romênia, endossou a história. “Em uma determinada ocasião, Mourinho chamou todos os jogadores e perguntou como solucionar esse problema. Então, ele decidiu que os treinos seriam na parte da noite. Passaram a não mais trabalhar de manhã e sim de noite, porque aí Maicon poderia voltar […]”, contou.
Zicu, contudo, nunca jogou com Maicon ou chegou a ser comandado por Mourinho, já que ele jamais entrou em campo em compromisso oficiais pela Beneamata enquanto esteve sob contrato com os nerazzurri. “Eu nem sei quem é o cara, nunca vi ou ouvi falar dessa pessoa, nunca joguei com ele enquanto estive na Inter, não sei porque ele fez essas acusações […]”, defendeu-se o brasileiro sobre as palavras do romeno.
Apesar das polêmicas extracampo, os anos de 2009 e 2010 foram especiais para o gaúcho de Novo Hamburgo. Em 2009, foi campeão da Copa das Confederações, com direito a três assistências e um gol em quatro partidas; também usou a braçadeira de capitão da seleção brasileira contra Bolívia e Venezuela, em combates válidos pelas Eliminatórias da Copa do Mundo da África do Sul. Já em nível de clube, o início da campanha 2009-10 foi com o pé direito, o mesmo que soltou um canhão para marcar o terceiro dos quatro tentos na goleada por 4 a 0 sobre o rival Milan. Aquele célebre Derby della Madonnina – para os nerazzurri, obviamente – antecipou uma temporada memorável para os comandados de Mourinho.
A equipe de Milão conquistou todos os três principais títulos que disputava em 2009-10: Liga dos Campeões, Serie A e Coppa Italia – a Supercopa Italiana, por outro lado, ficou com a Lazio, que bateu a Beneamata por 2 a 1, logo no início da época. Maicon foi um dos pilares da campanha nerazzurra. Seus dotes ofensivos se destacaram ainda mais durante aquele período. No Derby d’Italia contra a Juventus, por exemplo, anotou um dos gols mais bonitos da Inter naquela Serie A: após sobra de bola na entrada da área, o lateral dominou com a coxa, tirou de Amauri, ajeitou e finalizou com estilo, de voleio, sem deixar a pelota tocar o gramado. O tento foi eleito como o mais plástico do ano pela AIC, a Associação Italiana de Futebolistas.
O camisa 13 interista encerrou a temporada 2009-10 com números muito expressivos: só na Serie A foram seis tentos e 11 assistências em 33 jogos. Na Liga dos Campeões, o lateral anotou apenas uma vez (contra o Barcelona, no Giuseppe Meazza, pelo duelo de ida da semifinal) e forneceu um passe para gol. Ele também se destacou na Copa do Mundo de 2010, abrindo a contagem do Brasil no torneio – no qual a Seleção foi eliminada nas quartas de final, ante a Holanda, graças ao também nerazzurro Wesley Sneijder.
Em jogo truncado com a Coreia do Norte, o camisa 2 canarinho chegou à linha de fundo e, quase sem ângulo, arrematou com o peito do pé direito, de modo a colocar na bola um efeito “para fora”, como se estivesse batendo de trivela – era o estilo de chute ao qual Maicon mais recorria. A redonda passou entre o goleiro e a trave, morrendo no fundo das redes. Em dezembro de 2010, o gaúcho recebeu o Samba d’or, prêmio dedicado ao melhor jogador brasileiro do ano atuando nas grandes campeonatos europeus. Antes, ele também havia sido eleito pela Uefa como o melhor defensor de 2010.
Após o auge, Maicon sofreu com lesões musculares em 2010-11. Assim, ele não conseguiu repetir o mesmo desempenho da temporada anterior. Outras contusões o prejudicaram na campanha de 2011-12, limitando ainda mais sua presença dentro de campo. De qualquer forma, o Colosso balançou as redes de Juventus e Milan. O gol no Derby della Madonnina, inclusive, foi uma obra-prima: soltou uma pancada de fora da área, com seu estilo clássico de finalizar, sem chances para o goleiro Marco Amelia. A Inter venceu o dérbi por 4 a 2, com direito a tripletta de Diego Milito.
A história de Maicon na Inter terminou quando o Manchester City, catapultado à sala de clubes ricos após a chegada do dinheiro dos Emirados Árabes Unidos, pagou 4 milhões de euros (mais 3,5 mi em bônus) para levá-lo ao futebol inglês, em agosto de 2012. Na bagagem do lateral estavam 249 jogos, 20 gols, 51 assistências, 11 títulos e diversos prêmios individuais em seis anos vestindo azul e preto, além de sua rica história na seleção brasileira.
No City, o defensor reencontrou Mancini, seu primeiro técnico quando chegara à Itália. Porém, o lateral teve uma experiência horrível na Inglaterra: sofreu com lesões, não ofereceu riscos à titularidade de Pablo Zabaleta e chegou a ser a terceira opção para a posição, atrás, inclusive, de Micah Richards. Após a demissão de Mancini ao fim da temporada, a agremiação de Manchester teve o aval do então novo treinador, Manuel Pellegrini, para se livrar do brasileiro, que acertou com a Roma. Foram apenas 16 partidas e nenhuma participação em gol pelos Sky Blues.
A Loba oficializou a compra de Maicon no dia do seu aniversário de 32 anos: 26 de julho de 2013. Contrato bienal para o gaúcho, que voltaria a usar o número 13 às costas – no City, ele utilizou a camisa 3. O retorno à Itália fez bem ao lateral-direito. Embora estivesse longe de seus tempos de Inter, voltou a jogar com frequência e ganhou até novas convocações para a seleção brasileira. Inclusive, acabou chamado por Luiz Felipe Scolari para a Copa do Mundo de 2014, torneio em que ganhou a posição de Daniel Alves a partir das quartas de final. O Colosso atuou no trágico 7 a 1 contra a Alemanha e viu sua trajetória pela Canarinho terminar na nova gestão de Dunga: foi cortado de uma turnê nos Estados Unidos, em setembro de 2014, devido a problemas internos.
Maicon durou três anos na Roma. Foi duas vezes vice-campeão italiano e vivenciou vexames como o histórico 6 a 1 diante do Barcelona, no Camp Nou, pela Liga dos Campeões de 2015-16. Mas, lutando contra lesões, seu rendimento caiu e ele acabou perdendo a posição de titular para Alessandro Florenzi. O brasileiro deixou a Cidade Eterna em julho de 2016, ao fim de seu contrato. Foram 69 aparições, cinco gols e cinco assistências pelos giallorossi.
Livre no mercado, o jogador tirou um tempo para permanecer ao lado da família e de amigos, além de conhecer novos lugares. Foram nove meses longe dos gramados até ir ao Rio de Janeiro e começar a treinar no Botafogo, que, no entanto, optou por não adquiri-lo. Assim, o Avaí entrou na jogada e, em maio de 2017, ofereceu um contrato ao experiente lateral, então com 35 anos. Com desempenho aquém do esperado, ele disputou nove partidas e marcou um gol pelo time catarinense. Foi rebaixado à Série B e não renovou para a temporada de 2018. Maicon só voltaria aos campos meses depois, ao assinar com o Criciúma, equipe que o revelou para o futebol.
A passagem pelo Criciúma também foi curta – nove meses –, e Maicon atuou por mais três times (Villa Nova, de Minas Gerais; Sona, da quarta divisão italiana; e Tre Penne, de San Marino) até se retirar silenciosamente do futebol. Durante a pandemia de covid-19, o ídolo interista abriu um canal no YouTube, no qual publicou lances de seus tempos de Roma e de seleção brasileira, além de um teaser com momentos vividos na Inter. O ex-lateral ficou um tempo sumido das redes sociais ou das entrevistas, até se tornar comentarista da TNT Sports. De qualquer maneira, o Colosso jamais será esquecido por tudo que proporcionou ao torcedor nerazzurro. Não à toa, foi homenageado pela Beneamata no Giuseppe Meazza, em 2018.
Maicon Douglas Sisenando
Nascimento: 26 de julho de 1981, em Novo Hamburgo (RS)
Posição: lateral-direito
Clubes: Cruzeiro (1999-2001), Monaco (2004-06), Inter (2006-12), Manchester City (2012-13), Roma (2013-16), Avaí (2017), Criciúma (2019), Villa Nova (2020), Sona (2021) e Tre Penne (2021-22)
Títulos: Sul-Americano Sub-20 (2001), Campeonato Mineiro (2002, 2003 e 2004), Campeonato Brasileiro (2003), Copa do Brasil (2003), Copa América (2004 e 2007), Copa das Confederações (2005 e 2009), Supercopa Italiana (2006, 2008 e 2010), Serie A (2007, 2008, 2009 e 2010), Coppa Italia (2010 e 2011), Liga dos Campeões (2010) e Mundial de Clubes da Fifa (2010)
Seleção brasileira: 76 jogos e 7 gols