Quantas vezes você já viu uma equipe sofrer no campeonato nacional e dar a volta por cima nas competições de mata-mata? Em 1993-94, isso aconteceu com a Inter. Naquela temporada, a Beneamata chegou a brigar contra o rebaixamento e teve o pior desempenho de sua história na Serie A, mas salvou a lavoura graças à conquista de seu segundo título de Copa Uefa, obtido com dois triunfos sobre o Casino Salzburg.
No início da década de 1990, a Inter precisou se reconstruir. Em 1991, após cinco anos, um título da Serie A – com direito a recorde – e um da Copa Uefa, o técnico Giovanni Trapattoni deixou Milão e se reuniu à Juventus. A temporada seguinte à sua saída foi extremamente confusa e o modesto oitavo lugar obtido no Campeonato Italiano foi a senha para o encerramento do ciclo dos alemães Andreas Brehme, Lothar Matthäus e Jürgen Klinsmann na Beneamata.
Em 1992-93, Osvaldo Bagnoli, que já faturara um scudetto com o Verona e levara o Genoa a uma semifinal da Copa Uefa, arrumou a casa e conduziu a Inter ao vice-campeonato da Serie A. Se imaginava que a campanha seguinte representasse um salto para os nerazzurri, principalmente após a diretoria reforçar o elenco com Dennis Bergkamp e Wim Jonk, dois dos melhores jogadores do Ajax. Porém, não foi o que ocorreu.
O início da temporada da Inter não foi exatamente ruim. A Beneamata virou o ano três pontos atrás do Milan de Fabio Capello, líder da Serie A, e terminou o primeiro turno da competição em sexto, a cinco dos rossoneri. Porém, uma sequência de apenas duas vitórias em sete rodadas – aliada a tensões nos bastidores – levou à demissão de Bagnoli na 22ª jornada. Tal qual em 1991-92, quando promoveu Luis Suárez ao posto de Corrado Orrico, o presidente Ernesto Pellegrini optou por uma opção caseira para o restante da campanha: entregou o comando da equipe a Gianpiero Marini, histórico volante nerazzurro das décadas de 1970 e 1980, que era técnico do time sub-19 interista.
A função de Marini era a de estancar a sangria, mas ela só aumentou. O desempenho do ex-volante na Serie A foi pífio: em sua gestão, a Inter somou apenas seis pontos em 24 possíveis, e entrou de cabeça na briga contra o rebaixamento. A certeza pela permanência da equipe – que jamais havia sido rebaixada e pode manter essa honra, que cultiva até hoje – só se deu na penúltima rodada, através de um empate com a Roma e resultados idênticos de Reggiana, Piacenza e Udinese. Mesmo assim, a Beneamata concluiu a temporada com a pior campanha de sua história nos pontos corridos – ficou na 13ª posição, apenas um ponto acima da zona de descenso.
O alívio pela salvação foi grande entre os nerazzurri. Afinal, a Inter havia se desinteressado da Serie A de forma estratégica e essa escolha quase lhe custou caro. Conforme o título e até mesmo a busca por vagas em competições continentais foi se mostrando algo irreal, a equipe decidiu focar na Copa Uefa, torneio em que se encontrava nas quartas de final quando Marini assumiu o comando.
Ainda sob as ordens de Bagnoli, a Inter contou com ótimas atuações de Bergkamp para eliminar seus adversários na Copa Uefa. A estreia no torneio, com tripletta do holandês sobre o Rapid Bucareste, foi um bom presságio. Os nerazzurri avançaram com 5 a 1 no placar agregado contra os romenos e, na sequência, derrubaram o cipriota Apollon Limassol (4 a 3) e o inglês Norwich (2 a 0). Sete dos 11 gols foram de autoria do craque.
Entre as oitavas de final e as quartas, a Copa Uefa ficava pausada por quase três meses, entre dezembro e março. Quando retomou as atividades na competição, a Inter eliminou o Borussia Dortmund (4 a 3) e chegou às semifinais para encarar o Cagliari, que não conseguira derrotar na edição 1993-94 da Serie A: os duelos haviam terminado em triunfo rossoblù por 1 a 0 e em empate por 3 a 3. No torneio europeu, os sardos venceram o jogo de ida por 3 a 2, no Sant’Elia, e mantiveram a escrita. Na volta, porém, a Beneamata contou com seus jogadores mais decisivos e reverteu o cenário graças a um sonoro 3 a 0 – além de Bergkamp e Jonk, Nicola Berti, que se recuperara da ruptura do ligamento cruzado do joelho, balançou as redes.
Na decisão do torneio, a Inter enfrentaria o Casino Salzburg, que se classificara para a Copa Uefa devido ao vice-campeonato obtido na Bundesliga austríaca – houve empate em pontos com o Austria Vienna, que levantou a taça por causa de critérios de desempate. Em seu percurso europeu, o time, que atualmente é controlado pela Red Bull, superou Dunajská Streda (4 a 0), Royal Antwerp (2 a 0), Sporting (3 a 2), Eintracht Frankfurt (se classificou nos pênaltis, após agregado de 1 a 1) e Karlsruher (no gol qualificado, depois de 1 a 1).
As trajetórias tortuosas dos dois postulantes ao troféu da Copa Uefa não permitiam que um dos times fosse definido como franco favorito. No papel, o elenco da Inter era obviamente melhor, mas o Salzburg era treinado pelo veterano Otto Baric e contava com jogadores frequentemente convocados para a seleção da Áustria, como Otto Konrad, Wolfgang Feiersinger, Peter Artner e Heimo Pfeifenberger. Qualquer derrapada dos nerazzurri – o que, convenhamos, não era tão improvável naquela época – poderia ser fatal para os seus planos.
A partida de ida da final foi realizada em 26 de abril de 1994, três dias depois que a Inter teve a certeza matemática de que continuaria na Serie A. Com um enorme peso tirado das costas, o elenco viajou para a Áustria num clima bem diferente do que viveu em grande parte da temporada. Os atletas sabiam o que havia dado errado na campanha e estavam motivados para superar, naqueles dois últimos jogos decisivos, as dificuldades já conhecidas.
Isto foi evidenciado na sincera entrevista coletiva de Rubén Sosa, companheiro de ataque de Bergkamp. O uruguaio lamentou o desentrosamento com o holandês e contou que os dois já haviam tentado sanar as incompatibilidades dentro de campo numa franca conversa sobre tática na concentração nerazzurra, meses antes. A situação não mudou, mas El Principito estava sedento para levantar a sua primeira taça no futebol italiano: garantiu que daria o máximo nas partidas finais e disse que esperava que o colega fizesse o mesmo, pois tinha qualidade para tal.
A partir das oitavas de final, o Salzburg passou a mandar seus jogos europeus em Viena, capital da Áustria. Isso, de certa forma, motivava a Inter. Afinal, exatos 30 anos antes da decisão com os violetas, os nerazzurri haviam obtido seu primeiro título internacional – o da Copa dos Campeões, sobre o Real Madrid – no mesmo estádio. Nesse meio tempo, o velho Praterstadion foi reformado e, em 1992, rebatizado em homenagem ao icônico técnico Ernst Happel, que faleceu em virtude de um tumor pulmonar.
A mística do estádio realmente se mostrou favorável à Inter. Empurrada por um número razoável de torcedores em Viena, uma vez que a Áustria é vizinha da Itália, a equipe nerazzurra fez um bom primeiro tempo. Walter Zenga não fez defesas difíceis e só teve dois sustos, ambos dirimidos por Antonio Paganin. O zagueiro cortou cruzamento antes da chegada de Martin Amerhauser e efetuou bloqueio providencial sobre Pfeifenberger, acionado na área pelo brasileiro Marquinho.
Do outro lado do campo, Sosa e Bergkamp interagiam bem. O uruguaio chegou a ter grande chance após receber passe de Alessandro Bianchi, mas errou o chute. El Principito se redimiria aos 35 minutos: foi esperto ao cobrar falta com rapidez e encontrou Berti, que dominou tirando da marcação e bateu cruzado, vencendo Konrad para abrir o placar. O gol simbolizou o retorno do meia ao alto nível: com atuações decisivas, como a da partida de ida da final da Copa Uefa, o nerazzurro convenceria o técnico Arrigo Sacchi de que a séria lesão havia ficado para trás e garantiria sua vaga no grupo da Itália para a Copa do Mundo de 1994.
A Inter poderia ter descido para os vestiários com uma vantagem maior, mas levou azar no último lance da etapa inicial. Bergkamp e Jonk trabalharam bem a bola, que chegou para Sosa efetuar um disparo de canhota, da entrada da área – no entanto, a pelota carimbou o travessão. O segundo gol permitiria à Beneamata ter uma tranquilidade que jamais experimentaria no tempo complementar.
Logo na volta do intervalo, o ponta Bianchi parou Franz Aigner com um puxão, levou o segundo cartão amarelo e foi expulso por Kim Milton Nielsen. A partir de então, a Inter se viu em inferioridade numérica e mudou completamente a sua postura. Marini não mexeu no time, mas recuou Bergkamp e deixou Sosa isolado no ataque, no intuito de apostar na velocidade do uruguaio se fosse possível contragolpear.
Em geral, a Inter soube se defender muito bem no segundo tempo – e foi ainda mais eficiente depois dos 75 minutos, quando o zagueiro Riccardo Ferri substituiu Sosa. O Salzburg levou perigo apenas num lance em que Sergio Battistini e Giuseppe Bergomi foram disputar a mesma bola e perderam para Pfeifenberger, que ajeitou de cabeça para Hermann Stadler. O atacante recebeu sozinho e teve a chance do empate, mas concluiu para fora. No finalzinho, repetindo o austríaco, Jonk tiraria tinta da trave violeta.
Dessa forma, a Inter levou a vantagem para Milão e tinha tudo encaminhado para fazer com que os veteranos Zenga e Ferri, dois pratas da casa, se despedissem da agremiação com mais um troféu no currículo – a dupla acertaria com a Sampdoria. Quem também terminaria a sua história na Beneamata era Battistini, que se mostrara bastante útil desde que fora contratado, em 1990.
O primeiro tempo em San Siro poderia ter terminado em goleada para a Inter. A equipe nerazzurra conseguiu ter quatro chances cara a cara com o goleiro Konrad, mas desperdiçou todas elas – ou seja, a interação entre Sosa e Bergkamp até existia, mas os dois é que, às vezes, não calibravam a pontaria.
Cada um dos atacantes da Beneamata perdeu duas chances. Sosa teve oportunidades caindo pela esquerda: na primeira, escorregou e finalizou em cima de Konrad; na segunda, interceptou o toque equivocado do veterano capitão Heribert Weber e mandou um chute em diagonal pela linha de fundo. Bergkamp, por sua vez, começou tirando tinta da trave por conta da pressão do experiente beque adversário. Mais tarde, recebeu um passe açucarado do colega uruguaio e falhou ao completar o contragolpe letal – arrematou nos pés do arqueiro adversário. Já o Salzburg, bastante modificado em relação ao duelo de ida, só levou perigo com uma conclusão de longa distância de Adi Hütter, colocada para escanteio por Zenga.
Os times voltaram para o segundo tempo dispostos a proporcionar tanto entretenimento quanto na etapa inicial. Sosa desperdiçou outra oportunidade cara a cara com Konrad e a Inter quase foi castigada, minutos depois. Marquinho ganhou uma dividida com Battistini e calibrou um belíssimo chute cruzado, que passou por Zenga, bateu na trave direita da Beneamata e pererecou por cima da linha até carimbar o poste oposto e ser afastada pela zaga.
O susto gerou senso de urgência na Inter, que atacou de maneira mais incisiva. Primeiro, Bergkamp efetuou um belo chute de direita e Konrad quase colocou contra suas próprias redes – tentou defender em dois tempos e espalmou a bola em sua trave. Aos 62, a equipe da casa se tranquilizaria. Jonk ganhou uma dividida no alto e atacou o espaço para receber a pelota de volta, após uma eficiente troca de passes entre Berti e Sosa. O meia holandês driblou Leopold Lainer e efetuou uma linda cavadinha para abrir o placar no Giuseppe Meazza.
Depois do gol, a Inter viu Davide Fontolan – improvisado como ala pela esquerda – sofrer crise de hipoglicemia e ser substituído por Ferri para não desmaiar em campo. A alteração foi a deixa para levar a equipe da casa a uma postura mais cautelosa: afinal, o Salzburg precisaria da virada para deixar Milão com o título. Os austríacos até tentaram, mas chutes perigosos de Feiersinger e Lainer foram muito bem defendidos por Zenga.
No fim das contas, o árbitro Jim McCluskey decretou o fim da partida e a Inter pode festejar o seu segundo título da Copa Uefa, três anos após o primeiro, obtido contra a Roma. A alegria dos nerazzurri no gramado e as entrevistas no calor da emoção deixavam claro que a concentração dos atletas estava totalmente direcionada para o duelo com o Salzburg. Alguns já sabiam que iriam deixar a equipe e tantos outros tinham futuro incerto, por causa da campanha negativa na Serie A. Não obstante as dúvidas pairassem no ar, fizeram o que Sosa disse que fariam: deram o seu melhor.
Bergkamp terminou aquela Copa Uefa como artilheiro, com oito gols marcados – ao lado de Edgar Schmitt, do Karslruher. Devido ao alto investimento feito no holandês, o presidente Pellegrini decidiu dar uma nova chance à dupla com Sosa na temporada 1994-95, agora sob o comando de Ottavio Bianchi, que fora campeão italiano e da própria Copa Uefa com o Napoli de Diego Armando Maradona. Como Marini era apenas interino, o técnico já estava apalavrado com os nerazzurri. As apostas, contudo, se revelaram um fracasso e a Beneamata precisaria se reconstruir a partir da campanha subsequente, já na gestão de Massimo Moratti.
Salzburg 0-1 Inter
Salzburg: Konrad; Winklhofer (Steiner), Fürstaller, Weber, Lainer, Aigner; Artner, Marquinho, Amerhauser (Muzek); Pfeifenberger, Stadler. Técnico: Otto Baric.
Inter: Zenga; Bergomi, Battistini, A. Paganin; Bianchi, Manicone, Berti, Jonk, Orlando; Bergkamp (Dell’Anno), Sosa (Ferri). Técnico: Gianpiero Marini.
Gol: Berti (35′)
Cartão vermelho: Bianchi
Árbitro: Kim Milton Nielsen (Dinamarca)
Local e data: Ernst-Happel-Stadion, Viena (Áustria), em 26 de abril de 1994
Inter 1-0 Salzburg
Inter: Zenga; Bergomi, Battistini, A. Paganin; Orlando, Manicone, Berti, Jonk, Fontolan (Ferri); Bergkamp (M. Paganin), Sosa. Técnico: Gianpiero Marini.
Salzburg: Konrad; Winklhofer (Amerhauser), Fürstaller, Weber, Lainer, Aigner; Artner (Steiner), Feiersinger, Hütter; Marquinho, Jurcevic. Técnico: Otto Baric.
Gol: Jonk (62′)
Árbitro: Jim McCluskey (Escócia)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 11 de maio de 1994