Quando recordamos da Lazio histórica do final da década de 1990 e o início dos anos 2000, é impossível não lembrar de estrelas como Pavel Nedved, Marcelo Salas, Sinisa Mihajlovic, Juan Sebastián Verón, Fernando Couto, Diego Simeone, Hernán Crespo, Alessandro Nesta e Claudio López. Entre tantos craques, o discreto lateral Giuseppe Pancaro sempre foi um dos mais eficientes da equipe, consolidando-se como um pilar defensivo e, inclusive, sendo convocado para a seleção italiana. Forte, veloz e versátil, capaz de atuar por ambos os flancos do campo, Pippo também é lembrado por integrar o time do Cagliari numa de suas raras participações em competições europeias.
Nascido em Cosenza, na Calábria, o atleta iniciou sua trajetória no futebol na base do modesto Acri, de sua província. Pelos rossoneri, estreou em 1988-89, no Campeonato Interregionale, equivalente à quinta divisão italiana – que, como o nome evidencia, era regionalizada. Na temporada seguinte, ainda com 18 anos, foi contratado pelo Torino, que o agregou a suas categorias de base. O garoto passou um biênio no setor juvenil e sem entrar em campo com o time profissional.
Para amadurecer, Pancaro, já com 21 anos, foi emprestado ao Avezzano, que estava na Serie C2. O jovem lateral ganhou minutagem, atuou em 32 partidas e marcou dois gols pelos lobos, que fizeram uma campanha de meio de tabela na categoria. Assim, o jogador chamou a atenção do Cagliari, da elite italiana, e se transferiu para a Sardenha.
O lateral se viu entre os melhores da Itália, mas precisou esperar dois anos até se consolidar no time rossoblù. Pancaro até foi utilizado como titular nas duas primeiras rodadas da Serie A 1992-93. Contudo, o técnico Carlo Mazzone só lhe permitiu entrar em campo novamente numa partida da Coppa Italia e numa jornada na reta final do campeonato.
Na temporada seguinte, sob as ordens de Bruno Giorgi, pouco mudou: Pippo continuou na reserva e atuou em 10 jogos. Um deles, porém, mudou seu status na Sardenha. Sexto colocado na Serie A anterior, o Cagliari se classificou para a Copa Uefa e fez uma ótima campanha no torneio, chegando a eliminar a Juventus nas quartas de final. Na ida das semis, Pancaro entrou em campo aos 83 minutos e, aos 86, com um chute de canhota que desviou na zaga, sacramentou a vitória de virada, por 3 a 2, sobre a Inter. Os isolani acabaram eliminados na volta, mas o lateral ganhou pontos com a torcida e galgou posições na hierarquia do elenco.
Na temporada 1994-95, Pancaro finalmente teve sequência, se tornando titular da equipe comandada pelo uruguaio Óscar Tabárez e atuando nas duas laterais sem queda em seu desempenho. Na época, o Cagliari era um time que rondava pelo meio da tabela e isso se manteve em 1996-97, com Giovanni Trapattoni e Giorgi, em nova passagem. Nesse período, Pippo ganhou espaço e, na segunda das campanhas citadas, se tornou indiscutível dos sardos.
Em 1996-97, o já consolidado Pancaro, então com 25 anos, voltou a viver episódios marcantes contra a Inter. Pela terceira fase da Coppa Italia, equivalente às oitavas de final, os nerazzurri venciam no Sant’Elia por 2 a 0, quando Pippo teve um pênalti para cobrar, no finalzinho. O lateral estufou as redes, dando início à arrancada que levaria ao empate e forçaria um novo confronto – vencido pela equipe de Milão. Porém, na comemoração, se envolveu em uma confusão com o goleiro Gianluca Pagliuca e acabou sendo expulso por cuspir no rosto do adversário.
O Cagliari de Mazzone terminaria a Serie A empatado em pontos com Perugia e Piacenza, sendo obrigado a disputar um jogo de desempate com o segundo dos citados para definir o último dos rebaixados à divisão inferior. Pancaro, que foi o atleta rossoblù mais utilizado ao longo de 1996-97, não conseguiu evitar a derrota por 3 a 1 e, assim, os casteddu amargaram o descenso. O desfecho fez com que o lateral deixasse a Sardenha, após 112 aparições e oito gols marcados.
Em alta, Pippo acertou com a Lazio, que vinha sendo alvo de investimentos pesados por parte do presidente Sergio Cragnotti, proprietário da Cirio. O lateral chegou à Cidade Eterna na mesma janela que o técnico Sven-Göran Eriksson e, ao lado do sueco, que revolucionou a história da equipe biancoceleste, viveu os melhores momentos de sua carreira – sendo uma peça importante do elenco e se dividindo entre os dois flancos da defesa.
Em 1997-98, Pancaro atuou principalmente como lateral-direito, enquanto Giuseppe Favalli era o titular no flanco oposto. Em seu debute, mostrou estrela e, com um forte chute de canhota após uma cobrança de falta ensaiada, fechou o placar na vitória por 2 a 0 sobre o Napoli, pela rodada inaugural da Serie A – competição que a Lazio concluiria no sétimo lugar. Ao fim do ano, uma lesão lhe tirou a possibilidade de disputar as derradeiras partidas das campanhas do vice na Copa Uefa e do título da Coppa Italia. Mesmo assim, pode comemorar a primeira conquista de sua carreira.
Apesar da lesão, os ventos sopravam a favor do calabrês e isso continuou em 1998-99, quando viveu uma das melhores temporadas de sua carreira. Sem jogar, na abertura da época, já acrescentou mais um título ao currículo – o da Supercopa Italiana, sobre a Juventus. Posteriormente, alternando mais frequentemente entre as duas laterais, Pancaro ajudou a Lazio a ser vice-campeã nacional e, principalmente, a faturar a última Recopa Uefa da história. Na decisão com o Mallorca, Pippo foi o autor do cruzamento que permitiu a Christian Vieri abrir o placar na vitória por 2 a 1. As boas atuações ao longo do ano resultaram em suas primeiras convocações para a seleção da Itália.
Se 1998-99 já havia sido bom para a Lazio e para Pancaro, 1999-2000 seria um patamar acima. Os aquilotti começaram o ano de seu centenário batendo o Manchester United e levantando a Supercopa Uefa, e também imprimiram forte ritmo na Serie A, com apenas duas derrotas no primeiro turno. No returno, o desempenho foi similar, com outros dois tropeços, e uma sequência de sete vitórias nas oito últimas rodadas, aliada ao tropeço da Juventus no Perugia, levou a equipe de Eriksson a ultrapassar a adversária na derradeira jornada do certame. Com emoção, os capitolinos se sagraram bicampeões italianos. Quatro dias após faturarem o scudetto, os biancocelestes seguraram a vantagem construída sobre a Inter na partida de ida da decisão da Coppa Italia e completaram a dobradinha nacional.
Na campanha do título italiano, Pippo foi fundamental. No primeiro turno, atuou principalmente como lateral-direito e, a partir de fevereiro de 2000, assumiu o lugar do lesionado Favalli no flanco canhoto. Na Serie A, o versátil defensor acabaria marcando nos dois empates com a Inter, sua vítima habitual, além de guardar um tento sobre o Lecce e somar assistências nos triunfos sobre Venezia e Bologna. De quebra, ainda estreou na Champions League e deu um passe-chave na vitória sobre o Marseille, na segunda fase de grupos – a Lazio seria eliminada pelo Valencia, nas quartas de final. Pancaro só não fechou a temporada com chave de ouro porque não disputou a Eurocopa: foi um dos 26 pré-convocados por Dino Zoff, mas terminou cortado da lista definitiva.
Em outubro de 2000, pouco após a Lazio ganhar mais uma Supercopa Italiana, Eriksson anunciou que iria treinar a Inglaterra ao fim da temporada e isso levou Cragnotti a encerrar o contrato do sueco mais cedo, após alguns tropeços – a equipe celeste estava bem colocada na Serie A, na quarta posição, mas 11 pontos atrás da arquirrival Roma, líder. Ex-técnico e ex-presidente dos aquilotti, Zoff assumiu o comando e manteve Pancaro entre os titulares. Entretanto, o ano não terminou tão bem para Pippo e sua trupe: amargaram eliminações precoces nas copas e ficaram em terceiro lugar, enquanto a Loba abocanhou o scudetto.
Aquela temporada representaria um divisor de águas para Pancaro e para a Lazio, que começou a sofrer com problemas financeiros e, consequentemente, queda de competitividade. Em 2001-02, os celestes passaram longe das disputas por títulos e Pippo ainda sofreu uma lesão que o afastou dos gramados por dois meses. Já na época seguinte, o atleta de 31 anos perdeu espaço para Massimo Oddo, contratado junto ao Verona, e virou reserva: foram apenas 25 partidas disputadas, algo que não acontecia desde o período em que assumiu a titularidade no Cagliari.
Na última de suas seis temporadas pela Lazio, Pancaro pouco colaborou com as campanhas de quarto lugar da equipe na Serie A e de semifinalista na Copa Uefa e na Coppa Italia – seu ápice foram os gols marcados nos duelos de ida e volta com o Empoli, pelas oitavas do mata-mata nacional. Assim, depois de 220 jogos e sete gols pelos celestes, se despediu da Cidade Eterna no verão europeu de 2003: precisando reforçar o elenco, renovado após o título da Champions League, o Milan apostou no já experiente lateral como alternativa a Cafu, adquirido junto à Roma. Pippo foi envolvido na troca que levou o veterano Demetrio Albertini à capital.
Como Cafu era unanimidade no time de Carlo Ancelotti, Pancaro revezou com Serginho na lateral esquerda rossonera e, assim, conseguiu somar aparições regularmente. O calabrês estreou no novo clube como titular e, em seu primeiro jogo, comemorou a conquista da Supercopa Uefa sobre o Porto de José Mourinho. Em seguida, no rodízio com o brasileiro, concluiu a temporada com um gol, sete assistências e mais um título da Serie A. Em 2003-04, o Diavolo também foi semifinalista da Coppa Italia e vice-campeão da Supercopa Italiana e da Copa Intercontinental.
Relegado à reserva em 2004-05, Pippo teve sua última temporada pelo Milan e também pela seleção – entre 1999 e 2005, fez 19 partidas com o manto azul, mas nunca disputou uma competição de primeiro escalão pela Nazionale. Pancaro encerrou sua passagem pelos rossoneri com mais um título da Supercopa Italiana, além do segundo lugar na Serie A e do traumático vice na Champions League, quando o Diavolo abriu 3 a 0 sobre o Liverpool e terminou derrotado nos pênaltis. O defensor totalizou 56 aparições pelo clube lombardo.
Já em fim de contrato e na reta final de sua trajetória como atleta, Pancaro trocou Milão por Florença, jogando a temporada 2005-06 pela Fiorentina. Como Tomás Ujfalusi e Manuel Pasqual eram os titulares nas laterais, Pippo foi peça de rotação do elenco violeta e ajudou a equipe a ser quarta colocada da Serie A – em campo, já que o envolvimento de diretores no escândalo Calciopoli levou os gigliati a sofrerem punição de pontos e ficarem com o nono posto.
Aos 35 anos e ainda demonstrando consistência para atuar, já que não sofreu graves lesões durante sua carreira, Pippo optou por voltar ao Torino, que retornava à elite após triênio na Serie B, para ter a sua “última dança”. No time que apostou em seu futebol quando ainda militava nos campos amadores, Pancaro finalmente fez sua estreia com a camisa granata e atuou em 11 jogos, contribuindo para a permanência dos piemonteses na primeira divisão.
Embora nunca tenha sido unanimidade em qualquer escalação, Pancaro teve uma carreira sólida e bastante regular, com 462 jogos como profissional. Seus trabalhos como técnico, porém, não têm acompanhado esta lógica: comandou somente times da terceira divisão e o melhor que fez foi brigar pelo acesso à segundona com a Juve Stabia.
Giuseppe Pancaro
Nascimento: 26 de agosto de 1971, em Cosenza, Itália
Posição: lateral-direito e lateral-esquerdo
Clubes: Acri (1988-89), Torino (1989-91 e 2006-07), Avezzano (1991-92), Cagliari (1992-97), Lazio (1997-2003), Milan (2003-05) e Fiorentina (2005-06)
Títulos: Campeonato Primavera (1991), Copa Mitropa (1991), Coppa Italia (1998 e 2000), Supercopa Italiana (1998, 2000 e 2004), Recopa Uefa (1999), Supercopa Uefa (1999 e 2003) e Serie A (2000 e 2004)
Clubes como treinador: Juve Stabia (2014-15), Catania (2015-16), Catanzaro (2018), Pistoiese (2019-20) e Monopoli (2022-23)
Seleção italiana: 19 jogos