Serie A

Derby d’Italia: Inter e Juve fazem duelo centenário, mas de poucas disputas diretas por títulos

O futebol italiano está repleto de rivalidades acirradas e centenárias, mas nenhuma delas tem um peso tão grande quanto aquela entre Inter e Juventus. Não à toa, o confronto carrega a alcunha de Derby d’Italia há cinco décadas, quando foi introduzida pelo icônico jornalista Gianni Brera, o rei dos neologismos do Belpaese. O termo inglês geralmente é utilizado para duelos locais, mas neste caso a rivalidade transcende questões geográficas. Embora exista, sim, uma competição entre Milão e Turim, dois dos mais importantes centros industriais do norte da península, o clássico também representa o confronto das maiores torcidas do país e um embate de forças políticas de grandeza nacional – por anos caracterizado pela dicotomia entre as famílias Agnelli e Moratti.

Para os interistas, seus maiores rivais são os bianconeri, enquanto para os juventinos, os nerazzurri são seus principais adversários. É assim desde a criação das torcidas organizadas, o que aconteceu na mesma época em que o duelo ganhou sua alcunha, na passagem dos anos 1960 para os 1970. Quando a Inter está em alta, a Juventus está em baixa, e quando a Velha Senhora está dominando, a Beneamata está sofrendo. Esse cenário se repete há décadas e tem um exemplo recente: depois do cinco títulos consecutivos do Biscione, até 2010, agora é a Zebra que estabelece a sua série vitoriosa (com recorde) e empilha sete títulos desde 2012. Entre as hegemonias, um solitário scudetto do Milan.

A alternância em polos opostos talvez seja um bom argumento para ajudar a explicar o baixo número de finais entre Inter e Juventus. Para se ter ideia, em um duelo centenário com mais de 200 partidas oficiais, os clubes nunca se enfrentaram em competições organizadas por Fifa ou Uefa, e 85% dos confrontos aconteceram pelo Campeonato Italiano. As arquirrivais protagonizaram apenas três finais até hoje: na Coppa Italia, em 1959 e 1965, com dois triunfos juventinos, e na Supercoppa Italiana de 2005, vencida pelos interistas.

Em 1959, a Velha Senhora contava com o Trio Magico, formado por Giampiero Boniperti, Omar Sívori e John Charles: o argentino e o galês marcaram na vitória por 4 a 1 no San Siro. Seis anos depois, foi a vez de Heriberto Herrera, à frente de sua “Juve operária”, derrotar pela primeira vez seu quase homônimo, Helenio Herrera, então campeão italiano e europeu pelos nerazzurri. Por último, a conquista da Supercoppa em 2005 foi muito importante para a Beneamata, que através do gol de Juan Sebastián Verón acumulou três vitórias seguidas em Turim – um recorde que perdura até hoje. A taça também foi significativa pois deu início à era do domínio nacional interista.

De qualquer forma, a escassez de finais não significa um baixo número de títulos decididos pela dupla. Inter e Juve compartilham 16 disputas diretas pela Serie A – ou seja, campanhas em que os dois times ficaram nas primeiras duas posições da tabela ou lutaram pelo scudetto até os últimos instantes. Em campeonatos que foram decididos desta forma, cada lado faturou oito títulos.

Em 1961, Sívori marcou seis vezes num jogo cercado de muitas polêmicas (Wikipedia)

Alguns destes certames são realmente históricos, como o de 1960-61, que teve um episódio que acirrou de vez a rivalidade entre as famílias Agnelli e Moratti no futebol. Enquanto a Juventus aproveitava a última gota do seu trio, a Inter começava a formar o maior time da sua história, e já contava com Herrera no comando e Armando Picchi, Aristide Guarneri, Giacinto Facchetti e Mario Corso no elenco – Tarcisio Burgnich e Luisito Suárez se juntariam aos nerazzurri meses depois.

Em 16 de abril de 1961, as equipes se enfrentaram pela 28ª rodada em Turim, no estádio Comunale, atualmente denominado Olímpico Grande Torino. A praça recebeu um público superior à sua capacidade, o que era relativamente comum para a época e também aumentava as chances de entreveros. Uma invasão de campo ainda no primeiro tempo fez o jogo ser cancelado e dar a vitória por 2 a 0 para a Inter, que dessa forma diminuiu a desvantagem para a Juventus para dois pontos. O campeonato seguiu até que, no dia 3 de junho, um recurso juventino para jogar a partida novamente foi atendido pela federação. O presidente da entidade era Umberto Agnelli, manda chuva da Vecchia Signora e de grande parte do setor industrial italiano. Naquela altura, os dois estavam empatados com 46 pontos.

No dia seguinte ao recurso, que também retirou os dois pontos da vitória interista por W.O., a última rodada do campeonato foi realizada. Enquanto a Juventus empatou em casa com o Bari por 1 a 1, a Inter sofreu uma surpreendente derrota para o Catania por 2 a 0 fora de casa. “Clamoroso al Cibali!”, gritou o narrador Sandro Ciotti, se referindo ao inesperado resultado no estádio siciliano, hoje chamado Angelo Massimino. A combinação de resultados garantiu o título para a Juventus, já que os milaneses ficaram três pontos atrás – vale lembrar que, na época, a vitória valia apenas dois.

Na semana seguinte à definição, aconteceria o repeteco da partida anulada, entre bianconeri e nerazzurri. Em protesto, o presidente Angelo Moratti ordenou que a Inter entrasse em campo com a formação Primavera, o sub-19. Resultado: vitória por 9 a 1 dos donos da casa, a maior goleada da história do confronto, com direito a seis gols de Sívori, que se igualou a Silvio Piola como atleta a marcar o maior número de vezes numa única partida da competição. O jogo ainda marcou a despedida dos gramados do histórico Boniperti e a estreia do também lendário Sandro Mazzola, que marcou o único gol visitante. “Eu ia ver os jogos do seu pai escondido. Ele era o maior”, disse o ídolo juventino para o garoto interista, filho de Valentino.

Uma ‘amistosa’ disputa de boa entre juventinos e interistas, nos anos 1930; Meazza é o nerazzurro (Wikipedia)

A rivalidade na primeira metade do século

A competição entre bianconeri e nerazzurri remonta do tempo em que o Campeonato Italiano ainda não era profissional – ou seja, antes de 1929. Até 1920, Inter e Juventus estavam na Prima Categoria (a antecessora da Serie A) com um título cada: neste ano, os interistas ultrapassaram a rival, fundada 11 anos antes. A Beneamata só ficaria com número maior de taças nacionais do que a equipe do Piemonte outra vez em toda a história, exatamente uma década depois. À época, o campeonato tinha uma fórmula longa e complexa, com divisões regionais no norte e no centro-sul. Na parte setentrional do país, a dupla disputou um triangular com o Genoa para definir quem faria a decisão com o vencedor do centro-sul. Os nerazzurri levaram a melhor com uma vitória por 1 a 0 sobre os bianconeri e um empate em 1 a 1 com os grifoni. Na grande final, nova vitória milanesa, dessa vez por 3 a 2 sobre o Livorno.

Tudo isso aconteceu pouco antes de a Vecchia Signora montar um time fortíssimo, emplacar o Quinquennio d’oro e se tornar a primeira pentacampeã seguida da história – feito igualado apenas por Torino, nos anos 1940, e Inter, nos 2000, e superado pela implacável Juventus dos nossos tempos. Curiosamente, três dos scudetti do Quinquennio tiveram a Inter como vice-campeã. Ou melhor, a Ambrosiana, já que o clube mudou de nome por determinação do regime fascista, que não aceitava estrangeirismos na língua.

Em 1933 e 1935, as diferenças foram de, respectivamente, oito, quatro e dois pontos – ou seja, quatro, duas e uma vitórias. O dualismo era tão grande nesta época que a seleção italiana campeã mundial em 1934 tinha base juventina (9 atletas) e interista (4). No último título da série bianconera, as equipes chegaram na última rodada empatadas em 42 pontos. A Juventus jogou fora de casa contra a Fiorentina, enquanto a Ambrosiana foi para Roma enfrentar a Lazio. No final, vitória bianconera por 1 a 0 e derrota nerazzurra por 4 a 2: um cenário muito parecido ao que ocorreria no famoso 5 maggio de 2002, quase sete décadas depois.

Ao diminuir a distância progressivamente, a Ambrosiana tinha dado o recado: afinal, era o time do grande Giuseppe Meazza, que se sagraria campeão em 1938. Os nerazzurri perderam a liderança na 24ª rodada, mas se recuperaram na penúltima, quando os juventinos perderam para o extinto Liguria (clube artificialmente forjado nos anos fascistas). As vitórias sobre Roma e Bari garantiram o scudetto da Ambrosiana por dois pontos de vantagem. Em 1940, a taça voltou a Milão.

A década de 1940 não foi gentil com os clubes, que viram o domínio do Grande Torino e a concorrência do Milan do trio sueco Gre-No-Li (Gunnar Gren, Gunnar Nordahl e Nils Liedholm) na década seguinte. Até a chegada dos nórdicos, o Diavolo estava alijado da briga por taças e viveu o maior jejum de sua história: de 1907 a 1951 foram 44 anos de fila.

Goleiro Anzolin e zagueiro Salvadore tentam parar Mazzola, na final da Coppa Italia de 1965 (Wikipedia)

Os anos 1950, 1960 e 1970: a rivalidade vira dérbi

Os juventinos foram campeões em 1950 e 1952, enquanto os interistas responderam com um bicampeonato nos dois anos seguintes, ambos com os bianconeri como vice. Era a Inter de Alfredo Foni, que foi ídolo da Velha Senhora como zagueiro e teve auge como técnico em Milão. Foni se tornou famoso pelo catenaccio aplicado no primeiro ano, no qual os nerazzurri conquistaram o scudetto com três rodadas de antecipação e, relaxados, só perderam os jogos restantes, inclusive para a Juve.

Nessa época, a Fiorentina também era uma equipe forte. A Viola chegou a liderar o campeonato em 1958, antes de perder a posição para a Inter na 26ª rodada, que por sua vez acabaria ultrapassada pela Juventus na seguinte. Depois, os rivais dividiram o primeiro lugar por mais três semanas. Na 32ª jornada, o time de Foni recuperou uma vez mais a liderança com um empate por 2 a 2 com o Palermo e derrota bianconera para a Atalanta, por 3 a 2. A partir de então, a Beneamata entrou em um período de seca, enquanto a Velha Senhora dominou, com o já citado Trio Magico, e obteve o direito de estampar a primeira estrela em sua camisa. Nos anos seguintes, A Juventus também obteve as já citadas vitórias sobre a rival de Milão na Coppa Italia (1959( e na Serie A (1961).

Em 1963, a era Moratti-Herrera teve seu primeiro troféu e o fruto foi colhido justamente no pomar da Juventus, então treinada pelo brasileiro Paulo Amaral. Melhor no ataque e na defesa, o time interista dominou a reta final do campeonato depois de passar dez rodadas dividindo a ponta da tabela com os rivais. A rodada que mudou o rumo do certame foi a 23ª, na qual os bianconeri perderam para a Sampdoria por 2 a 1 e os nerazzurri empataram com o Milan em 1 a 1. Na 31ª, os times se enfrentaram e a vitória milanesa por 1 a 0 aumentou a diferença para seis pontos. Era também a vingança do garoto Mazzola, que marcou o gol do scudetto.

Depois do título da copa local, em 1965, dois anos depois a Juve Operária derrubou a Grande Inter mais uma vez. Os interistas lideraram o campeonato de cabo a rabo, mas em meio à disputa pela Copa dos Campeões, começaram a tropeçar no final e perderam o título na derradeira rodada. Depois de quatro empates e uma derrota para a própria Juventus por 1 a 0, foi fatal a queda para o Mantova de Dino Zoff, futuro ídolo bianconero, e Beniamino Di Giacomo. O ex-jogador nerazzurro marcou o gol em falha do lendário Giuliano Sarti. A Beneamata ainda perdera a final europeia para o Celtic uma semana antes.

O envelhecimento da Grande Inter e a política nacionalista que proibiu novos estrangeiros na Serie A, devido ao vexame da Nazionale na Copa de 1966, afastaram os holofotes dos interistas nos anos 1970. Ainda assim, a Beneamata disputou outra final europeia em 1972, mas caiu para o Ajax de Rinus Michels e Johan Cruyff, tal qual a própria Juventus, um ano depois.

Nesta década, os nerazzurri ganharam dois scudetti e uma Coppa Italia, e tiveram de ver o futebol da Bota voltar a ser dominado pelos juventinos, que conquistaram mais seis títulos. Primeiro, graças a um elenco com as lideranças de Sandro Salvadore, Helmut Haller, Fabio Capello, Pietro Anastasi e José Altafini. Depois, pelo mitológico esquadrão comandado por Giovanni Trapattoni, com Gaetano Scirea, Claudio Gentile, Antonio Cabrini e Marco Tardelli. Dino Zoff, Antonello Cuccureddu, Franco Causio, Giuseppe Furino e Roberto Bettega atravessaram integralmente o período e se tornaram bandeiras juventinas.

A partir do fim da década de 1970, a Inter cresceu sob o comando de Eugenio Bersellini, que ganhou a Coppa Italia na primeira temporada no comando técnico do clube, em 1978. Dois anos depois, o time do “sargento de ferro” dominou completamente o campeonato. Ao ritmo da dupla Evaristo Beccalossi e Alessandro Altobelli no ataque, e com a solidez dos líderes Graziano Bini, Giuseppe Baresi e Gabriele Oriali na defesa, os nerazzurri ocuparam o topo da tabela da Serie A desde a primeira rodada, compartilhando a primeira posição com os rivais de Turim somente nas duas jornadas seguintes. Nem mesmo a derrota no dérbi do segundo turno, por 2 a 0, e alguns tropeços na reta final modificaram a classificação: a Inter foi campeã com três pontos de vantagem sobre a rival.

Rummenigge e Platini, duas das estrelas estrangeiras da Serie A nos anos 1980 (Wikipedia)

Com o boom dos estrangeiros, a Serie A ganha novos concorrentes ao topo, mas a rivalidade persiste

Quando parecia retomar as rédeas na dicotomia com a Juventus, a Beneamata voltou a viver um jejum de conquistas que durou quase uma década. Depois do título de 1980, a equipe nerazzurra faturou a copa local, em 1982, mas só voltou a triunfar no país às vésperas do decênio seguinte, quando Trapattoni – à época, um ex-juventino – ganhou os reforços de Lothar Matthäus e Andreas Brehme e conduziu a Inter ao chamado “scudetto dos recordes”, em 1989. No período anterior, o time da Lombardia já contava com bandeiras como Walter Zenga e Giuseppe Bergomi, e sempre ocupava a parte mais alta da tabela e se classificava para torneios continentais. Porém, penava para lutar pelo protagonismo numa época em que a Serie A ganhou novos players

Nos anos 1980, a Itália foi o eldorado do futebol mundial e os super times se digladiavam na tabela: além do trio de gigantes, Roma, Napoli, Sampdoria, Verona e Torino brigaram por títulos naquela década mágica. Dentre os três maiores clubes da Bota, só a Velha Senhora manteve o mais alto nível de competitividade, muito em virtude da continuidade de Trap e de seu assombroso time-base – que ainda amealharia o reforço de Michel Platini e Zbigniew Boniek. Aquela Juve histórica aproveitou para colecionar mais títulos (quatro scudetti), incluindo suas primeiras conquistas da Copa dos Campeões e do Mundial Interclubes.

A década posterior, a de 1990, manteve a hegemonia do futebol de clubes italiano perante os seus concorrentes da Europa. O resultado foi um domínio quase completo dos times da Velha Bota nas competições internacionais. Nerazzurri e bianconeri, claro, não passaram em branco. A Inter foi tricampeã da Copa Uefa (e vice numa outra oportunidade), enquanto a Juve venceu a mesma competição e foi vice em uma ocasião. A Velha Senhora também foi finalista da Champions League em três temporadas seguidas, tendo levantado a “orelhuda” em 1996.

Um título da Serie A decidido cabeça a cabeça pela dupla, porém, estava faltando. Por força das circunstâncias, os esquadrões acabavam se dedicando com mais afinco a competições diferentes e o cenário de 1980 – com a dupla concluindo o Italiano nas primeiras posições – demorou quase vinte anos para se repetir. Quando aconteceu, porém, não sobrou pedra sobre pedra.

Décadas depois, o lance entre Iuliano e Ronaldo ainda gera discussões (Arquivo/Inter)

Mark Iuliano, Ronaldo e o dérbi da discórdia

Em 1995, a oposição entre as famílias Agnelli e Moratti retornou ao futebol. Se os poderosos donos da Fiat nunca abriram mão do comando da Juventus, o clã petrolífero passou 27 anos afastado do controle da Inter. A reedição do antagonismo entre as linhagens teve a participação de braços direitos estranhos aos núcleos familiares: Luciano Moggi era a principal figura do clube juventino, enquanto Massimo, herdeiro do legado da Grande Inter, concedeu a ex-jogadores da primeira era morattiana cargos importantes na diretoria.

O período teve muito dinheiro circulando pelo esporte do país (muitas vezes, de forma fraudulenta) e marcou a definitiva globalização do futebol, que teve na Itália seu principal centro por quase três décadas. Os melhores jogadores do mundo estavam na Serie A. Como Ronaldo, que protagonizou o primeiro título da gestão de Massimo Moratti, a conquista da Copa Uefa de 1998, e foi o principal nome nerazzurro na briga pelo scudetto com a Juventus, no mesmo ano.

Depois de dominar boa parte do primeiro turno, o time de Gigi Simoni perdeu na penúltima rodada para o Bari e depois empatou com o Empoli, enquanto a Juventus engatou sequência de vitórias depois do 1 a 0 sofrido no dérbi e terminou como campeã de inverno. Até a 31ª rodada, a Velha Senhora ocupou a liderança (o fez durante todo o segundo turno), mas a diferença entre as arquirrivais sempre se manteve mínima.

A 31ª jornada, então, seria palco do Derby d’Italia. Depois do clássico, restariam apenas mais três partidas para o final do campeonato, e a vantagem juventina era de apenas um ponto: ou seja, não era mero chavão dizer que o jogo tinha cara de final antecipada. No antigo Delle Alpi, os anfitriões saíram na frente do placar, com Alessandro Del Piero, e seguraram a pressão dos visitantes. Até que, aos 70 minutos, ocorreu um dos lances mais polêmicos da história do futebol italiano.

Após tentativas de corte ineficazes de Moreno Torricelli e Alessandro Birindelli, Ronaldo tentou dominar a bola na área e centralizar a jogada, mas se chocou violentamente com o zagueiro Mark Iuliano. O árbitro Piero Ceccarini nada marcou e, na sequência da jogada, viu Taribo West parar o contragolpe bianconero com falta na área. Depois de minutos de cenas lamentáveis, muita confusão e pressão, Del Piero cobrou no centro e Gianluca Pagliuca, muito adiantado, conseguiu defender a cobrança com os pés. Na reta final do jogo, Zé Elias ainda foi expulso e a Juve confirmou o triunfo.

A repercussão do lance foi gigantesca e atingiu até o parlamento italiano, sendo motivo de uma ríspida discussão entre os deputados. Duas décadas depois, o lance ainda é comentado: principalmente por interistas, que usam o episódio para “denunciar” a existência de supostos esquemas pró-Juve desde antes do Calciopoli, mas até pelo próprio árbitro. Em entrevistas recentes, a última delas nesta semana, Ceccarini se diz convicto de que acertou ao não assinalar penalidade em Ronaldo. “O VAR não teria confirmado o pênalti”, disse o ex-apitador.

De qualquer forma, nenhuma medida jurídica ou esportiva foi tomada na época. Sob pressão ainda maior, após a derrota em Turim, a Inter entregou os pontos e tropeçou nas rodadas seguintes contra Piacenza e Bari. Assim, a Juventus levantou o troféu e fechou o campeonato com cinco pontos de vantagem sobre a Beneamata. Quatro anos mais tarde, dessa vez com menos polêmica, os bianconeri novamente dariam um chapéu nos nerazzurri: era o 5 maggio, fatídico para os tifosi interistas.

A comemoração da Lazio significava título para a Juventus: Inter de Ronaldo viveu trauma na última rodada da Serie A em 2002 (LaPresse)

Maio de 2002: a última rodada mais emocionante da história do confronto

Naquele início de milênio, em pleno 2002, a Inter amargava longa fila: não conquistava o scudetto havia 13 anos. Os sete anos de altos investimentos de Moratti não haviam resultado em títulos domésticos, a taça da Copa Uefa não contentava mais a torcida e as duas graves lesões que Ronaldo sofreu no joelho desanimavam a comunidade nerazzurra. No fim de 2001, o Fenômeno voltou pouco a pouco aos gramados, visando também a participação na Copa do Mundo, e foi preponderante para os interistas, com sete gols em 10 jogos.

Pode parecer pouco, mas não é. Afinal, a temporada de 2001-02 foi palco de uma das maiores disputas pelo título da história do Italiano, que do início ao fim não teve um time despontando como favorito. Depois de Inter e Juventus compartilharem a liderança nas primeiras rodadas, o surpreendente Chievo de Gigi Delneri assumiu o topo da classificação, posto que manteve por dois meses. A Beneamata recuperou o lugar e passou o natal e o ano novo na ponta, antes de perdê-la novamente, dessa vez para a Roma, contra quem protagonizou outra competição até as rodadas iniciais do segundo turno. A Velha Senhora reapareceu a briga se acirrou entre os três.

O time de Héctor Cúper reassumiu a liderança isolada com a vitória por 3 a 1 sobre a Roma e a derrota da Juventus para o Parma, e assim se manteve até a última rodada. Os tropeços contra Atalanta e Chievo, contudo, se provariam fatais, pois seus adversários seguiam vencendo. Assim, a classificação para a jornada derradeira tinha a Inter com 69 pontos, a Juventus com 68 e a Roma com 67. No dia 5 de maio, o trio jogaria fora de casa: os nerazzurri iriam novamente para a capital enfrentar a Lazio, enquanto os bianconeri visitariam a Udinese e a Roma iria até o Piemonte para encarar o Torino.

A Inter era a única das equipes que dependiam apenas de si para ser campeã da Serie A: precisava vencer no Olímpico para não fazer contas. Caso não ganhasse, a Roma poderia até empatar com o Toro e a Juve não poderia vencer uma Udinese que ainda corria grande risco de rebaixamento. Com dois minutos de partida no Friuli, a Juve já vencia com gol de David Trezeguet. A marca foi ampliada aos 11, por Del Piero. Mas ao passo que o camisa 10 bianconero comemorava, Christian Vieri abria o placar para a Inter em Roma.

Os nerazzurri sofreram o empate, mas reagiram rapidamente e voltaram à frente no placar quatro minutos depois do 1 a 1. A Inter parecia tranquila para levar a vantagem para o intervalo, mas um grave erro de Vratislav Gresko possibilitou a Karel Poborsky marcar o seu segundo e reacender o jogo mais uma vez. mas levaram a virada dos celestes: 4 a 2. Com a vitória parcial da Juventus, apenas a vitória importava para a Inter, enquanto a Lazio também precisava dos três pontos para se classificar para a Copa Uefa.

Os dois gols sofridos acabaram com o controle emocional dos jogadores nerazzurri, que sucumbiram na etapa final e levaram a virada graças a Diego Simeone, ex-interista, e ainda viram Simone Inzaghi ampliar. Uma notícia de Turim piorou ainda mais a situação: a Roma abriu o placar com Antonio Cassano. Desprezado por Cúper, Ronaldo foi substituído e viu do banco do Olímpico o título da Serie A escapar mais uma vez das suas mãos, enquanto Marcello Lippi, com quem tinha boa relação, vencia mais um pela Juventus. O sorriso fácil do atacante se perdeu em meio a um copioso choro: tragicamente, terminava a sua memorável passagem pela Pinetina.

Adriano e Verón foram decisivos para triunfo da Inter sobre a Juve na Supercopa de 2005 (AFP/Getty)

A superação do trauma, o Calciopoli e o panorama atual

Juventus e Inter disputaram o título mais uma vez na temporada seguinte. O ano foi bastante interessante para os italianos, visto que o país colocou três equipes nas semifinais da Liga dos Campeões. Na competição continental, porém, quem levou a melhor foi o Milan, que se sagrou vencedor após eliminar a rival citadina no clássico lombardo e, na finalíssima, derrotar a Velha Senhora nos pênaltis, em Old Trafford. Houve até milanista que quisesse reivindicar o uso do termo Derby d’Italia para os jogos entre os rossoneri e os juventinos, mas a moda nunca pegou.

Na Serie A, a Inter fez um ótimo primeiro turno, mas não conseguiu segurar o rojão a partir de janeiro de 2003. Em outro duro golpe para suas pretensões a treinador de ponta, Cúper perdeu a liderança isolada após derrota para o Chievo na 21ª rodada e o primeiro lugar se foi de forma definitiva depois do 3 a 0 sofrido para os bianconeri um mês depois. A partir dali, a Velha Senhora não largou mais o posto e conquistou o scudetto com sete pontos de vantagem.

A vingança interista viria dois anos depois, primeiro com a conquista da Supercopa citada no início do texto, graças ao memorável gol de Verón, e também pela explosão do escândalo Calciopoli, em 2006. Com dois títulos revogados e o rebaixamento para a Serie B, a Juventus viu a Inter herdar seu último scudetto e dar início a uma série de mais quatro títulos da primeira divisão. A rival de Milão viveu o ápice no último ano de sua hegemonia, ao conquistar a Tríplice Coroa – entre os times italianos, um feito exclusivamente nerazzurro. A Beneamata de José Mourinho faturou também a Coppa Italia e a Liga dos Campeões, enquanto o substituto Rafa Benítez, mesmo desprestigiado, incorporou mais um Mundial de Clubes à galeria de troféus do clube, em dezembro de 2010.

As consequências do Calciopoli acirraram a rivalidade entre as torcidas: houve questionamentos quanto à legitimidade dos títulos anteriores dos juventinos e aos posteriores dos interistas, que acabaram se beneficiando da punição à rival. A Inter ainda “roubou” dois grandes jogadores da Velha Senhora – Patrick Vieira e Zlatan Ibrahimovic.

Depois de disputar a segundona, a Juventus viveu período de baixa e, aos poucos, se reestruturou. Foram anos de uma eficaz gestão de crise para que o clube atingisse o estado de domínio atual. Desde que a bomba da manipulação de resultados estourou, apenas em 2009 Inter e Juve estiveram relativamente próximos na tabela por uma quantidade razoável de tempo: na ocasião, foram dez pontos de diferença entre as equipes treinadas por José Mourinho e Claudio Ranieri, campeã e vice. A Inter assumiu a liderança a partir da 11ª rodada e manteve uma folgada margem a partir de novembro, sem jamais ser ameaçada depois disso. A diferença aumentou ainda mais na temporada seguinte e chegou a 27 pontos de vantagem – na ocasião, os juventinos suaram para conquistar uma vaga na Liga Europa.

No clássico mais recente, Higuaín decidiu no finalzinho (Getty)

Esse foi, porém, o último scudetto interista. Dois anos depois foi a vez de a rival revidar. Com Antonio Conte no comando, os bianconeri foram campeões invictos pela primeira vez na sua história. A Inter, então, foi quem suou para conquistar um lugar na Liga Europa e concluiu a campanha 26 pontos atrás da Velha Senhora. Desde então, o que mais se aproximou de um duelo por título entre as grandes adversárias foi o confronto das semifinais da Coppa Italia, em 2016. Os mandantes se impuseram (3 a 0 em Turim e 3 a 0 em Milão), e a decisão por pênaltis acabou decidida a favor dos juventinos pelo ex-interista Leonardo Bonucci.

Evidentemente, o Derby d’Italia também já proporcionou muitos outros confrontos decisivos para o andamento da Serie A. O mais recente deles, no segundo turno da temporada passada, entrou para a história pelo elevado número de eventos técnicos, disciplinares e estratégicos qe vieram a ser decisivos. Houve de tudo: cartão vermelho no primeiro tempo, polêmica arbitragem de Daniele Orsato, uma virada para cada lado e uma substituição que mudou o destino do duelo.

No final das contas, a Juventus venceu no San Siro com gol de Gonzalo Higuaín, aos 89 minutos, e encaminhou seu sétimo scudetto seguido. De quebra, a Vecchia Signora quase impôs à Inter o fracasso de não se classificar para a Liga dos Campeões: para não amargar o sétimo ano longe da maior competição de clubes do continente, a Beneamata precisou bater a Lazio na última rodada, num outro jogo de tirar o fôlego.

Prepare-se para um duelo de luxo nesta sexta. Afinal, as arquirrivais estão na zona Champions e, entre elas, existe o menor abismo técnico em pelo menos uma década. Buscando o recorde europeu de maior quantidade de pontos conquistados após 15 rodadas, a Juventus vai entrar em campo com gás redobrado. A Inter, para evitar o feito da adversária mortal e se aproximar da ponta, também. Um Derby d’Italia que entrará para a história?

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