Orfeo Pianelli foi um dos presidentes mais vitoriosos que o Torino teve ao longo de sua história e o último que conquistou um scudetto com o time grená. Subindo de degrau em degrau, o empresário chegou ao comando do Toro e modificou práticas na administração do clube. Embora rígidas, suas atitudes floresceram, deram frutos e ele pode colher algumas glórias no Piemonte.
O empresário nasceu em agosto de 1920 em Vignale, distrito de Borgo Virgilio, comuna na região da Lombardia, e começou a ter responsabilidades desde pequeno. Orfeo era o primeiro de três irmãos e, consequentemente, o encarregado por cuidar deles e levá-los à escola enquanto seus pais trabalhavam no campo. Nessa época, o garoto já labutava: com 8 anos começou a ordenhar vacas para garantir um trocado. Era pouco, mas ajudava em casa. Depois, conseguiu uma vaga como carpinteiro: ia para a escola de manhã e, no contraturno, exercia a função.
Nessa época, a bicicleta o ajudou a percorrer longas distâncias, sempre em busca de algo melhor para sua família. Após sair da carpintaria, Orfeo virou aprendiz de pedreiro e, todo dia, percorria 26 quilômetros para se capacitar no ofício com um mestre de obras. Segundo ele, lhe faltava tamanho a ponto de não conseguir se apoiar no banco da bicicleta, tendo de pedalar sentado no quadro.
Ainda muito jovem, Orfeo se mudou para Turim. Chegou na cidade com 16 anos e logo foi atrás de um trabalho para sustentar sua nova vida. Encontrou um bico como pedreiro e, à noite, se dedicava às aulas de engenharia elétrica. Não contente, Pianelli ainda estudava por correspondência para ser mestre de obras. E, após permanecer exercendo a função de pedreiro por quase meia década, decidiu largar o emprego e virar eletricista enquanto tomava aulas para ser mecânico no período da noite.
A dedicação gerou bons frutos para ele, que foi trabalhar na fábrica da Fiat, mas o contexto italiano e mundial eram complexos: simplesmente, a guerra chegou a Turim. Os bombardeios acabaram com boa parte da cidade e a vigilância da população era enorme. Pianelli relata que, um dia, enquanto labutava na montadora, um oficial alemão lhe chamou para recuperar peças de um avião militar Fiat G.55, que estavam escondidas em umas cavernas no Lago de Garda, que se estende pelas divisas de Lombardia, Vêneto e Trentino-Alto Adige, regiões do norte do país. Contudo, Orfeo fugiu e se escondeu no centro da cidade, sob as ruínas do teatro Alfieri, que fora bombardeado.
Depois do ocorrido, Orfeo deixou a Fiat em plena Segunda Guerra Mundial e passou a trabalhar como eletricista. Os bombardeios causaram enormes danos à cidade e, consequentemente, a rede elétrica ficou instável. Com isso, Pianelli ia de casa em casa, oferecendo seus serviços. Mas era muito serviço e ele não conseguia dar conta de tudo. Com isso, teve a ideia de pedir ajuda a um garoto… e depois mais outro, e assim por diante. Quando o conflito terminou, ele já tinha dez funcionários. Foi a primeira experiência de administração profissional que teve.
Esse pequeno sucesso como eletricista o animou a conversar com Giovanni Traversa, um antigo colega dos tempos de Fiat. A proposta de Pianelli envolvia a abertura de uma sociedade. A princípio, o parceiro ficou meio apreensivo, pois tinha uma família inteira para alimentar, mas Orfeo o convenceu e, então, a empresa Pianelli & Traversa saiu do papel. Depois de um primeiro contrato bem-sucedido com a própria montadora italiana, a companhia decolou: os dois compraram um armazém e logo passaram a atuar em toda a Itália e em outros países, como Espanha, França e Rússia.
A firma de instalações mecânicas e elétricas permitiu que Pianelli levasse uma vida confortável. Mas ele queria mais, porque de nada adianta ser um empresário de sucesso em seu ramo se isso não for acompanhado de prestígio social – ferramenta que consegue abrir portas nunca antes imaginadas. Foi neste momento que o Torino entra na vida de Orfeo.
Trilhando caminho sólido com sua empresa, Pianelli entrou em contato com a administração do Torino. A ideia dele era gerar visibilidade para ele e sua companhia, mas o contexto no qual o clube se encontrava não era nada animador. Embora fosse um time de tradição e vencedor em décadas passadas, aquele momento era de muitas dívidas e pouca perspectiva para o futuro. A Tragédia de Superga, ocorrida em 1949, gerara consequências graves e Orfeo sabia que tinha que contorná-las.
Após uma festa que contou com a presença dos jogadores, em 1962, Pianelli viu qual era a real situação. Mas não desanimou. Disse sempre torcer para o Toro e injetou trinta milhões de liras para ajudar na saúde financeira do clube. Aos poucos, o empresário foi aderindo a sua estrutura e chegou ao posto de membro do conselho de administração. No entanto, o restante do grupo, encabeçado pelo presidente Angelo Filippone, não compartilhava das ousadas perspectivas de Orfeo.
Depois de calorosas assembleias, o empresário decidiu que não iria mais investir numa agremiação que tinha uma diretoria desqualificada para enfrentar os desafios financeiros e esportivos que se apresentavam. Essa manobra lhe rendeu fama e seu nome cresceu ainda mais nos bastidores. Foi então que, em fevereiro de 1963, assumiu o controle e passou a administrar o Torino do seu jeito.
Para essa árdua tarefa de botar a casa em ordem, Orfeo convidou seu companheiro de negócios, Traversa, para assumir a vice-presidência e ser o seu braço direito também no Torino. Sua gestão deu uma injeção de ânimo e esperança na torcida, sobretudo por conta do doloroso rebaixamento em 1959 – o primeiro da história granata. Mas o novo presidente tinha os pés no chão e, assim como na sua vida profissional, foi subindo os degraus aos poucos para colocar o Toro nos eixos novamente.
A década de 1960 para o Torino representou a possibilidade de voltar a sonhar alto. Logo nos primeiros meses da gestão de Pianelli, o clube foi duas vezes vice-campeão da Coppa Italia, em 1963 e 1964. Orfeo mostrava sua ambição ao buscar a contratação do técnico Nereo Rocco, que já somava um título de Copa dos Campeões pelo Milan. O time, por sua vez, tinha uma base sólida para caminhar: o elenco contava com figuras notáveis, como Lido Vieri, Roberto Rosato, Luigi Simoni, Gerry Hitchens, o capitão Giorgio Ferrini e a estrela do momento, Luigi Meroni.
Com Rocco e Meroni, o Torino voltou a fazer boas campanhas na Serie A e estreou em competições europeias. O melhor rendimento ocorreu em 1964-65, quando o time foi terceiro colocado no Italiano e semifinalista na Recopa Uefa. Com seu futebol insinuante, Gigi era ídolo da torcida e também de Pianelli. O ponta tinha tanto crédito com o cartola que podia ostentar barba e cabelos longos – uma exceção às regras do clube. Contudo, o ambiente idílico se transformou em pesadelo no início da temporada 1967-68, quando o craque morreu, atropelado por Attilio Romero, um torcedor que, no futuro, se tornaria presidente grená.
Sem sua principal estrela, o Toro teve de seguir em frente. Já treinado por Edmondo Fabbri, e liderado por Ferrini e Vieri, o time superou o funesto início de campanha e terminou a temporada comemorando o primeiro título da gestão Pianelli: o da Coppa Italia. A conquista era um alívio para Orfeo e também para a equipe, que podia enxergar a taça como um sinal de que o trabalho estava no caminho certo.
Nos anos seguintes, o Torino fez boas campanhas na Serie A e até faturou nova Coppa Italia, em 1971. Na temporada posterior, comandada pelo excêntrico Gustavo Giagnoni, o time teve um calendário cheio e resultados interessantes em todas as competições que disputou: foi vice-campeão italiano e da Copa da Liga Ítalo-Inglesa, semifinalista da copa nacional e quadrifinalista da Recopa Uefa.
Naquele ano, um dos pilares da administração de Pianelli foi fundamental para que o Toro voltasse a competir pelo scudetto, o que não ocorria desde o fim da década de 1940, com o Grande Torino: o investimento nas categorias de base. Ao longo da ferrenha disputa pelo título de 1971-72 com a Juventus, se destacaram vários jogadores lapidados em casa, na academia localizada no antigo estádio Filadélfia – além do já citado volante Ferrini, o atacante Paolino Pulici e os zagueiros Roberto Mozzini, Natalino Fossati e Angelo Cereser.
Na gestão de Pianelli, o clássico com a Juventus ganhou em competitividade – um aspecto que ficara prejudicado nos anos 1950. E, para o delírio da torcida grená, o Torino foi capaz de dar o troco na rival, em termos de disputa de título, na temporada 1975-76. Orfeo montou um elenco forte, com Luciano Castellini no gol; Mozzini e Vittorio Caporale na defesa; Patrizio Sala, Eraldo Pecci, Claudio Sala e Renato Zaccarelli no meio; e Pulici e Francesco Graziani no ataque – sendo que Puliciclone já havia sido artilheiro da Serie A duas vezes. O presidente entregou o comando da máquina a Luigi Radice, técnico que se inspirava na Holanda de Rinus Michels.
A maneira como Radice pensava o esporte ia de encontro ao que queria o presidente: o futebol total e a modernidade no jogo. Com um time que se adaptou às premissas, o Torino colheu os frutos e viu Graziani e Pulici, novamente artilheiro do campeonato, somarem 36 gols marcados. Os grenás reverteram uma desvantagem de cinco pontos para a Juventus e chegaram à última rodada precisando de apenas um empate com o Cesena para serem campeões italianos – o que aconteceu. Na gestão de Pianelli, portanto, o Toro voltava a celebrar um scudetto após 27 anos.
Em 1976-77, o time de Turim estreou na Copa dos Campeões e ainda fez uma grande campanha na Serie A: somou cinco pontos a mais que na trajetória que lhe rendeu o título, mas acabou sendo vice, um ponto atrás da Juve de Giovanni Trapattoni. Nos dois anos seguintes, o Torino voltou a obter resultados interessantes, ficando sempre entre os quatro primeiros colocados do certame nacional, e ainda foi segundo colocado na Coppa Italia, em 1980.
Embora estes desfechos não tenham sido nada decepcionantes, o elenco foi se desgastando aos poucos e, ao mesmo tempo, a Pianelli & Travera passou a atravessar problemas de liquidez. Para evitar um rombo na empresa, Orfeo diminuiu seus investimentos no Torino.
No inverno de 1980, a sensação de fim de ciclo se confirmava. Pianelli demitiu, a contragosto, Radice. Com muita dor, o presidente via o sonho, que um dia havia se realizado, desmoronar com o tempo – e ainda não acreditava que o elenco formado por ele havia se perdido por litígios com o treinador. Eram sete os remanescentes do título no plantel grená.
Sem perspectivas de que a situação melhoraria, o Torino viu mais quatro campeões deixarem o elenco em 1981, após mais um segundo lugar na Coppa Italia. Sobravam, então, os veteranos Zaccarelli, Pulici e Roberto Salvadori. Com eles, os granata acumularam o terceiro vice seguido na competição. No dia seguinte à derrota, em 21 de maio de 1982, Pianelli sacramentou a venda do clube para Sergio Rossi.
Ao longo de 19 anos, Orfeo se transformou no segundo presidente mais vitorioso do time piemontês, atrás apenas de Ferruccio Novo, que era o seu mandatário nos tempos do Grande Torino. Na gestão de Pianelli, o Toro ganhou um scudetto – o último do clube – e duas edições da Coppa Italia. Os grenás ainda foram três vezes vice-campeões da Serie A, cinco da copa nacional e uma da Copa da Liga Ítalo-Inglesa.
Fora do Torino, Orfeo deu sequência a sua vida de empresário. Chegou a enfrentar uma acusação de falência fraudulenta da Pianelli & Traversa e ser detido ao longo do processo, mas foi considerado inocente em instância superior: o júri entendeu que parte dos valores que haviam sido subtraídos da companhia, deixando-a em dificuldades financeiras, haviam sido utilizados no pagamento do resgate do neto do magnata, que fora sequestrado em 1977.
No fim da vida, Pianelli se mudou para a Riviera Francesa, no intuito de repousar e tratar uma doença nos olhos. Lá, na cidade de Villefranche-sur-Mer, Orfeo veio a falecer em abril de 2005. Em 2018, o conselho comunal de Turim atribuiu o seu nome a um jardim próximo ao antigo estádio Filadélfia. Uma justa homenagem a um dos maiores presidentes do Torino, que foi capaz de fazer o time se reerguer graças a suas escolhas e que devolveu a felicidade para os torcedores grenás após anos de sofrimento e luto.