A imagem que precede este texto coloca em evidência uma máxima gastronômica bastante popular no planeta: a de que britânicos não teriam um paladar muito refinado. O pratarraz de pasta crua, esbranquiçada e desprovida de molho, servido ao atacante Benito Carbone em uma sessão de fotos feita na época de sua contratação pelo Sheffield Wednesday, chega a ser ofensivo aos italianos, mas também revela o quanto os clubes ingleses batiam cabeça nos primórdios da Premier League. A pompa pela chegada de Benny, que tinha um trajetória bastante opaca no futebol da Itália, simplesmente não se justificava. Apesar disso, o jogador se esforçou e conseguiu brilhar na Grã-Bretanha, onde fez carreira.
Talento nunca faltou a Carbone, que tinha um refinamento acima da média com a bola nos pés. A baixa estatura (1,68 m) e o corpo leve ajudaram-no a desfilar uma categoria capaz de mexer com os torcedores e de enlouquecer os adversários. Inquieto não apenas dentro de campo, não conseguia criar raízes nas equipes que defendeu – vestiu 18 camisas em 22 anos de carreira.
Nascido no sul da Itália, em Reggio Calabria, no dia 14 de agosto de 1971, Carbone, que perdeu o pai aos quatro anos de idade, foi criado pela mãe, que tinha três empregos e constantemente era chamada pela direção da escola. O motivo: o filho brincava de chutar bolas de papel durante as aulas. Mal sabiam os professores e diretores do colégio que aquele menininho despontaria no futebol.
O pequeno grande talentoso
A paixão pelo futebol só aumentou com o passar do tempo. Quando tinha 16 anos, Benito se destacou em um torneio juvenil usando a camisa da Scillese e chamou a atenção de olheiros do Torino por conta de sua qualidade técnica. A convite, ingressou nas categorias de base do clube granata, onde seria revelado profissionalmente meses mais tarde.
Carbone fez sua estreia na Serie A em janeiro de 1989, quando disputou a segunda etapa em um empate sem gols contra o Pisa. Entraria em campo mais duas vezes no campeonato, no qual o Torino foi rebaixado. Companheiro de Müller e Haris Skoro no setor de ataque, atuou somente em cinco ocasiões na Serie B da temporada posterior e, em seguida, deu início à sua primeira fase como jogador itinerante.
O Torino queria que seu atleta adquirisse experiência e, assim, Benito foi emprestado nos três anos sucessivos, para Reggina, Casertana e Ascoli. O atacante jogou a Serie B pela Reggina, de sua cidade natal, e marcou seis gols nas 32 aparições que somou, sem conseguir evitar o rebaixamento amaranto. Na sequência, rumou à Casertana, onde passaria por mais uma queda para a terceirona e teria números similares aos de sua estadia na Calábria: quatro tentos em 36 partidas. Em 1992-93, defendendo o Ascoli, anotou sete vezes em 31 confrontos, auxiliando os marquesãos a faturarem um sexto lugar na segunda categoria.
Com uma média de 33 jogos disputados por temporada, Carbone retornou mais rodado ao Torino, que planejava reintegrá-lo ao elenco para os desafios que viriam pela frente. O saldo foi positivo para o Toro: oitavo lugar na Serie A, semifinal na Coppa Italia, quartas de final na Recopa Uefa e o vice-campeonato na Supercopa Italiana, vencida pelo Milan. Benny foi importante nessa campanha, marcando três gols em 39 aparições, mas às vezes demonstrava certa dificuldade para balançar as redes.
O momento proveitoso e de afirmação para o atacante, pelo Torino, lhe permitiu um espaço maior nas seleções de base do país. Assim, Benito foi campeão e destaque no título da Itália, dirigida por Cesare Maldini, no Europeu Sub-21. Aquele time, vale destacar, ainda tinha Francesco Toldo, Fabio Cannavaro, Christian Panucci, Christian Vieri e Filippo Inzaghi.
Cheio de moral após a conquista pelos azzurrini, foi comprado pela Roma, mas não chegaria sequer a jogar pelos giallorossi. Foi imediatamente utilizado como moeda de troca em negociação com o Napoli, envolvendo o atacante uruguaio Daniel Fonseca mais uma quantia em dinheiro. Aos pés do Vesúvio, costumou utilizar nada mais nada menos do que a sagrada camisa 10 de Diego Maradona, um de seus ídolos na infância – naquela época, ainda não havia numeração fixa na Serie A.
Em sua primeira aparição no San Paolo, contra a Reggiana, se apresentou da melhor forma aos torcedores, que jamais se esqueceram do gol marcado no penúltimo minuto por ele. O lance, decisivo no confronto, foi brilhante: um domínio maravilhoso que o livrou dos adversários (reza a lenda que, até hoje, os defensores tentam entender o movimento) e o deixou em condições de finalizar com categoria para vencer Francesco Antonioli. O estádio foi abaixo.
Ele demonstrava toda a habilidade que dispunha através de dribles e gestos técnicos do mais alto grau; fazia ilusionismo com o pé direito. Vujadin Boskov, treinador azzurro, dizia que as fintas de Benny confundiam não só os adversários, mas os próprios companheiros de time. Os partenopei terminaram a Serie A em sétimo lugar. Tudo levava a crer que se tratava do início de uma relação que tinha potencial para ser duradoura entre Carbone e Napoli. Mas, ao término da temporada, ele se viu obrigado a fazer as malas e trocar a Campânia pela Lombardia.
O clube, endividado até o pescoço, precisava aumentar as receitas e vendeu duas joias: Benito, para a Inter, e Cannavaro, para o Parma. O calabrês era muito querido pela torcida napolitana, que entoava um cântico que dizia: “Maradona, [Gianfranco] Zola e Carbone”. Benny ainda chegou a gravar uma música com o cantor Gigi D’Alessio, de quem é amigo até os dias de hoje, para tentar convencer o Napoli a não negociá-lo.
Apesar da mudança abrupta, era a Inter, um dos maiores clubes em todo o país, e vontade não faltava para Carbone. Pelo menos em um momento inicial. Vestindo a camisa nerazzurra, Benny teve três comandantes: Ottavio Bianchi, Luis Suárez e, por fim, aquele que seria o responsável por mudar os seus rumos – o inglês Roy Hodgson. A temporada 1995-96 foi a primeira com numeração fixa no futebol italiano e coube ao atacante vestir a 10 nerrazzurra, que no passado fora utilizada por Evaristo Beccalossi, um de seus jogadores favoritos na infância.
Enquanto esteve à frente da Inter, Hodgson tomou decisões controversas, que indicavam um subaproveitamento de determinados atletas – o lateral-esquerdo Roberto Carlos é um exemplo dos maiores desperdícios da história nerazzurra. Com Carbone não seria diferente: o atacante logo se viu frustrado e, alternando bons e maus momentos, começou a se irritar com as orientações pedidas por Hodgson. O treinador o escalava para atuar fixo pelo lado esquerdo, onde tinha que executar funções de cobertura defensiva pelo setor, deixando-o mais distante de seu posicionamento ideal.
As chegadas de Youri Djorkaeff e Ciriaco Sforza, no verão de 1996, reduziram qualquer esperança nutrida por Carbone, que pediu para ser negociado depois de argumentar com o técnico que era um jogador de ataque – e, em resposta, ouviu que já havia muitas opções no setor. A decisão de deixar a Inter, segundo o próprio, foi um dos maiores arrependimentos em sua carreira. Primeiro porque se tratava do time pelo qual ele torcia na infância, ao lado do pai e dos irmãos. Segundo, pelo fato de que, pouco tempo depois, Luigi Simoni chegou para substituir Hodgson. Quem também aportou na Lombardia foi um brasileiro chamado Ronaldo, que seria apelidado de Fenômeno em Milão.
Gás carbônico na Inglaterra
Em meio a incertezas, Carbone se animou quando surgiu uma luz vinda da Inglaterra. O Sheffield Wednesday fez uma proposta para contar com o atacante, que foi aceita. Aos 25 anos, ele embarcaria para disputar a Premier League.
Recebido de braços abertos pelo povo de Sheffield, posou para uma foto lindamente estereotipada em sua apresentação, no gramado de Hillsborough, onde ele aparecia fazendo o gesto de comer um prato de espaguete, servido por uma espécie de garçom italiano, que na verdade era o treinador britânico David Pleat. Ele, que estava habituado a vestir a camisa 10, recebeu a de número 8.
Naquele momento, a liga local contava com 239 atletas estrangeiros. No Wednesday, um terço do elenco era composto por jogadores nascidos fora do território inglês. Entre os treinadores, destaque para a chegada de Arsène Wenger. O francês Éric Cantona, o holandês Ruud Gullit, o russo Andrei Kanchelskis e o sueco Anders Limpar eram alguns dos estrangeiros estabelecidos na Premier League.
Não demorou para que Carbone mostrasse ao público inglês sua irreverência dentro do gramado. Pela 17ª rodada, em jogo contra o Manchester United, do treinador Alex Ferguson e de Cantona, Benny abriu o placar ao receber passe na esquerda e ajeitar rápido para bater com veneno, no canto de Peter Schmeichel. Paul Scholes, com uma bomba de longe, igualou tudo. O encontro marcou uma atuação para lá de inspirada do italiano, que deitou e rolou para cima do lateral-direito Gary Neville.
Uma dificuldade que Carbone encontrou foi conseguir se enturmar com os companheiros de time, especialmente com Andy Booth, colega de ataque: ele disse que se sentia desafiado pelo contato com a cultura local e também com pessoas de lugares tão distantes. Benny era abstêmio e, como não bebia álcool, enfrentou mais um obstáculo em sua adaptação, visto que na Inglaterra há uma forte cultura de reuniões etílicas entre o jogadores. Assim, atuando como segundo atacante ou mais aberto pelas pontas, demonstrou talento, mas não encantou. Marcou seis gols em 25 partidas; o Sheffield Wednesday foi bem e terminou a Premier League em sétimo.
Para reforçar seu setor ofensivo, em 1997 as Corujas adquiriram o italiano Paolo Di Canio junto ao Celtic. O novo atacante do clube não escapou de ser clicado ao lado de Carbone, que mais uma vez se expôs ao ridículo como modelo em Hillsborough: a dupla protagonizou uma sessão de fotos mordendo uma pizza, daquelas semicongeladas de supermercado. Na verdade, os itálicos formariam uma parceria bem mais apetitosa dentro e fora de campo.
Logo na primeira rodada, contra o Newcastle, fora de casa, Carbone marcou um golaço. O atacante amorteceu um passe longo com o peito e jogou a bola à altura da cabeça com um movimento sutil, como se houvesse alquimia em suas chuteiras, até emendar uma bicicleta certeira. O resultado, todavia, não foi o esperado: derrota por 2 a 1. A campanha, aliás, não começou nada bem, com três derrotas nos quatro compromissos inaugurais.
O difícil começo deixou uma situação pesada no vestiário, que ficou evidente após a derrota por 5 a 2 para o Derby County, em Hillsborough. De cabeça quente, Carbone reclamou com um companheiro de time e viu David Hirst, atacante com quase 300 jogos pelo clube, intervir e colocar as mãos em seu pescoço, denotando um clima longe de ser ameno.
David Pleat deixou o cargo após uma goleada sofrida por 6 a 1 para o Manchester United, pela 13ª rodada – àquela altura, o Sheffield Wednesday tinha apenas duas vitórias. Apesar do mau momento vivido pelo time, Benny jogava com uma “arrogância” típica de futebolistas habilidosos e que não foi vista em sua primeira temporada por lá. O interino Peter Shreeves quebrou o galho até a chegada do novo treinador, Ron Atkinson. Sob o comando de Atkinson, as Corujas evitaram a queda para a segunda divisão e terminaram na 16ª colocação, muito graças aos 21 gols marcados pela dupla formada por Carbone (autor de nove) e Di Canio (12).
Atkinson esperava que o contrato fosse renovado para que ele pudesse continuar no próximo ano, mas a diretoria do Wednesday anunciou Danny Wilson, ex-jogador com passagem pelo clube, e que fora o responsável por conduzir o Barnsley pela primeira vez em sua história à elite. Mais um italiano, o atacante Francesco Sanetti, foi contratado.
As Corujas tiveram um início irregular de campeonato e, quando receberam o Arsenal, pela sétima rodada, viram Di Canio ser expulso depois de empurrar o árbitro Paul Alcock. A punição, de 11 partidas e uma quantia em dinheiro, significou mais do que um desfalque sentido. Na verdade, marcou a saída de Paolo do clube: sem atuar, devido ao gancho, se transferiu para o West Ham, na janela de inverno.
Carbone continuou chamando para si a responsabilidade e foi um dos principais condutores de uma campanha que livrou o Sheffield Wednesday da queda e o pôs na 12º colocação, com 46 pontos – além disso, a equipe foi uma das três únicas a terem batido o Manchester United, vencedor da Tríplice Coroa. Ele, que mostrou o seu melhor futebol sob o comando de Wilson, teve uma de suas melhores exibições na 32ª rodada, quando marcou os dois gols que garantiram o triunfo por 2 a 1 em cima do Everton. O ótimo desempenho rendeu a ele a eleição de melhor jogador do clube na temporada.
Andanças e mais andanças
Sem Di Canio, Carbone voltou a enfrentar frustrações e desentendimentos no vestiário. Os episódios, cada vez mais recorrentes, foram minando a situação do italiano no clube e respingaram na relação dele com Wilson, que azedou. Durante o verão de 1999, Benito não chegou a um acordo financeiro e, em litígio com a diretoria, rumou à Itália. De lá, enviou aos cartolas um atestado médico, alegando que iria se ausentar dos dez primeiros dias da pré-temporada, e prometeu se esforçar no retorno, mesmo que estivesse listado como negociável.
Um mês depois, já com o campeonato em andamento e com dois dos três gols do Wednesday em sua conta, comunicou à diretoria que John Gregory, técnico do Aston Villa, tinha interesse nele. Sem esperar qualquer resposta, convicto de que o melhor seria respirar novos ares, o italiano abandonou o time antes de uma derrota para o Southampton, ainda que tivesse sido relacionado. A atitude rendeu uma multa de duas semanas de salário. No fim das contas, em setembro de 1999, Benny fez sua última partida pelas Corujas numa derrota acachapante de 8 a 0 para o Newcastle, em St. James’ Park, pela oitava rodada da Premier League, quando entrou no segundo tempo.
Após 96 aparições e 25 gols com a camisa azul e branca do Sheffield Wednesday, Benito acertou com o Aston Villa, deixando para trás o interesse de Tottenham e Derby County. Pelos leões, o italiano iniciou seu mais longo período de andanças, no qual vestiria dez uniformes diferentes em 11 anos.
Na nova casa, mostrou a boa e não tão velha habilidade – tinha 27 anos, afinal. Seus melhores momentos foram realmente grandes momentos, e ele impressionava torcedores e companheiros de time com lances audaciosos e golaços surpreendentes, por cobertura ou de longe. Com o italiano em campo, o Villa fez uma campanha histórica na FA Cup, quando chegou à decisão, vencida pelo Chelsea. O elenco da equipe londrina, aliás, era repleto de compatriotas de Carbone, como Roberto Di Matteo (autor do gol do título), Carlo Cudicini, Samuele Dalla Bona, Gabriele Ambrosetti, Gianfranco Zola, a estrela da companhia, e Gianluca Vialli, o técnico.
Foi na FA Cup que Carbone talvez tenha tido sua atuação de maior destaque no futebol inglês. Mais especificamente contra o Leeds United, pelas oitavas de final. O duelo foi parelho e terminou em vitória do Aston Villa por 3 a 2, com o calabrês anotando uma tripletta (ou hat-trick, em respeito à língua local) e garantindo a classificação. O sexto lugar na Premier League e a ida às semifinais na Copa da Liga Inglesa ratificaram um ano para lá de positivo de uma equipe que contava com bons valores, tais quais Paul Merson, Gareth Southgate, Darius Vassell, George Boateng, Ugo Ehiogu e outros.
Uma arrastada negociação para a renovação de contrato abriu caminho para que interessados surgissem. Seu nome foi associado à Fiorentina, que buscava uma reposição para a saída de Rui Costa, adquirido pelo Milan, e a um possível retorno ao Napoli, de Zdenek Zeman. Mas ele estava disposto a continuar no país, e foi quando Geoffrey Richmond, presidente do Bradford City, viu a oportunidade para contratá-lo e decidiu que faria de tudo para sacramentar o negócio. O mandatário tinha se encantado por ele um ano antes, quando viu seu clube sofrer nos pés do italiano.
Richmond contatou Giovanni Branchini, um dos representantes de Carbone, que afirmou que o atacante estava treinando nos Alpes suíços. Uma reunião foi marcada e o próprio jogador participou, tendo voz para discutir como gostaria de ser escalado e aproveitou para desabafar e dizer o quanto tinha ficado desiludido com o esporte após os últimos acontecimentos, mas que não iria desistir do futebol inglês. A negociação se arrastou por horas e, depois de muitas garantias, a proposta foi aceita.
O ano era 2000, e o site dos Bantams publicou um trailer, revelando que seria feita a “contratação mais emocionante da história do clube”. Especulações não faltaram sobre quem chegaria a um time que evitou o rebaixamento na rodada final da Premier League anterior. Eis que veio o anúncio: Benito Carbone.
Um leve descontentamento tomou conta da imprensa britânica. Era inegável que se tratava de alguém com extremo talento, mas que teve a imagem arranhada devido ao temperamento e ao comprometimento, muito por conta da saída conturbada do Sheffield Wednesday, e de episódios de desgaste, como quando não chegou a um acordo para ficar no Aston Villa depois de pedir um elevado aumento salarial.
Um contrato de quatro anos foi assinado. As cifras agradavam Carbone, que ainda recebeu do Bradford uma casa de sete quartos e cinco banheiros em Leeds, onde viveria. Faturando algo em torno de 40 mil libras semanais, o novo camisa 10 tornou-se o jogador mais bem pago da história do clube e o dono de um dos maiores salários da Inglaterra – ganhava mais do que David Beckham na época.
O clube apostava alto e queria se manter na primeira divisão sem correr os mesmos riscos do ano anterior, no qual enfrentou muita turbulência. Stan Collymore e Dan Petrescu, duas figuras conhecidas e regulares do futebol inglês, também chegaram, mas toda a expectativa foi depositada em Carbone. Talentoso que era, fortaleceu a reputação que tinha de autor de gols espetaculares. Com um raciocínio rápido, superava as marcações adversárias e criava muitas ocasiões perigosas.
Benito estreou na segunda rodada da Premier League, marcando o último gol na vitória por 2 a 0 em cima do Chelsea, um dos favoritos ao título; Dean Windass abrira o placar. Um resultado formidável, capaz de animar o mais pessimista dos torcedores. No entanto, tudo não passou de uma falsa esperança. O time, que aparecia como promessa de novos tempos e de praticante de um futebol bonito, amargou derrota atrás de derrota, especialmente quando atuava longe de seus domínios.
Carbone não conseguia produzir em meio ao péssimo momento vivido pelo Bradford City. Uma goleada por 6 a 0 sofrida para o Manchester United, em Old Trafford mostrou um Benny – vaiado pela torcida local, em sinal de respeito – tentando resolver as coisas sozinho, em uma atuação que se resumiu a tentativas infrutíferas de chutes de longa distância.
As forças e fraquezas de Carbone foram vistas no duelo seguinte, um 1 a 1 contra o Arsenal. No primeiro tempo, foi um dos destaques e fez o que quis com Lee Dixon, seu marcador. Foi um show à parte. Quando o confronto se encaminhava para a etapa decisiva, ele desperdiçou duas chances claras. Benito foi um jogador que fazia grandes gols, mas nunca foi um grande artilheiro.
A cada rodada, a situação do Bradford se complicava mais e mais. Lanterna da Premier League com apenas uma vitória – a da primeira rodada, contra o Chelsea –, o clube vivenciou uma troca no comando técnico e anunciou Jim Jefferies para a vaga de Chris Hutchings. Benny tinha marcado, até então, três gols na temporada, sendo dois na Copa da Liga Inglesa, contra o modesto Darlington.
O péssimo momento não significava que Carbone tinha sido uma contratação fracassada ou que estivesse indo mal. Ele teve seus momentos e proporcionou jogadas especiais. Criticado por ser preguiçoso e ruim de grupo, demonstrou profissionalismo e muita força de vontade, sendo elogiado pelo companheiro Windass: “Ele estava presente todos os dias e fazia tudo 100%. Embora não se misturasse muito [com o restante do elenco], era bom tê-lo conosco”.
Jefferies determinou que Carbone era um luxo que os Bantams não podiam mais arcar. “Ele não era o tipo de atleta que o Bradford City deveria ter contratado. Ele era talentoso, mas não tínhamos jogadores para acomodá-lo”, afirmou, tempos depois. Era dezembro e a janela de inverno estava aberta. Outros nomes saíram para aliviar a folha salarial e Benny fazia parte da lista de negociáveis, mas as propostas que chegaram (de Udinese e Saint Mirren) não agradaram.
Foi uma provação para Carbone, que agiu com profissionalismo e se manteve quieto, sem reclamar, e acabou por provar que deixá-lo de fora poderia ser má ideia. Uma terrível sequência negativa de seis partidas sem marcar um gol sequer foi o que bastou para Jefferies reintegrar o italiano ao elenco, para a alegria de muitos.
Os resultados não melhoraram muito, é verdade, mas a forma que o time jogava, sim. Ele dava mais leveza, imprevisibilidade e dinamismo; também chegou a marcar lindos gols contra Ipswich e Charlton. Por outro lado, desperdiçou dois pênaltis em um único tempo, quando o Bradford perdeu para o Everton por 2 a 1, no confronto que selou a queda matemática da equipe, a quatro rodadas do fim da Premier League.
Mesmo com o mau resultado esportivo, a imprensa foi só elogios a Carbone. Muitos diziam que, se o Bradford não era mais um time de primeira divisão, o italiano tinha nível para continuar atuando na elite do futebol inglês. Presumia-se que ele iria para outro lugar naquele verão, mas o clube anunciou que ele continuaria para a disputa da segunda categoria. A permanência do atacante impediu a realização de contratações que não fossem a custo zero, o que não foi considerado um problema para quem tinha acabado de assegurar a estadia prolongada de um grande nome.
O início do fim
Tal qual na temporada anterior, a rodada inaugural reservava uma ilusão. Um atropelo diante do Barnsley por 4 a 0, com uma pintura de Carbone, deu a impressão de que as coisas pudessem ser relativamente tranquilas. O time manteve o bom desempenho até meados de setembro, com destaque para uma grande apresentação ao aplicar 5 a 1 no Gillingham, em dia inspirado do italiano.
Mas, como foi dito, era tudo uma tranquilidade aparente. A boa fase foi embora e Benny voltou a parecer um artigo de luxo, distante da realidade de sua equipe. Acabou emprestado ao Derby County, em outubro, e retornou à Premier League. Os Carneiros terminariam a temporada rebaixados, mas Carbone saiu-se bem nos meses em que lá permaneceu, fazendo uma dupla tutta italiana com Fabrizio Ravanelli. Já o Bradford City, que tropeçava aqui e ali, apresentou Nick Law como novo treinador e se manteve a salvo, não muito distante dos quatro últimos colocados.
Em janeiro, findado o empréstimo, Benny voltou ao Bradford. Seu primeiro jogo na reestreia seria em casa, contra o Preston. A expectativa de todos era que ele fosse escalado como titular, mas Law informou que ele ficaria no banco de reservas, para dar lugar ao zagueiro Andy Tod e reforçar o sistema defensivo. Carbone recusou-se a ficar no banco e, após uma longa e acalorada discussão, deixou o estádio Valley Parade duas horas antes do início do duelo.
O Bradford aplicou a multa máxima de duas semanas de salários, o que levou muitos a pensarem se não seria uma tentativa deliberada de provocar Carbone por falta de disciplina. O italiano pediu desculpas à torcida. “O que eu fiz foi errado. Eu amo este clube, a torcida e os jogadores, e eles me amam. Somos uma grande família. Eu adoraria ser capitão do time”.
Foi titular no jogo seguinte, contra o Grimsby Town, e marcou o gol da vitória em belíssima cobrança de falta. Aquela seria a última de suas 45 aparições, pontuadas por 10 tentos, pelo Bradford City: o clube o emprestou novamente a mais um time da Premier League pelo restante da temporada. Benny rumou ao Middlesbrough, onde encontrou o compatriota Gianluca Festa e anotou uma vez em 13 partidas, exatamente os mesmos números que tivera defendendo o Derby County. O Boro, contudo, se salvou da queda.
Carbone ainda tinha mais dois anos de contrato com o Bradford City, que pretendia se livrar dele para aliviar as finanças. As negociações com o Middlesbrough, que mostrou intenção de adquiri-lo permanentemente, não avançaram devido às demandas salariais do italiano. O clube estava em maus lençóis, devido a questões envolvendo direitos de transmissão, que ajudaram a aumentar o cenário caótico. E as dívidas aumentavam.
Os administradores do Bradford tentaram demitir todo o elenco de forma ilegal, exceto cinco jogadores – entre eles, Carbone. A associação de futebolistas da Inglaterra, a Professional Footballers Association, reagiu e impediu que tal movimento ocorresse, obrigando o clube a honrar todos os contratos vigentes. A grande questão ficou a cargo de Benny, que ainda tinha cerca de 3 milhões de libras para receber no restante do contrato. Ele optou por abrir mão do dinheiro e deixou o time. Um craque que poderia ter levado, literalmente, uma agremiação à falência, tornou-se herói para muitos.
Ciao di nuovo, Italia
No verão de 2002, depois de seis anos longe de seu país, Carbone acertou o retorno ao futebol italiano para jogar no Como, recém-promovido à Serie A. Lá, encontrou, por ironia do destino ou não, Daniel Fonseca, o mesmo da troca entre Napoli e Roma, tempos atrás, e o veterano Nicola Caccia. A campanha foi mais marcada pelas rusgas com o presidente Enrico Preziosi – este já com a cabeça no Genoa, seu futuro empreendimento – e os resultados deixaram a desejar. Os lariani não suportaram e foram rebaixados, ocupando a vice-lanterna. Alternando entre o banco e o onze inicial, Benny realizou 23 partidas e dois gols.
Em 2003, o segundo atacante foi jogar no forte time do Parma, treinado por Cesare Prandelli, naquela que seria a sua última disputa de Serie A. O elenco gialloblù começou a temporada com Sébastien Frey, Paolo Cannavaro, Daniele Bonera e Alberto Gilardino entre os titulares. Como opções entre os reservas estavam o brasileiro Adriano, o japonês Hidetoshi Nakata e… Carbone.
Benny foi importante peça de rotação de elenco na campanha que rendeu o quinto lugar na competição e, de quebra, a classificação à Copa Uefa. Na rodada derradeira, o Parma disputou a última vaga da Champions League com a Inter, fora de casa, mas acabou sendo derrotado por 1 a 0 – com gol de Adriano, que tinha retornado de empréstimo aos nerazzurri. Ao longo da temporada, somando todas as competições, o calabrês somou 28 aparições e seis tentos, sendo o mais importante deles num empate por 2 a 2 com a Juventus, pela Serie A.
Em termos esportivos, tudo bem, mas administrativamente o Parma implodiu após o fim do patrocínio milionário com a Parmalat, que decretou falência por conta da administração fraudulenta do empresário Calisto Tanzi e levou os crociati à bancarrota. Tudo isso logo após o período mais vitorioso da história do clube da Emília-Romanha, que ergueu oito taças em uma década e agora se via obrigado a se livrar de suas principais estrelas.
Carbone não era um dos maiores destaques do time, mas deixou o Parma e, aos 33 anos, foi se aventurar na Serie B. O atacante voltou à Calábria e defendeu o Catanzaro, que dispunha de um fraco elenco e caiu, em teoria, para a C1. Na prática, continuou na mesma divisão graças à desgraça alheia: isto é, as falências de Perugia, Salernitana e Venezia, e o Caso Genoa. O clube da Ligúria passou de campeão da categoria a rebaixado, devido à manipulação do resultado da partida do acesso, contra a equipe veneziana.
Depois da experiência no sul da Itália, Benny seguiu para o norte, onde teve momentos de brilho e ajudou o Vicenza a se livrar do descenso, terminando a Serie B na 16ª posição. Os dirigentes do clube biancorosso pretendiam mantê-lo e torná-lo um dos pilares do projeto que tinha como objetivo máximo o acesso à primeira divisão.
Mas estamos falando de Benito Carbone, que resolveu não continuar no Vêneto e foi matar a saudade da família na Calábria. Um mês depois da rescisão contratual e das férias, aproximando-se da aposentadoria, embarcou em uma aventura australiana ao assinar com o Sydney FC, em uma curta e proveitosa passagem – foram dois gols em três partidas.
Seu derradeiro destino, o Pavia, representou a segunda passagem mais duradoura da carreira do atacante, ficando atrás somente do período em que jogou no Sheffield Wednesday. Durante os três anos em que lá esteve, foi apelidado de Harry Potter, pelos truques de magia que aprontava em campo. No triênio de Lombardi, Benny sempre disputou a quarta divisão, mas na última temporada da carreira, se despediu de forma honrosa: foi o artilheiro dos azzurri no certame em que foi conquistado o acesso à terceirona.
Surge um treinador
Foi neste período que ele resolveu que seria treinador. Gostou da ideia de ensinar futebol, transmitindo motivações e compartilhando experiências. Ele teve um gostinho disso porque assumiu um papel de líder no elenco, e guiou atletas como Francesco Acerbi e Emanuele Giaccherini. Pendurou as chuteiras, mas não deixou o Pavia, pois logo recebeu um convite para trabalhar nas categorias de base do clube.
Não demorou para que assumisse o time principal e realizasse seu primeiro trabalho, substituindo Gianluca Andrissi e colocando o clube no 13º lugar da terceira divisão, livre da queda. Em seguida, Benny teve uma breve passagem de quatro meses no Varese, com um triunfo em sete partidas. Então obteve todos o diploma de treinador em Coverciano e dirigiu o Vallée d’Aoste, mas em outra curta experiência – apenas cinco meses, marcados por más exibições.
Em 2014, o ex-atacante tornou-se consultor especial do Leeds United, a convite do proprietário Massimo Cellino, com quem se desentendeu e deixou o cargo dois meses depois. Um ano mais tarde, integrou rapidamente a comissão técnica de Roberto Mancini na Inter e foi treinar a Pro Sesto, ajudando a manter a equipe de Sesto San Giovanni na Serie D. Em 2016, herdou a vaga de Christian Panucci na Ternana, mas foi demitido não muito tempo depois, em janeiro de 2017.
Ainda no mesmo ano, mas em dezembro, foi assistente de Walter Zenga no Crotone, que disputava a Serie A. Segundo o próprio Carbone, o treinador poderia ser definido como “um especialista na leitura de jogo”, mas os pitagóricos acabaram sendo rebaixados – o que ocasionou a dissolução da comissão técnica. Em 2018, juntou forças novamente com Zenga, no Venezia. Em meio a uma ferrenha briga pela salvação, ambos foram demitidos depois de seguidos maus resultados.
Entre 2020 e 2022, Benito foi auxiliar de Gianni De Biasi na seleção do Azerbaijão. Em seguida, passou novamente pelo Pavia e, pela terceira vez, ocupou o posto de vice de Zenga – no Emirates, dos Emirados Árabes Unidos, que também comandou interinamente. Agora, Benny é técnico do sub-18 da Inter. Mas, certamente, as suas malas já estão prontas para uma próxima experiência.
Benito Carbone
Nascimento: 14 de agosto de 1971, em Reggio Calabria, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Torino (1988-90 e 1993-94), Reggiana (1999-91), Casertana (1991-92), Ascoli (1992-93), Roma (1994), Napoli (1994-95), Inter (1995-96), Sheffield Wednesday (1996-99), Aston Villa (1999-2000), Bradford City (2000-01 e 2002), Derby County (2001-02), Middlesbrough (2002), Como (2002-03), Parma (2003-04), Catanzaro (2004-05), Vicenza (2005-06), Sydney (2006-07) e Pavia (2007-10)
Títulos como jogador: Serie B (1990) e Europeu Sub-21 (1994)
Clubes como treinador: Pavia (2011 e 2023), Varese (2011), Vallée d’Aoste (2011-12), Pro Sesto (2015), Ternana (2016-17) e Emirates (2024)