A cada ano, três equipes deixam a Serie B para disputar a elite do futebol italiano. A expectativa sobre elas é quase sempre a mesma: imagina-se que brigarão ferrenhamente, até as últimas rodadas, para não voltarem para a segundona. Às vezes o time é rebaixado, noutras escapa por pouco. Tem sido assim, especialmente nas últimas temporadas – o que tem reacendido o debate para que haja uma redução de participantes na Serie A, de 20 clubes para 18 ou 16.
Apesar disso, a Itália já foi palco de dezenas de casos de times que surpreenderam na transição de categorias e fizeram muito além do que se esperava deles. Nenhum foi campeão logo após subir, mas os exemplos de grandes campanhas são abundantes.
Há mais de meio século, tivemos a Udinese que ficou com a quarta posição em 1956-57 ou o Napoli de Antonio Juliano, Omar Sívori, José Altafini e Cané, terceiro colocado em 1965-66. Mais recentemente, podemos citar a Atalanta de Evair e Glenn Strömberg e o Torino de Gianluigi Lentini – times treinados pelo saudoso Emiliano Mondonico. Em 1989 e 1991, respectivamente, as equipes ficaram entre as seis primeiras colocadas e garantiram vaga na Copa Uefa, onde viriam a fazer bonito. Por fim, a Calciopédia listou sete outras campanhas de recém-promovidos que marcaram época. Confira a seguir.
7º – Chievo, em 2001-02
Campanha em 2001-02: 34 partidas; 14 vitórias, 12 empates, 8 derrotas. 5ª posição.
Time-base: Lupatelli; Moro, D’Anna, D’Angelo, Lanna; Luciano, Perrotta, Corini, Manfredini; Marazzina, Corradi.
Nem a torcida do Chievo acreditava que o time pudesse subir à elite: seria mais fácil um burro voar, diziam. Mas aconteceu, em 2001, e o time de Verona, mesmo com um investimento modesto, pode estrear na Serie A em grande estilo. Jogando no 4-4-2, o Chievo de Luigi Delneri tinha destaques como Simone Perrotta, Eugenio Corini, Christian Manfredini e o brasileiro Luciano, que faziam do meio-campo o ponto forte da equipe. Os gialloblù ainda contavam com Bernardo Corradi no comando de ataque.
Assim que subiu à Serie A, o Chievo protagonizou sua primeira zebra. Na estreia contra a Fiorentina, então campeã da Coppa Italia, os clivensi aplicaram um 2 a 0 em pleno Artemio Franchi. Daí em diante, engataram seis vitórias nas primeiras oito partidas. Não à toa, o time assumiu a liderança isolada do campeonato na 8ª rodada e lá permaneceu até a 15ª.
Os veroneses conseguiram se manter no topo por um bom tempo, mas depois de amargarem uma sequência de 10 partidas sem triunfos, não só perderam a liderança como também deixaram a zona de classificação à Liga dos Campeões. O Chievo terminou o campeonato atrás de Juventus, Inter, Roma e Milan, mas ainda assim conseguiu dar um enorme orgulho para seus torcedores. E, de quebra, garantiu uma vaga na Copa Uefa do ano seguinte.
6º – Palermo, em 2004-05
Campanha em 2004-05: 38 partidas; 12 vitórias, 17 empates, 9 derrotas. 6ª posição.
Time-base: Guardalben; Zaccardo, Biava, Barzagli, Grosso; Corini, Mutarelli, Barone; Brienza, Zauli; Toni.
O empresário Maurizio Zamparini assumiu o Palermo em 2002 e, a princípio, a troca no comando do clube fez muito bem aos sicilianos. Afinal, o friulano – dono de algumas cadeias de lojas de departamento – investiu o suficiente para mudar a equipe de patamar em um curto prazo. Depois de 31 anos militando nas séries B e C, o Palermo voltava à disputar a elite do futebol italiano em 2004-05. Na temporada precedente, foi campeão da segundona com o maior número de pontos na história do torneio e teve o artilheiro da competição: Luca Toni, que atingiu a casa dos 30 gols.
A equipe rosanero chegava à Serie A com o modesto objetivo de garantir a permanência, mas conseguiu muito mais do que isso. Sob o comando de Francesco Guidolin, os sicilianos tiveram uma verdadeira prova de fogo logo nas primeiras rodadas do campeonato: enfrentar Juventus e Inter fora de casa. O Palermo se saiu bem nos desafios e arrancou dois empates por 1 a 1 tanto no Delle Alpi quanto no San Siro e, no returno, ainda conseguiu a façanha de derrotar os alvinegros no Renzo Barbera.
O desempenho em jogos grandes foi crucial para que a equipe terminasse na sexta posição e se classificasse pela primeira vez em sua história para a Copa Uefa. O ponto forte daquele time era, sem dúvidas, o sistema defensivo que contava com Cristian Zaccardo, Andrea Barzagli e Fabio Grosso: três jogadores que viriam a fazer parte do elenco campeão do mundo com a Squadra Azzurra, em 2006. Outro tetracampeão resolvia no ataque: Toni fez 20 gols e foi um dos cinco principais artilheiros da Itália naquela temporada.
5º – Juventus, em 2007-08
Campanha em 2007-08: 38 partidas; 20 vitórias, 12 empates, 6 derrotas. 3ª posição.
Time-base: Buffon, Grygera, Legrottaglie, Chiellini, Molinaro; Camoranesi, Zanetti, Nocerino, Nedved; Del Piero, Trezeguet.
Depois de estourar o escândalo Calciopoli, em julho de 2006, a Juventus foi penalizada no tribunal, com a perda do título que havia conquistado e o rebaixamento para Serie B do ano seguinte. Outros times, como Milan, Lazio e Fiorentina, também sofreram punições, mas nenhuma foi tão grave quanto a da Velha Senhora. Afinal, o diretor executivo do clube, Luciano Moggi, foi apontado como o principal articulador das escolhas dos árbitros e da consequente manipulação de resultados.
Na Serie B 2006-07, o time comandado por Didier Deschamps começou o campeonato com nove pontos a menos, mas mesmo assim nadou de braçada e foi campeão com antecedência, por conta da enorme diferença de investimento em comparação às outras 21 equipes. Para a temporada seguinte, o alvinegro precisava de um novo treinador para dar continuidade ao trabalho de reconstrução, já que o francês tinha pedido demissão na última rodada da segundona. Para substitui-lo na elite, a Juve acertou com Claudio Ranieri, que vinha de altos e baixos no exterior, mas tinha salvado o Parma do rebaixamento em 2007.
Na estreia do romano, a Juve aplicou um tremendo 5 a 1 sobre o Livorno e avisou que voltaria com força para brigar na parte de cima. A Velha Senhora não conseguiu brigar pelo scudetto com Inter e Roma, mas teve o melhor ataque do campeonato, juntamente com os giallorossi, além de artilheiro e segundo maior goleador da competição. Dos 72 tentos dos bianconeri, 21 foram anotados por Alessandro Del Piero e 20, por David Trezeguet. Com a dupla voando baixo, a equipe de Turim assegurou a terceira colocação da Serie A e, apenas 24 meses depois do primeiro e único descenso, voltava a disputar a Liga dos Campeões.
4º – Parma, em 1990-91
Campanha em 1990-91: 34 partidas; 13 vitórias, 12 empates, 9 derrotas. 6ª posição.
Time-base: Taffarel; Apolloni, Donati, Minotti, Grün, Gambaro; Osio, Zoratto, Cuoghi; Brolin, Melli.
Até o final dos anos 1980, o Parma nunca tinha participado de uma edição de Serie A, e seu único título nacional era a Serie C1, obtida em 1954. Era um time de pequena relevância nacional, com uma torcida acostumada a ver o rival Bologna colecionar scudetti e taças da Coppa Italia. As coisas começaram a mudar a partir de 1987, quando os crociati assinaram uma parceria com a Parmalat, multinacional de laticínios fundada na cidade.
A empresa comandada por Calisto Tanzi estava disposta a injetar dinheiro no clube para expor sua marca e – para o bem e para o mal – conseguiu. O tão sonhado acesso veio em 1989-90, o que motivou a Parmalat a comprar o clube em definitivo. Na temporada seguinte tudo era novidade: o torcedor tinha pela primeira vez a sensação de ver seu time disputar a elite do futebol italiano, assim como boa parte daquele elenco. Jogadores que viriam a se tornar lendas do Parma, como os defensores Lorenzo Minotti e Luigi Apolloni ou o atacante Alessandro Melli, estreariam na Serie A juntamente com o clube.
Para dar seus primeiros passos na elite, o Parma também foi buscar jogadores estrangeiros gabaritados: o defensor belga Georges Grün, o meia-atacante sueco Tomas Brolin e o goleiro brasileiro Cláudio Taffarel. Ainda que os reforços tivessem alto nível e se juntassem a um elenco promissor, surpreendeu o fato de os ducali, comandados por Nevio Scala, terem obtidos resultados tão rapidamente. A campanha em 1990-91 terminou com a sexta colocação na Serie A e uma inédita vaga na Copa Uefa. Era apenas o começo de uma era vitoriosa para os gialloblù, que conquistariam oito troféus até 2003, quando a Parmalat faliu e o clube precisou se reinventar.
3º – Lazio, em 1972-73
Campanha em 1972-73: 30 partidas; 16 vitórias, 11 empates, 3 derrotas.
Time-base: Pulici; Petrelli, Wilson, Oddi, Martini; Nanni, Re Cecconi, Frustaluppi; Garlaschelli, Chinaglia, D’Amico.
No final da década de 1960, a Lazio esteve fora dos holofotes na Itália. Tinha um orçamento baixo e não conseguia ter continuidade na Serie A ou até mesmo na B. A situação começou a mudar em 1971, quando o treinador Tommaso Maestrelli assumiu o comando dos celestes. Em sua primeira temporada (1971-72) o treinador toscano conseguiu garantir o acesso dos laziali com três rodadas de antecedência, mas deixou escapar o título na última partida, após empate sem gols contra o Bari.
Na temporada seguinte não chegou nenhum reforço de peso, mas o time manteve suas principais peças, como Felice Pulici, Giuseppe Wilson, Giancarlo Oddi, Mario Frustalupi, Luciano Re Cecconi e o artilheiro Giorgio Chinaglia. Apesar de contar com jogadores talentosos, esse era um elenco que tinha tudo para dar errado, pois era dividido em duas facções de jogadores que não se davam bem no dia a dia: chegavam a partir para as vias de fato e ainda andavam armados no centro de treinamentos. Contudo, eles se entendiam dentro de campo e conseguiam bons resultados, tanto é que ficaram invictos durante as dez primeiras rodadas da temporada 1972-73, até perderem para o Milan, em San Siro.
Os romanos lutaram pelo título contra Juventus e Milan até as últimas rodadas, mas ficaram com a terceira colocação – a taça acabou com o clube alvinegro de Turim, que somou dois pontos a mais que os laziali e um a mais que os rossoneri. Com 71% de aproveitamento, a Lazio daquela temporada tem, até hoje, a maior pontuação de uma equipe recém-promovida à Serie A. No ano seguinte, o time de Maestrelli recebeu alguns ajustes e conseguiu vencer o scudetto pela primeira vez em sua história.
2º – Verona, em 1982-83
Campanha em 1982-83: 30 partidas; 11 vitórias, 13 empates, 6 derrotas. 4ª posição.
Time-base: Garella; Oddi, Tricella, Spinosi, Marangon; Fanna, Di Gennaro, Sacchetti, Dirceu, Volpati; Penzo.
A década de 1980 é a era de ouro do Verona. Nesse período, o torcedor do Hellas viu seu time ganhar o scudetto (em 1985) e ser o único representante do Vêneto e de fora de uma capital regional a comemorar o título italiano até os dias de hoje. O caminho para as glórias começou muito antes, porém: em 1981, os mastini contratavam o treinador Osvaldo Bagnoli, que até então tinha feito seu melhor trabalho no Cesena, promovendo os romanholos à Serie A. O chamado “mago de Bovisa” permaneceria nove anos no clube.
Em 1981, voltar para a elite era exatamente o que os gialloblù precisavam. Inicialmente, o objetivo era reviver os momentos positivos que a equipe teve com campanhas modestas na Serie A ao longo do fim da década de 1960 e grande parte dos anos 1970. Com Bagnoli, o Verona se sagrou campeão da segundona 1981-82 na última rodada, graças ao tropeço da Sampdoria contra o Foggia. No ano seguinte, o Verona manteve a base do time, com jogadores como Claudio Garella, Roberto Tricella, Antonio Di Gennaro e Domenico Penzo, e ganhou alguns reforços: Luciano Spinosi, Luciano Marangon, Pietro Fanna e o brasileiro Dirceu foram os mais importantes.
Com o grupo fortalecido, Bagnoli deu continuidade a seu trabalho e conseguiu um quarto lugar no Campeonato Italiano (à época, a melhor campanha da história dos butei) e uma vaga na Copa Uefa. Além de surpreender na Serie A, o Verona conseguiu superar qualquer limite físico e foi competitivo em duas frentes, pois também chegou à final da Coppa Italia – ao todo, fez 49 partidas na mesma temporada, número bastante alto para a época. O Hellas aplicou 2 a 0 na Juventus, na ida, mas sofreu a virada na prorrogação do jogo de volta, disputado no Olímpico de Turim. O esquadrão do Verona caiu de pé e serviu de base para a conquista do scudetto, dois anos depois.
1º – Vicenza, em 1977-78
Campanha em 1977-78: 30 partidas; 14 vitórias, 11 empates, 5 derrotas. Vice-campeão.
Time-base: Galli; Carrera; Callioni, Prestanti, Lelj; Cerilli, Faloppa, Guidetti, Salvi, Fillippi; Rossi.
Maior rival do Verona, o Vicenza passou por uma ascensão muito rápida no final da década de 1970. Num espaço de dois anos, o clube do Vêneto passou de candidato a rebaixamento à Serie C para vice-campeão da Serie A. A cavalgada rumo ao topo (ou quase) teve três grandes fatores: o investimento do presidente Giuseppe Farina, a contratação do técnico Giovan Battista Fabbri e a ascensão de um tal Paolo Rossi.
Em 1977, a equipe contou com a chegada de Fabbri, que vinha de um bom trabalho no Piacenza, e acertou a contratação de Rossi, que ainda estava começando sua carreira e não era considerado pela Juventus – proprietária de seu passe – por causa de um sério problema no joelho, que o levou a fazer três cirurgias no menisco. Com essas duas novidades, os biancorrossi foram campeões da Serie B principalmente em razão dos gols de Pablito, que foi transformado em centroavante por Gibì Fabbri. Rossi terminou o campeonato como artilheiro, com 21 gols, e começava a aparecer para o futebol italiano.
No ano seguinte, os lanerossi começaram a Serie A com duas derrotas e três empates. Contudo, da 5ª rodada em diante só perdeu mais duas vezes no restante do campeonato. O estilo ofensivo de Fabbri, que se baseava no futebol total holandês, levou o Vicenza a ter o melhor ataque da competição, com 50 gols – quase metade deles (24) de Rossi, que foi o artilheiro. A equipe biancorossa somou 39 pontos e ficou atrás apenas da campeã Juventus, que fez 44.
O vice-campeonato vicentino representa até hoje a melhor colocação de um time vindo da Serie B em toda a história. A façanha classificou o Vicenza para a Copa Uefa do ano seguinte – sua primeira participação em uma competição internacional –, mas também foi a sua desgraça. O bom momento do clube do Vêneto não durou mais do que uma temporada por questões financeiras que refletiram de imediato. O presidente Farina gastou o que não podia para manter Rossi no Romeo Menti e viu sua gestão naufragar: o time foi eliminado na primeira fase da competição europeia, acabou a Serie A na lanterna e só voltou à elite nos anos 1990, quando surpreendeu e também ganhou uma Coppa Italia.